As manifestações de entidades a favor da criminalização da homofobia repercutiu entre os ministros
Paulo Pinto/FotosPublicas 03.06.2018
As manifestações de entidades a favor da criminalização da homofobia repercutiu entre os ministros

Suspenso na última quinta-feira (14), o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a criminalização da homofobia será retomado nesta quarta-feira (20) . Por ora, duas sessões da Corte foram destinadas ao assunto. A primeira contou com a sustentação dos argumentos a favor e contrários à ação, enquanto a segunda acabou inteiramente dedicada ao voto do relator , o ministro Celso de Mello – que ainda concluirá a leitura do seu voto na sessão de hoje.

Ao longo do seu discurso, Celso de Mello rejeitou a possibilidade de, por via judicial, tipificar o crime de homofobia, argumentando que só o Congresso tem a prerrogativa de aprovar leis tipificando crimes e impondo pena. Porém, criticou a discriminação de minorias sexuais e apontou omissão do Legislativo sobre a criminalização da homofobia , pauta defendida há anos no Congresso pela comunidade LGBT.

Dentre os argumentos contrários e a favor da decisão, há quem defenda que o Supremo não deva decidir pelo Congresso, mas esperá-lo. É o que pensa, por exemplo, o  presidente Jair Bolsonaro e o seu vice, Hamilton Mourão . Porém, outros defendem que o assunto é urgente. Veja cinco argumentos, levantados no Supremo, que defendem que a homofobia se torne crime no Brasil:

1. Inércia do Estado e omissão do Congresso

Celso de Mello foi o primeiro a votar durante julgamento da ação que pede pela criminalização da homofobia
Reprodução/TV Justiça
Celso de Mello foi o primeiro a votar durante julgamento da ação que pede pela criminalização da homofobia

Assim como defendido pelo ministro Celso de Mello , o tema não vem ganhando destaque no Congresso Nacional. Isso é notável, dado que projetos sobre o assunto tramitam por lá desde 2001. Foi naquele ano que o projeto de lei mais antigo sobre o tema foi apresentado na Câmara dos Deputados, o PL 5003.

Aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o projeto de lei foi enviado para ser apreciado pelo Senado em 2006, onde se transformou no PLC 122. Porém, depois de tramitar por duas legislaturas seguidas, o projeto foi automaticamente arquivado. 

Até o início deste ano, tramitavam outros dois projetos a respeito do assunto no Congresso Nacional. Um deles, o PL 7582/14, de autoria da deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), também acabou arquivado. O outro, o PLS 134/18, proposto pela ex-senadora Marta Suplicy (SP), travou na fila da Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor.

"A omissão do Estado mediante a inércia do poder público também desrespeita a Constituição, ofende os direitos que nela se fundam e impede, por ausência ou insuficiência de medidas, a própria aplicabilidade dos postulados da lei fundamental", disse Celso de Mello, durante o início da leitura do seu voto na semana passada.

2. Urgência da discussão, dadas as estatísticas brasileiras

Manifestações contra a violência homofóbica e pela criminalização da homofobia acontecem com frequência no Brasil
UnB Agência/Divulgação
Manifestações contra a violência homofóbica e pela criminalização da homofobia acontecem com frequência no Brasil

Embora pesquisas apontem que, a cada dois dias, uma morte por motivos homofóbicos seja denunciada no País, até hoje, o crime de homofobia não está tipificado na legislação penal brasileira. Atualmente, nos casos envolvendo agressões contra homossexuais, a conduta é tratada como lesão corporal, tentativa de homicídio ou ofensa moral. Em 2018, um LGBT foi morto a cada 20 horas, segundo a organização Grupo Gay da Bahia.

A criminalização da homofobia é uma reivindicação histórica do movimento LGBT desde o início de sua organização, há quatro décadas. No Brasil, a pauta se faz urgente devido às estatísticas: o País registrou 445 casos de assassinatos de homossexuais em 2017, segundo levantamento da organização. A expectativa média de vida de pessoas trans é de 35 anos.

O advogado Tiago Gomes Viana, representante do Grupo Gay da Bahia, disse no primeiro dia de julgamento no Supremo que a criminalização dessa prática pelo STF é necessária porque todos os projetos favoráveis à comunidade LGBT que começam a tramitar no Congresso sofrem resistência por integrantes da bancada evangélica.

3. Exemplo internacional e a necessidade de uma lei federal

Suplente de Jean Wyllys protesta por direitos a comunidade LGBT e pela criminalização da homofobia na Câmara
Reprodução/Twitter
Suplente de Jean Wyllys protesta por direitos a comunidade LGBT e pela criminalização da homofobia na Câmara

De acordo com um levantamento da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais (ILGA, na sigla em inglês), que reúne mais de 1,3 mil grupos de defesa de direitos LGBT, 43 países já possuem legislações sobre o assunto em todo o mundo.

O número equivale a 23% dos Estados-membros da ONU. Tais leis estabelecem crimes de ódio motivados pela orientação sexual da vítima como específicos ou consideram o motivo um agravante para elevar penas de crimes comuns. Em 39 países, há leis que punem discursos que incitam o ódio contra esse público.

No Brasil, no entanto, o tema não é totalmente ignorado. Há, sim, leis locais de 14 estados e no Distrito Federal, que preveem sanções civis, como multas e perdas de licenças no caso de crimes relacionados à homofobia. No entanto não há uma lei federal sobre a questão, o que unificaria o poder de decisão do Judiciário a respeito da pauta.

4. Proteção a minorias – sem exceções

Manifestantes pedem por maior representatividade nos espaços, lembrando que a comunidade LGBT vai além dos gays
Paulo Pinto/FotosPublicas 03.06.2018
Manifestantes pedem por maior representatividade nos espaços, lembrando que a comunidade LGBT vai além dos gays

Para o representante do PPS, partido que ajuiza a ação que vai ser votada no Supremo, a Constituição exige a criminalização de todas as formas de racismo ou de discriminação atentatória a direitos e liberdades fundamentais. "Creio que seja inconteste que a homofobia e a transfobia se enquadram nos direitos à livre orientação sexual e livre identidade de gênero", disse.

De acordo com os argumentos do PPS, a minoria  LGBT deve ser incluída no conceito de "raça social " e os agressores, punidos na forma do crime de racismo, cuja conduta é inafiançável e imprescritível. A pena varia entre um a cinco anos de reclusão, conforme a conduta. Esse foi o meio que o partido encontrou para tipificar o crime, com bases jurídicas.

Ainda há dúvida se os ministros do STF entenderão que homofobia e transfobia sejam equiparados ao crime de racismo. Por enquanto, em seu voto, ainda não declarado, Mello disse que LGBTs sofrem de violência motivada por "preconceito, ódio e racismo".

"Ninguém pode ser privado de direitos ou sofrer sanções de ordem jurídica em razão de sua identidade de gênero. (...) Os LGBTs têm o direito de receber a igual proteção das leis", afirmou o ministro. 

5. Não fere liberdade de expressão religiosa

Milhares de evangélicos já saíram em protesto contra pautas a respeito da comunidade LGBT, por questões religiosas
Marcel Frota/iG Brasília
Milhares de evangélicos já saíram em protesto contra pautas a respeito da comunidade LGBT, por questões religiosas

Um dos motivos para o assunto travar no Congresso Nacional é o posicionamento da bancada fundamentalista religiosa a respeito do tema homofobia. Alguns dos parlamentares defendem que debates como esses, passando no Congresso, iriam bater de frente com a liberdade religiosa. Afinal, em algumas religiões, a homossexualidade é vista como pecado. 

No entanto, para o representante do PPS nas ações, o advogado Paulo Iotti, o objetivo do debate não é "punir padre ou pastor por falar contra a homossexualidade". 

"Se um padre me disser respeitosamente que, na sua visão, ser homossexual é pecado, posso não gostar, mas não é crime e jamais seria. Mas, se vou a uma igreja e ouço alguém dizer 'afaste-se de mim seu sodomita sujo, saia daqui', isso é um abuso do direito de liberdade religiosa e um discurso de ódio", afirma o advogado.

Leia também: Celso de Mello dá resposta a Damares: "Não se nasce mulher, torna-se mulher”

Para o representante da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), o advogado Luigi Mateus Braga, a comunidade LGBT deve ter seus direitos protegidos, mas é preciso assegurar que religiosos não sejam punidos por pregarem textos bíblicos. Defensores da criminalização da homofobia defendem, por sua parte, que é possível assegurar o respeito a ambos os grupos, aos religiosos e aos da comunidade LGBT. 

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