O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi interrogado durante quase três horas na tarde dessa quarta-feira (14) para se defender das acusações no caso do sítio de Atibaia (SP). O depoimento de Lula marcou seu primeiro encontro com a juíza Gabriela Hardt , substituta do juiz Sérgio Moro, que aceitou convite para assumir ministério no futuro governo de Jair Bolsonaro (PSL). Esta foi também a primeira vez que Lula deixou a sala onde está preso desde abril, na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba.
Para entender o depoimento de Lula , primeiro vamos relembrar do que se trata essa ação penal. O ex-presidente é acusado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro por supostamente ter sido beneficiado por reformas no sítio Santa Bárbara, frequentado por Lula e sua família no interior de São Paulo.
O imóvel pertence oficialmente ao empresário Fernando Bittar, amigo da família do ex-presidente, mas, de acordo com os procuradores da Lava Jato , fora feitas benfeitorias no imóvel para oferecer "maior conforto" a Lula após o término do seu mandato na Presidência.
As obras, ainda segundo a acusação, foram coordenadas pelo pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, e teriam sido tocadas pelas empresas Schahin, Odebrecht e OAS. Essas empreiteiras, em contrapartida, teriam obtido vantagens em contratos com a Petrobras durante o governo Lula, dentre eles o contrato para operação da sonda Vitória 10.000.
Além de Lula, também são réus nesse processo outras 12 pessoas , entre elas os empreiteiros Léo Pinheiro (OAS), Emílio Odebrecht e seu filho, Marcelo Bahia Odebrecht, o pecuarista José Carlos Bumlai, o advogado Roberto Teixeira e o dono do sítio, Fernando Bittar.
Veja agora o que Lula disse sobre as acusações.
1 - Como Lula explica seus pertences estarem no sítio?
Ao longo das investigações que deram origem à ação penal contra Lula, foram apreendidos no sítio de Atibaia
diversos itens pessoais do ex-presidente
e da ex-primeira-dama Marisa Letícia, que morreu em fevereiro do ano passado.
Lula negou à juíza Gabriela Hardt que isso configure qualquer relação de propriedade com o imóvel. "Eu vou lá [no sítio] porque o dono do sítio me autorizou a ir lá. Que bens pessoais eu tenho no sítio? Cueca... roupa de dormir... Isso eu tenho em qualquer lugar que eu vou", disse o petista. "E nenhum empresário pode afirmar que o sítio é meu", completou.
2 - As reformas no imóvel visavam lavar dinheiro de corrupção para Lula?
Para negar que tenha pedido obras no imóvel, o ex-presidente contestou versões apresentadas por delatores. "Você não acha muito engraçado alguém fazer uma obra que eu não pedi e depois negociar uma delação sob a pressão de que é preciso citar o Lula e vocês colocam isso como se fosse uma verdade? Eu até nem ia responder coisa de delator aqui. Mas eu sei como é a vida na cadeia, sei qual é o sofrimento, sei qual é o preço da liberdade. Eu me ative a ficar quieto. Agora, eu repudio qualquer tentativa de qualquer pessoa dizer que foi feito uma obra para mim naquele sítio."
Os empreiteiros Léo Pinheiro e Marcelo Odebrecht são alguns dos delatores desse processo que já afirmaram à Justiça que o sítio pertence a Lula .
"As obras não foram feitas para mim, portanto eu não tinha que pagar. O que eu acho grave e você deveria perguntar era por que o Léo [Pinheiro] não cobrou. O cara que tem que receber é o cara que vai todo santo dia cobrar. O cara que tem que pagar, se puder, nem passa perto".
Bumlai, que também foi interrogado nessa quarta-feira, confirmou que foi procurado por Marisa Letícia para tocar reformas no sítio de Atibaia. Sobre essa afirmação, Lula disse não ter como confirmar ou desmentir.
"Eu tenho muita dúvida se a dona Marisa pediu para fazer reforma. Como ela não está aqui para explicar, eu fico com a minha dúvida. Agora ficou fácil citar o nome da Dona Marisa", afirmou.
3 - Lula interferiu na gestão da Petrobras?
O petista também assegurou que nunca interferiu em decisões da Petrobras que pudessem justificar qualquer vantagem indevida a ser recebida de empreiteiras. "Não é possível um presidente da República se meter na Petrobras. É impossível. O presidente da República não participa de reunião de obras da Petrobras. É humanamente impossível imaginar que um presidente decida obras da Petrobras."
Questionado por seu advogado quanto às indicações para cargos no governo, Lula afirmou que todos os nomes cogitados para altos cargos no governo eram avaliados pelo Gabinete de Segurança Institucional, que, junto à Agência Brasileira de Inteligência (Abin), se assegurava de que o candidato tinha perfil probo para a vaga.
“Eu não sei por que cargas d'água, no caso Petrobras, houve essa questão de jogar suspeita sobre indicações de pessoas", reclamou.
4 - Críticas a Moro e à Lava Jato
Ao prosseguir em seu protesto contra as suspeitas na Petrobras, Lula deu início a crítica ao juiz Sérgio Moro. "É triste, mas é assim. Possivelmente por conta de que o delator principal é o [Alberto] Youssef que era amigo do Moro desde o caso Banestado", disse.
A juíza Gabriela Hardt , então, repreendeu o ex-presidente, negando a acusação. "Eu não tô acusando, eu tô constatando fato", rebateu Lula. "É melhor o senhor parar com isso", finalizou a magistrada.
O ex-presidente voltou a afirmar que se sente "vítima" da Lava Jato. Na avaliação de Lula, sua condenação "se impôs" à Moro pela imprensa. “Eu me sinto vitima do processo do Tríplex, do processo do sítio e do terreno do instituto Lula” , disse. “Eu era um troféu que a Lava-Jato precisava entregar”, afirmou. "A história vai mostrar o que aconteceu nesse processo", disse, em outro ponto da audiência.
Lula também relembrou a apresentação em Powerpoint feita pelo coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, ao apresentar denúncia contra o petista em 2016. "Tudo começou com o Powerpoint. Eu quando vi o Powerpoint falei para o PT: Se eu fosse presidente do PT, pediria para que todos os filiados do PT no Brasil inteiro abrissem processo contra o Ministério Público para ele provar o PowerPoint", disse.
5 - Desentendimentos com a juíza Gabriela Hardt
Essa declaração de Lula provocou nova irritação da substituta de Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba. "O senhor está intimidando a acusação, eu não vou permitir. O senhor está estimulando os filiados ao partido a tumultuarem os processos e os trabalhos", reclamou Hardt. "Eu não tô intimidando, eu tô contando um fato verídico", respondeu Lula.
Logo no começo do depoimento, o petista e a juíza já haviam se desentendido quando Lula disse não ter clareza sobre as acusações que pesavam contra ele, no que a magistrada explicou que Lula é acusado de ser beneficiário das reformas no sítio Santa Bárbara.
"Mas sou dono do sítio ou não?", indagou Lula. "Isso é o senhor que tem que me responder. Este é um interrogatório e, se o senhor começar nesse tom comigo, a gente vai ter problemas", retrucou a juíza Gabriela Hardt. "Eu não imaginei que fosse ser assim, doutora", respondeu Lula. "Eu também não", finalizou a magistrada.