Mário Draghi primeiro-ministro da Itália
Foto: ANSA
Mário Draghi primeiro-ministro da Itália

O primeiro-ministro da Itália,  Mario Draghi, anunciou que renunciará ao cargo nesta quinta-feira (14), após o boicote do partido populista Movimento 5 Estrelas (M5S) à votação de um pacote de ajudas financeiras contra a inflação no Senado.

A renúncia encerra um ano e cinco meses do governo de união nacional encabeçado pelo ex-presidente do Banco Central Europeu e joga o país em um cenário de incertezas, em meio aos efeitos políticos e financeiros da guerra na Ucrânia e à implantação de um plano multibilionário para impulsionar a economia no pós-pandemia.

"Gostaria de anunciar que entregarei nesta noite minha renúncia nas mãos do presidente da República. A votação de hoje no Parlamento é um fato muito significativo do ponto de vista político. A maioria de união nacional que apoiou este governo desde sua criação não existe mais. Terminou o pacto de confiança que estava na base da ação do governo", disse Draghi durante uma reunião do Conselho de Ministros.

A crise já vinha se desenhando havia algumas semanas, mas o estopim para a ruptura foi um decreto-lei do governo com medidas para ajudar famílias e empresas a enfrentar os efeitos da inflação.

Para acelerar a tramitação do projeto, o gabinete de Draghi decidiu submetê-lo ao voto de confiança, uma prática comum na Itália e que blinda o texto contra possíveis emendas, ao mesmo tempo em que condiciona a manutenção do governo à sua aprovação.

O voto de confiança foi chancelado no Senado por ampla maioria, com placar de 172 a 39, porém o M5S não participou da sessão, indicando que Draghi não teria mais seu respaldo.

O boicote foi motivado por um artigo do decreto-lei que permite a construção de uma usina de energia de resíduos em Roma, projeto ao qual o movimento populista sempre se opôs por considerá-lo nocivo ao meio ambiente.

"O M5S deu apoio a este governo desde o início, tendo como pilares a transição ecológica e a justiça social. Se alguém força a barra inserindo normas contra a transição ecológica em um decreto que não tem nada a ver, nós não daremos os votos por nenhuma razão no mundo. Quem forçou a barra que assuma a responsabilidade", justificou o líder do partido, Giuseppe Conte, antecessor de Draghi no cargo de premiê.

Oficialmente, a legenda não desembarcou da base aliada e disse que estaria até disposta a dar a confiança ao primeiro-ministro em outra votação, porém não foi suficiente para demovê-lo.

Crise

A ruptura com o M5S é resultado de divergências mais profundas e da longa crise interna vivida pelo partido antissistema, que surgiu em 2009 com uma proposta de democracia direta e de furar a polarização esquerda-direita.

Vencedor das últimas eleições legislativas, em março de 2018, com pouco mais de 30% dos votos, o M5S participou de todos os três governos empossados desde então, mas sofreu várias deserções nos últimos quatro anos e hoje amarga o quarto lugar nas pesquisas, com cerca de 10% da preferência.

Assumir a responsabilidade de derrubar um governo de união nacional em um cenário de tamanha incerteza pode ser mais um golpe na popularidade do M5S. Por outro lado, aliados de Conte acreditam que essa é a única forma de fazer o partido recuperar parte do apoio e reafirmar sua identidade antissistema.

Na semana passada, Conte chegou a apresentar uma lista de demandas a Draghi e disse que daria tempo para o premiê avaliar os pedidos, mas poucos dias depois endureceu o discurso novamente, encaminhando a ruptura na coalizão.

Entre outras coisas, o M5S pedia a manutenção da renda de cidadania, espécie de bolsa família da Itália, o fim do envio de ajudas militares à Ucrânia, a instituição do salário mínimo e a redução da carga tributária.

"Houve máximo empenho da minha parte para prosseguir no caminho comum. Como foi evidenciado pela votação de hoje no Parlamento, esse esforço não foi suficiente", disse Draghi durante a reunião do Conselho dos Ministros.

"Desde meu discurso de posse, sempre disse que este Executivo seguiria em frente apenas se houvesse a clara perspectiva de realizar o programa de governo aprovado pelas forças políticas.

Essa união foi fundamental para enfrentar os desafios dos últimos meses. Essas condições não existem mais", acrescentou.

União nacional 

Draghi chegou ao poder em fevereiro de 2021, quando foi convocado pelo presidente Sergio Mattarella para guiar uma ampla coalizão e evitar a realização de eleições antecipadas em plena pandemia.

Sem experiência prévia na política parlamentar, o economista tinha como principais objetivos acelerar a campanha de vacinação contra a Covid-19 e preparar o Plano Nacional de Retomada e Resiliência (PNRR), projeto do governo italiano para utilizar os quase 200 bilhões de euros destinados ao país pelo fundo da União Europeia para o pós-pandemia.

Essas duas metas foram alcançadas, mas esperava-se que Draghi governasse até o fim da atual legislatura, no primeiro semestre de 2023, conferindo estabilidade à Itália em um momento de profunda tensão econômica e geopolítica.

O primeiro-ministro não pertence a nenhum partido e nunca revelou interesse em disputar cargos públicos, e não se sabe que papel ele poderia exercer em eventuais eleições antecipadas.

Com a renúncia de Draghi, o destino da Itália está agora nas mãos de Mattarella, que pode instar os partidos a formar um novo governo para concluir a legislatura, dissolver o Parlamento e convocar eleições antecipadas ou até mesmo pedir para o atual premiê reconstruir sua coalizão.

"Guerra, pandemia, inflação, pobreza crescente, risco de desabastecimento energético, crise alimentar, e o governo 'dos melhores' está imóvel. Chega, por favor. Todos para casa, e eleições imediatamente", escreveu no Facebook a deputada Giorgia Meloni, líder do partido de extrema direita Irmãos da Itália (FdI), única grande legenda de oposição a Draghi.

O FdI lidera a maioria das pesquisas de intenção de voto para as próximas eleições e provavelmente seria o maior beneficiado de uma ida antecipada às urnas. Outros partidos, como a ultranacionalista Liga, de Matteo Salvini, e o conservador moderado Força Itália (FI), de Silvio Berlusconi, correriam o risco de ser redimensionados, bem como o próprio M5S.

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