O governador de São Paulo, João Doria, conduz o alterado PSDB. Sob nova direção após a eleição do “cabeça preta” (grupo que reúne os mais novos do partido) Bruno Araújo, pernambucano e um dos principais líderes do movimento pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), a sigla passa a ser gerida e guiada pela ala mais próxima a Doria.
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Segundo a própria apresentação pós-eleição interna, o ‘novo PSDB’ defenderá a economia de mercado, o combate às desigualdades, a criação de oportunidades e a ética pública, com gestão inovadora e desburocratizante. "Um partido do emprego e da oportunidade, que vai respeitar o seu passado, mas que será protagonista no futuro", prega a legenda. A guinada à direita, no entanto, não é unanimidade nem sequer internamente. Bate-bocas, confusões e a ausência da principal liderança tucana da história, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, marcaram a troca de comando, que teve ainda gritos de "Brasil, para frente, Doria presidente!".
A força do governador, cada vez maior, influi diretamente em seus planos futuros. O cientista político Alberto Carlos Almeida diz acreditar que o ex-prefeito já se posta como candidato a presidente, não tendo a ambição de concorrer à reeleição ao Governo de São Paulo. "Para quem ficou dois anos na prefeitura e foi para o governo estadual, ficar quatro no estado e ir para a Presidência é mais ou menos o mesmo movimento", diz. “Não tem outro [candidato], até porque São Paulo é o estado mais importante do País. Natural, tem uma máquina imensa na mão. Todo mundo olha pra ele e para o partido e diz: quem vai ser candidato vai ser ele", complementa.
Para a corrida eleitoral, no entanto, Doria terá um desafio pela frente: se dissociar da imagem do presidente Jair Bolsonaro (PSL), a quem declarou apoio no segundo turno das últimas eleições, usando a campanha ‘ BolsoDoria ’, em busca do voto da ala mais conservadora de São Paulo. Segundo o cientista político, é cedo para saber como será esse distanciamento em relação ao governo federal, mas é possível notar, aos poucos, uma tentativa de afastamento. Ele cita, por exemplo, que as manifestações no estado têm sido pouco ou nada repressivas, de modo geral, e que Doria faz questão de abraçar os professores, atacados pela equipe do capitão reformado.
Às vésperas da primeira convocação nacional para manifestações pró-governo Bolsonaro, em 26 de maio, o governador tucano explicitou seu afastamento, ao dizer que o momento não era de atos " nem pró e nem contra ", e que o foco do País deveria ser em aprovar reformas, em especial a nova Previdência .
Petistas apontam má relação com PSL e 'BolsoDoria' como desafios
Lideranças do PT , principal partido de oposição na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), dizem acreditar que o governador já atua como candidato ao Planalto em 2022. A deputada Márcia Lia, líder da minoria na Alesp, avalia que o modo de fazer política de Doria deixa isso claro. "É evidente isso [deixar o cargo de governador para concorrer à Presidência]. A forma como ele está trabalhando no estado deixa claro. A forma como ele se distanciou do Bolsonaro também é um sinal de que ele planeja participar da próxima eleição para presidente", afirma.
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Já o deputado Teonílio Barba, líder da bancada petista no estado, adota um tom mais cauteloso quanto à candidatura, apesar de dizer que, caso Doria dispute a Presidência daqui a pouco mais de três anos, a oposição paulista será forte para impedir sua eleição. “A oposição na Alesp deve denunciar o Doria o tempo todo, independente se ele vai disputar o Planalto ou não. Ele é um entreguista, o menino dos olhos do mercado brasileiro. Para mim, ele vai ser mais um adversário de direita, um liberal, que vamos enfrentar em 2022", opina Barba.
Márcia diz, no entanto, que o fato de o governador tucano possivelmente concorrer ao Planalto não muda a forma da oposição trabalhar. "De jeito nenhum [muda a forma de trato com Doria por ele ter aspirações presidenciais], porque a gente debate projeto, e o projeto do Bolsonaro e Doria não é o que acreditamos", pondera.
"Ele está destruindo o estado de São Paulo", completa a petista, segundo a qual parte da bancada do PSL, partido de Bolsonaro, já estaria se deslocando de Doria por perceber o anseio do tucano em ocupar o cargo que hoje é do capitão reformado.
"Alguns deputados do PSL não têm tanta afinidade com ele [Doria] e já perceberam que Doria vai fazer de tudo para que o Bolsonaro não seja viável em 2022. Os que apoiam o Bolsonaro vão perceber que a estratégia do Doria é deixar o Bolsonaro se desmontar. Assim, os que são vinculados ao Bolsonaro vão se afastar do Doria. Creio que ele vai ter muita dificuldade para lidar com o PSL”, analisa a líder da minoria.
PSL "roubou" espaço e votos do PSDB, que caminha à direita
O cientista político Alberto Carlos Almeida também cita o desafio imposto ao PSDB de recuperar o voto ‘roubado’ por Bolsonaro. Segundo Almeida, o eleitor que costumava votar em candidatos tucanos em eleições anteriores migrou para o PSL. Embora as mudanças internas levem o partido da social democracia à direita, Bolsonaro "tem um pé muito firme ideológico, de costumes [como os discursos contra minorias e armamentistas], que o PSDB não ocupou no passado”, diz. “Doria vai ter que aguardar um pouco mais, ver qual vai ser o desempenho econômico do governo. Essa coisa mais ideológica e de costumes está muito bem ocupada pelo Bolsonaro, que mantém um núcleo mais radical de apoio a ele”, avalia.
“Você tem que trabalhar com hipóteses, mas a coisa mais normal é que um presidente que pode disputar a reeleição, dispute. Todo mundo que está no entorno e apoia vai querer os louros da vitória. Nós temos que assumir, neste momento, que Bolsonaro será candidato à reeleição. Só não vai ser se tiver uma hecatombe e for inteiramente inviável. Então não tem mais complementaridade do voto entre Doria e Bolsonaro. Antes, cada um disputava um cargo. No momento que disputam o mesmo posto, eles disputam o mesmo eleitor. O voto que foi para o Bolsonaro foi o voto que iria para o PSDB”, alega Almeida.
O cientista político diz acreditar que, na próxima eleição, esse voto será disputado por dois [Doria e Bolsonaro] e que “o voto que tradicionalmente coloca o PT no segundo turno está lá, esperando o PT. Ele cita ainda nomes alternativos, como o do apresentador Luciano Huck , mas pondera que “o espaço [mais à direita] está ocupado”, já que um é presidente e o outro do governador de São Paulo. “Como você vai enfrentar esses gigantes?”, questiona.
A posição que será ocupada por Doria na corrida pelo Planalto ainda não pode ser delimitada, segundo Almeida, já que a fase inicial de governo e as eleições municipais de 2020 podem definir os rumos da política nacional. Ele pontua, no entanto, que a tendência é que o governador busque se aproximar do centro e fortalecer seu tradicional discurso que o levou a duas vitórias seguidas em São Paulo, na prefeitura e no estado.
Para tanto, Doria deve estabelecer conexões com partidos mais ao centro, como o DEM, que exaltou o tucano como pré-candidato ao Planalto. Na última eleição presidencial, muitas siglas optaram pela neutralidade na disputa de segundo turno entre Bolsonaro e Fernando Haddad (PT), e a posição "menos extrema" de Doria poderia facilitar a busca por apoios. Bolsonaro teria, supostamente, rejeição maior do que a do governador.
Sobre o voto mais à esquerda, o cientista político lembra que O PT "também é um gigante", que obteve 45% dos votos válidos no segundo turno na última eleição. "Eu não creio que o Ciro [Gomes] consiga desbancar o PT daqui até lá. O PT está 'vacinado' contra o Ciro e vai buscar bloquear oportunidades para ele. O partido deve jogar contra o Ciro no longo prazo, o que afeta inclusive alianças nas eleições municipais de 2020. Duvido que o PT apoie um prefeito do PDT em uma grande capital ou um grande polo”, enfatiza.