Recordes de temperatura, incêndios e mortes na Europa. A onda de calor já dura mais de dez dias no centro-oeste do continente europeu. Segundo o instituto de meteorologia Met Office, as temperaturas podem chegar até 42°C no Reino Unido nos próximos dias. A última temperatura histórica na região ocorreu na última terça-feira (19), com o termômetro marcando 40,2°C.
A Europa está no começo do verão, ou seja, ainda há mais dois meses de calor intenso pela frente. A preocupação são as milhares de mortes que o evento extremo está causando.
Em Portugal, por exemplo, mais de 1.000 pessoas morreram nos últimos dias. Na Espanha, cerca de 1.050 pessoas morreram entre os dias 10 e 19 de julho em virtude das altas temperaturas, segundo o Instituto de Saúde Carlos III.
Além disso, o cenário se agrava com os incêndios florestais que devastam o sul do continente. Milhares de pessoas ainda deixaram suas casas em Portugal, Espanha e França, enquanto bombeiros passaram a combater as queimadas provocadas pela onda de calor.
Por que está tão calor na Europa?
Ao iG , Marcelo Seluchi, cientista e Coordenador Geral de Operações do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), explicou que a causa direta da onda de calor acontece por conta de bloqueios atmosféricos, porém, o grande culpado é o aquecimento global.
“O que está acontecendo é o que nós meteorologistas chamamos de bloqueios atmosféricos. É uma área de alta pressão que fica muito tempo estacionada em uma determinada região e essa área de alta pressão está justamente no centro-oeste da Europa, pegando desde a Inglaterra até o sul da Europa”, diz Marcelo.
O cientista ainda explica que a época do ano e ventos vindos da África também contribuem para o calor intenso.
“Nesta época do ano você tem muitas horas de sol e poucas horas de noite (na Europa), então a temperatura durante o dia aumenta devido à quantidade de horas de calor e isso não é recompensado pele resfriamento a noite. O problema é que isso está acontecendo por muitos dias de forma consecutiva, por isso essa situação de bloqueio. Para piorar a situação, essa área de alta pressão provoca ventos do sul, o que significa que são ventos vindos do norte da África, que são muito quentes, muito secos e contribuem para o calor”.
Seluchi afirma que essa onda de calor na Europa é rara e histórica.
“Essa onda de calor é muito rara. Esses dias o serviço meteorológico da Inglaterra bateu uma temperatura histórica, então falar sobre um recorde de temperatura no Reino Unido não é uma onda de calor qualquer. Estamos falando de uma situação histórica. Ondas de calor já tiveram no passado, mas esta superou”.
Aquecimento global
“Conseguimos explicar que as ondas de calor na Europa são causadas por ventos de cá e de lá, falar sobre a alta pressão, mas o que está por trás de tudo isso é justamente as mudanças climáticas, o aquecimento global”, disse o coordenador do CEMADEN.
Em síntese, o aquecimento global é um fenômeno causado pelas emissões de gases que intensificam o efeito estufa, provocados por ações humanas. A consequência disso é o aumento da temperatura média dos oceanos e da atmosfera da Terra.
Carlos Nobre, cientista climático, membro da academia científica da Royal Society e doutorado em Meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology concorda com Marcelo Seluchi e afirma que os eventos extremos, como a onda de calor na Europa, estão “diretamente ligados ao aquecimento global”.
“Os estudos científicos mostram que a maioria dos extremos, sejam ondas de calor, de frio, incêndios, ressacas muito fortes, tudo isso é devido diretamente ao aquecimento global causado pela ação humana”.
Para tentar conter essas mudanças climáticas, Carlos Nobre afirma que seria necessário “zerar os gases do efeito estufa, zerar o metano milagrosamente, digo milagrosamente porque o metano vem do gado, da decomposição do lixo e da exploração do petróleo e carvão, teríamos que zerar tudo isso. Mas principalmente o gás-carbônico, que tem uma vida de 150 anos. Cerca de 20% do gás carbônico que nós produzimos hoje vai permanecer na atmosfera por 1000 anos, por isso temos que realmente zerar as emissões dos outros gases e para com a emissão do gás carbônico”, explica o cientista ao iG .
Novo normal? Até quando a onda de calor irá permanecer no continente europeu?
Segundo o secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial da ONU (Organização das Nações Unidas), Petteri Taalas, as ondas de calor que atingem o continente europeu nos últimos dias serão o “novo normal” por conta das mudanças climáticas dos últimos anos.
O cientista Marcelo Seluchi diz que sim, esses eventos devem se tornar mais frequentes.
“Os eventos climáticos agora são o novo normal porque prevíamos essas mudanças para o futuro, que ocorreriam daqui décadas, mas hoje já estamos vivenciando. Daqui para frente, eventos como esse vão se tornar mais frequentes”.
Para o especialista em mudanças climáticas, Carlos Nobre, as condições dependem da humanidade conseguir ou não atingir a redução da emissão de gás carbônico até 2050, meta do acordo de Paris, um tratado mundial para diminuir o aquecimento global.
“Essa onda de calor que nós estamos vendo nos últimos dias se tornará a normal climática no Reino Unido se nós não conseguirmos atingir as metas do acordo de Paris. Agora, se conseguirmos reduzir a emissão desses gases, esse evento climático extremo acontecerá uma vez a cada 5 a 10 anos. Ou seja, não será o verão de todo ano”, explicou Nobre.
Por agora, a previsão é de que a onda de calor na Europa diminua nos próximos dez dias.
“Haverá um pequeno alívio na parte norte da Europa, na Inglaterra, França, Alemanha, Bélgica, onde nos próximos dez dias as temperaturas diminuirão um pouco com chances de chuvas. Mas a situação como um todo deve continuar por mais alguns dias. A parte mais ao sul do continente europeu, como Portugal, Espanha, deve continuar com muito calor e nada de chuva, que deve chegar também na Itália e na Grécia. Essa onda de calor vai se tornar menos intensa, porém mais espalhada”, disse o meteorologista Seluchi.
Como os europeus estão lidando com o calor?
O iG conversou com Vera Dias, cidadã de Portugal, um dos países mais atingidos pela onda de calor. Vera mora em Lisboa e conta que os dias têm sido bem desconfortáveis devido ao clima extremo.
“Tem estado muito calor, de forma desconfortável. Toda a semana passada teve muito calor. Todos os ambientes estão muito mais quentes, abafados e é mais difícil conseguir dormir”, disse Vera.
Para o paulista Thiago Gonçalves, que está realizando um intercâmbio em Portugal, o calor da Europa é parecido com o do Brasil.
“Aqui tá bem quente, principalmente quando chega a noite meu quarto fica um forno, mas estou lidando bem, acho parecido com o verão do Rio de Janeiro e de São Paulo, mas confesso que não achei que ia ser tão quente o verão por aqui”, relatou Thiago ao iG .
A Europa tem uma desvantagem em relação ao Brasil, ela é um grande bloco continental onde a terra aquece e esfria mais do que o mar e a água tende a conservar melhor a temperatura.
Além disso, as construções são feitas para reter calor durante o dia e manter o local aquecido durante a noite. Ou seja, além dos bloqueios atmosféricos, ventos de outros continentes e do aquecimento global, a Europa não tem estrutura para lidar com uma onda de calor extrema que vem gerado mortes, incêndios e a preocupação da população e especialistas.
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