Se no ambiente da esquerda o ex-chefe do DOI-Codi Carlos Alberto Brilhante Ustra provoca repulsa, seu nome é poupado de críticas por representantes da direita — e adorado pela ala mais radical. Entre os principais grupos conhecidos pela mobilização pró-governo neste ano, o Movimento Brasil Livre (MBL) se mostra a voz dissonante em relação a essa idolatria.
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) passa ao largo do fato de Brilhante Ustra ter sido o primeiro militar brasileiro a responder por um processo de tortura durante a ditadura militar, sendo apontado pela Comissão Nacional da Verdade como responsável por crimes durante o período. Nesta quinta-feira (8), Bolsonaro se referiu ao coronel como "herói nacional" , antes de se reunir com a viúva do militar para um almoço.
As críticas ao coronel surgem entre representantes da direita mais próxima ao centro. Renan Santos, coordenador nacional do MBL, diz achar ruim glorificá-lo e "desesenterrá-lo" da história.
"O Bolsonaro, em vez de se preocupar com coisas interessantes, fica arrumando a confusão do dia para polarizar o debate público e empobrecer a discussão. O voto dele ajudou a manchar o impeachment", diz Santos, referindo-se à homenagem proferida pelo então deputado federal ao coronel em seu voto pela abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff .
Outras lideranças da direita pouparam Ustra de críticas. Tomé Abduch, porta-voz do movimento NasRuas, diz não ter propriedade para tratar do assunto, e Marcos Bellizia, outro
líder do grupo, afirma que o assunto é "página virada" na história do Brasil. Adelaide Oliveira, coordenadora do Vem Pra Rua, segue a mesma linha. Ela afirma não ter opinião
sobre Ustra e que não é um assunto que a interesse.
"Defunto ideológico é o que não vou fazer. O STF está pegando fogo, o pacote anticrime está sendo destruído, o combate à corrupção, que é meu foco, está sendo enterrado. Não
posso gastar tempo com isso. A gente tem um monte de coisa para fazer no mundo real", declara ela.
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Outra versão
Porta-voz do rebatizado Movimento Conservador (antigo Direita São Paulo), Edson Salomão, por sua vez, mostra-se mais enfático na defesa do ex-comandante do DOI-Codi .
"(A declaração de Bolsonaro) é um respeito à memória dele (Ustra), porque ele teve seu papel na época do regime militar. Foi criada uma narrativa só de um lado sobre a questão
do que aconteceu nessa época (...) O Brilhante Ustra escreveu um livro, que é outra versão do que aconteceu", diz Salomão, que também é chefe de gabinete do deputado estadual
Douglas Garcia (PSL-SP).
O ex-chefe do DOI-Codi é um motivo de orgulho para o general Girão Monteiro (PSL), deputado federal pelo Rio Grande do Norte. Ele diz ter um quadro de Ustra em seu escritório e que o reverencia porque Ustra "foi um soldado que cumpriu uma missão". Em suas palavras, é um direito de Bolsonaro "dizer o que ele quiser" sobre quem bem entender.
Visão da Academia
Especialista em estratégia militar e professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Piero Leirner diz que grupos de reservistas têm uma ligação mais evidente com
Ustra, que foi reforçada com uma interferência de Dilma Rousseff no Clube Militar, em 2012, a partir de críticas que lá apareceram em relação à Comissão Nacional da Verdade
.
"De certa maneira, isso quebrou um ciclo de afastamento da instituição de setores ligados à repressão na ditadura, que ocorria desde a época de Leônidas Pires Gonçalves. Note
que Bolsonaro sempre foi próximo desses grupos, que constituíam sua base eleitoral e de penetração no meio militar, que em fins dos anos 1980 não nutria grande simpatia pelo
ex-capitão", afirmou.
Para Daniel Trevisan, professor do Instituto Federal do Triângulo Mineiro que estuda o imaginário anticomunista durante a ditadura no Brasil, é preciso pensar na lógica do
inimigo interno nos governos militares para entender a figura de Ustra.
"No entendimento desses militares, a gente vivia uma guerra contra os comunistas, na defesa da nação, da pátria e dos valores. Então tudo que acontecia era visto como legítimo,
mesmo torturas e violações a direitos humanos. Ao defender o Ustra, eles também pensam combater o mesmo inimigo que combatiam no passado. O PT, hoje, é visto como uma
continuidade desse inimigo da época da ditadura. A memória do Ustra é enaltecida para combater isso hoje", afirma.
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Trevisan diz que não se pode ver a direita de maneira homogênea e que o "culto a Ustra
" não encontra guarida em todos os grupos. "Existe ainda um setor na direita que preza pelo
liberalismo e defende os direitos humanos, mas que está um pouco acuada. Se ela se levanta contra esses discursos do Bolsonaro, acaba sendo atacada. Veja o que aconteceu com
Raquel Sheherazade, Reinaldo Azevedo, por exemplo. São pessoas que não têm nada de esquerdistas, mas foram associadas à esquerda".