Na noite deste domingo (29), uma pergunta se instalou entre consultores políticos de longa trajetória na América Latina: quem está por trás da campanha de Rodolfo Hernández, o populista de direita que virou fenômeno eleitoral na Colômbia e, com quase 30% dos votos (não passava de 10% há dois meses), vai disputar o segundo turno com o esquerdista Gustavo Petro
, que obteve pouco mais de 40%? Quem construiu o personagem que o historiador Gonzálo Sánchez batizou de "Bolsonaro de Macondo", e deu a ele uma força que muitos acreditam que o levará a eleger-se como sucessor do presidente Iván Duque?
A mente por trás da tsunami política que sacudiu a Colômbia ainda é um mistério, mas sua técnica é clara: uma campanha essencialmente em redes sociais; discurso antissistema extremo; independência de grandes estruturas e partidos políticos; ausência de um programa de governo e de propostas concretas sobre como enfrentar os problemas do país e ausência em debates. Hernández, chamado de "o engenheiro" ou "o velho" (tem 77 anos), não diz o que vai fazer, diz, basicamente, o que não vai fazer: roubar como, segundo ele, "faz a casta política".
Sergio Garcia, pesquisador do Centro Internacional de Estudos Políticos e Sociais (Cieps, com sede no Panamá), lembra que no começo deste século o ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010), para muitos o grande derrotado deste primeiro turno, também surgiu com um discurso antipolítica, para terminar sendo símbolo da política tradicional e conservadora colombiana. Não se pode descartar que Hernández conte, nas sombras, com o apoio do uribismo, mas para derrotar Petro deverá ter muito cuidado com futuras alianças. Sua única bandeira sólida é o combate à corrupção e ao sistema de políticos tradicionais.
Os dois candidatos mais votados no primeiro turno da eleição colombiana têm uma coisa em comum: representam um voto de rejeição ao establishment, às elites que há décadas governam o país, aos partidos tradicionais e seus escândalos de corrupção. Mas existem muitas diferenças e essas diferenças hoje favorecem, segundo analistas, o populista de direita que, num passado não muito distante, disse admirar Adolf Hitler (um lapso, segundo ele).
Para Petro, o cenário atual é o mais desafiador, quase um pesadelo, para quem imaginava que em sua terceira tentativa chegaria facilmente ao Palácio de Nariño. O ex-guerrilheiro parece ter chegado ao seu teto e terá enormes dificuldades para ampliar os pouco mais de oito milhões de votos alcançados no primeiro turno. Derrotar Federico Gutiérrez era simples: bastava bater no uribismo. Hernández é, apesar de sua idade e trajetória como prefeito de Bucaramanga, uma novidade que vibra no mundo virtual, ainda é difícil de assimilar e, portanto, de enfrentar.
Se o populista de direita ficar com os votos de Gutiérrez, o que é bem provável, a matemática é simples: Petro perde. Uribistas como a senadora Maria Fernanda Cabal, próxima da família Bolsonaro, já andam dizendo que "o povo quer uma mudança, tudo bem, mas não um suicídio".
Sem programa, sem maquinaria política, sem um discurso articulado, sem debate e com um perfil que assusta quem conhece outras experiências populistas na América Latina, Hernández pode acabar sendo mais forte graças ao medo a Petro e aos fantasmas da venezuelização da Colômbia. São os novos tempos da política latino-americana 2.0.
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