Os italianos irão às urnas no dia 25 de setembro para escolher seu próximo governo, confirmou nesta quinta-feira o presidente do país, Sergio Mattarella, após dissolver o Parlamento. A eleição antecipada foi catalisada pela renúncia do primeiro-ministro Mario Draghi , resultado de um processo posto em marcha por ex-aliados de direita que estão bem cotados para assumir o poder em algumas semanas.
Tecnocrata e ex-presidente do Banco Central Europeu, Draghi foi eleito há 17 meses sob a promessa de promover a recuperação pós-pandemia, destravando o potencial econômico de uma nação cuja dívida pública equivale a 150% do seu Produto Interno Bruto. Para isso, reunia na coalizão todos os principais partidos do país, da esquerda à direita. A exceção era o ultradireitista Irmãos da Itália.
Foi a dissidência de três dos integrantes-chave da frente única que desencadeou o caos político: o Força Itália, de Silvio Berlusconi, a Liga, de Matteo Salvini, e o Movimento Cinco Estrelas (M5S), de Giuseppe Conte.
As legendas de direita lideradas por Berlusconi e Salvini se recusaram na quarta a votar uma moção de confiança para manter Draghi, popular entre os italianos, no poder. Os parlamentares do antissistema M5S se abstiveram, e o trio pôs a pá de cal derradeira em um governo que andava na corda-bamba desde a semana passada, quando o premiê chegou a apresentar um pedido de renúncia rechaçado por Mattarella.
Se o M5S anda mal das pernas após perder influência na política e busca reconstruir sua identidade, os outros dois partidos tinham segundas intenções evidentes. São cotados para conseguirem uma maioria na Câmara e no Senado se formarem uma aliança com o Irmãos da Itália, de Giorgia Meloni.
Apesar do alinhamento ideológico, há obstáculos no caminho, a começar pela competitividade entre três líderes notórios por seus egos. Se a eleição fosse hoje, contudo, os números estariam a seu favor.
As pesquisas mostram que a legenda ultradireitista teria o apoio de 22,5% dos eleitores, quase cinco vezes mais que os 4,8% obtidos nas eleições gerais de 2018. A Liga e o Força Itália, juntos, têm 22,8%. Os mais de 45% somados quase certamente seriam suficientes para o bloco de direita se consolidar, algo que gera preocupações maciças em Bruxelas.
Parte do clamor popular para que Draghi permanecesse — apenas três em cada dez italianos queriam novas eleições — devia-se ao desejo por estabilidade. Em junho, a inflação no país chegou a 8%, o maior nível desde 1986, cenário complicado pela perspectiva de recessão na Europa.
A necessidade de aprovar reformas para ter acesso aos € 200 bilhões (R$ 1,1 trilhão) do fundo da União Europeia para a retomada pós-pandemia também é um desafio. Foi a confiança em Draghi e na sua ortodoxia política e econômica que fez a Itália pôr as mãos, no ano passado, em uma parcela inicial de € 21 bilhões.
Há quem defenda, contudo, que a percepção de traição ao primeiro-ministro pode custar caro. O líder do Partido Democrático, que aparece nas pesquisas com quase 22% das intenções de voto, argumenta que a campanha “levará os eleitores a entenderem quem foi responsável e quem não foi”.
"Apoiamos Draghi até o fim e tentaremos continuar lutando por seu programa na campanha", disse Enrique Letta.
Todos os planos de reforma na terceira maior economia europeia devem ser escanteados diante da perspectiva de novas eleições, assim como as deliberações sobre o Orçamento italiano para 2023. Sob o comando de um governo guiado por pautas ultradireitistas, as reformas defendidas pelo premiê demissionário tornam-se ainda mais improváveis.
Em uma nota pouco após a renúncia do premiê demissionário, Salvini já disse que está nos preparativos para que o "futuro governo" implemente medidas como um reforma da Previdência, cortes de impostos e decretos de segurança. À imprensa italiana, Berlusconi disse que está pronto para a campanha.
"Estamos prontos. Este país precisa desesperadamente recuperar sua consciência, seu orgulho e sua liberdade", tuitou Meloni.
A Itália é também um calcanhar de Aquiles para a estratégia europeia frente a Moscou, que tinha em Draghi um de seus homens-fortes. O premiê, que chegou a visitar Kiev ao lado do presidente francês, Emmanuel Macron, e do chanceler alemão, Olaf Scholz, mantinha que a Península Itálica deveria continuar fornecendo armas para Kiev, alinhada a Bruxelas.
A política sobre a Ucrânia foi uma das primeiras faíscas para a crise atual, causando o rompimento do M5S. Giuseppe Conte, o ex-premiê que lidera o M5S, era contra a posição oficial, defendendo o foco em negociações de paz — posicionamento que fez o chanceler Luigi Di Maio romper com a legenda em junho, abalando o governo.
Em um tuíte, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse que está “sinceramente grato” pelo “apoio inabalável” de Draghi a seu país na “luta contra a agressão russa” . Di Maio, por sua vez, expressou preocupação com o futuro:
"Não é coincidência que o governo tenha sido derrubado por duas forças políticas que fazem aceno para Vladimir Putin", disse Di Maio.
Ele referia-se a um temor compartilhado por Bruxelas de que o novo governo italiano seja demasiadamente próximo do líder russo. Salvini é um admirador declarado de Putin, que chegou a se preparar para uma viagem a Moscou em meio a guerra. A visita, contudo, nunca aconteceu.
Berlusconi, por sua vez, desenvolveu uma amizade com o ocupante do Kremlin quando era primeiro-ministro. Os dois, inclusive, chegaram a passar férias juntos.
A dependência italiana da energia russa pode complicar ainda a estratégia comunitária diante de Moscou. Sem usinas nucleares ou carvão, o país importa 70% da energia que consome, e os combustíveis russos representam sozinhos um quinto do consumo italiano. A dependência é ainda maior no que diz respeito ao gás natural: 93% do combustível vêm do exterior.
Bruxelas teme também que a opinião pública em países como a Itália e a Hungria se volte contra as sanções comunitárias contra a Rússia em meio à crise no abastecimento de gás. A Itália, segundo uma pesquisa do Conselho Europeu de Relações Exteriores, já é a nação do bloco onde menos pessoas consideram a Rússia culpada pela guerra: 56% dos italianos defendem a ideia, bem menos que a média continental de 80%.
— Com informações de El País.
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