Autoridades ucranianas afirmaram nesta segunda-feira que, pela primeira vez desde o início da guerra, uma importante rota de fuga para retirar civis entrincheirados em bunkers na enorme usina siderúrgica de Azovstal tornou-se efetiva e permitiu a fuga de centenas de pessoas.
Ainda assim, embora civis tenham conseguido escapar durante o fim de semana, há relatos de bombardeios e de atrasos nesta segunda-feira.
A retirada dos civis começou no sábado, em coordenação entre as Nações Unidas, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), a Ucrânia e a Rússia. De acordo com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a abertura da rota de fuga permitiu, pela primeira vez em dois meses de cerco à cidade, a fuga de "mais de cem civis" que estavam escondidos na usina siderúrgica, onde se abrigam os combatentes resistentes ucranianos.
"Pela primeira vez desde o início da guerra, esse corredor humanitário vital começou a funcionar. Foram dois dias de verdadeiro cessar-fogo nesse território", disse Zelensky em um discurso noturno, em referência à usina siderúrgica.
"Depois de muitas semanas de negociações, depois de muitas tentativas, diferentes reuniões, pessoas, convocações, países, propostas. Finalmente. Não houve um único dia em que não tentamos encontrar uma solução que salvasse nosso povo."
O destino dos civis é Zaporíjia, cidade localizada a cerca de 220 km a noroeste e ainda sob controle ucraniano, onde há um centro de acolhimento de refugiados.
Nesta segunda-feira de manhã, os civis que deixaram a siderúrgica de Azovstal ainda não tinham chegado a Zaporíjia, mas outros moradores de Mariupol aproveitaram o breve cessar-fogo para fugir da cidade e começaram a chegar ao estacionamento de uma loja de artigos domésticos convertido em centro de recepção de desalojados que fogem do território controlado pela Rússia.
"Anteontem estava relativamente calmo ", disse ao New York Times Anastasiya Dembitskaya, descrevendo a situação em Mariupol no domingo. Ela chegou a Zaporíjia na manhã de segunda-feira com seus dois filhos e um cachorro.
Dembitskaya, de 35 anos, disse que esperava trazer sua irmã e seus pais com ela, mas que eles se recusaram a deixar para trás sua casa, que era uma das poucas ainda intactas, junto com seus cães e gatos. Dembitskaya descreveu Mariupol como uma cidade praticamente inabitável, devastada por mais de dois meses de bombardeios contínuos pelas forças russas.
Mas com a redução dos combates em Mariupol nas últimas duas ou três semanas, os sinais de vida também começaram a retornar, disse. Embora a energia e a água permaneçam cortadas, agora há um serviço telefônico instável, afirmou, e pequenos mercados começaram a aparecer, oferecendo alimentos trazidos da Rússia e de territórios ucranianos controlados pelos russos, vendidos a preços estratosféricos.
"Eles começaram a pelo menos remover o lixo, o que é bom", disse Dembitskaya. " Os corpos e o lixo e os fios que estavam por toda parte."
Cerca de 20 mulheres e crianças puderam sair de Azovstal no sábado, seguidas por cerca de 100 no domingo.
Nesta segunda-feira, no entanto, há relatos de atrasos, e de centenas de pessoas que não conseguiram sair da usina. Não ficou claro o que estava causando o atraso, mas uma autoridade da cidade disse que as forças russas retomaram o bombardeio da usina depois que um comboio de ônibus partiu no domingo
O vice-prefeito da cidade, Petro Andryushchenko, disse à rádio ucraniana Svoboda que, embora atrasados, os comboios de ônibus já deixaram Mariupol.
Andryushchenko também disse que os militares russos dispararam contra a fábrica de Azovstal novamente à noite, mas o bombardeio diminuiu pela manhã, o que tem a ver com o plano de fuga. Segundo ele, há milhares de pessoas sem conseguir avançar em estradas.
"Segundo nossas informações, os ônibus saíram de Mariupol. Mediante acordo prévio, os ônibus vão pegar pessoas nas aldeias de Mangush e Berdyansk. Também é permitido entrar na coluna por transporte próprio. Esperamos que milhares de nossos moradores de Mariupol que estão presos no caminho de Mariupol para Zaporíjia chegarão ao destino esta noite ou amanhã de manhã" , disse nesta manhã.
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Os combatentes ucranianos escondidos em Azovstal estão cada vez mais cercados, à medida que as forças russas expandem seu controle na importante cidade portuária.
A usina, cuja área supera a de muitas cidades europeias, tem uma rede de túneis subterrâneos e de bunkers que forneceu abrigo para os soldados ucranianos. As forças de defesa não tiveram reabastecimento, e, embora não se pronunciem sobre seus mantimentos, há relatos de que estão ficando sem água, comida e remédios.
"A situação se tornou um sinal de uma verdadeira catástrofe humanitária" , disse a vice-primeira-ministra ucraniana, Iryna Vereshchuk.
Em outras frentes, cidades no Leste da Ucrânia estão sob intenso bombardeio russo, disse um governador regional. Um míssil russo atingiu uma importante ponte sobre o estuário do rio Dniester, a oeste da cidade portuária de Odessa, no Sudoeste da Ucrânia, disseram autoridades.
Perdas russas
A agência de inteligência do Ministério da Defesa britânico informou nesta segunda-feira que a Rússia destacou cerca de 65% de todas as suas forças de combate terrestres na guerra na Ucrânia, e que mais de um quarto delas provavelmente tornaram-se “ineficazes para o combate”.
A avaliação reforça relatos anteriores de inteligência que apontam que as forças russas sofreram pesadas perdas no conflito.
Algumas das unidades de elite da Rússia, incluindo suas Forças Aerotransportadas, “sofreram os mais altos níveis de desgaste”, disse a inteligência britânica, acrescentando que “provavelmente levará anos para a Rússia reconstituir essas forças”.
Os militares britânicos estimaram recentemente que cerca de 15 mil soldados russos morreram e provavelmente o dobro ficou ferido em combates.
A força de invasão russa foi estimada em cerca de 120 grupos táticos de batalhão, cada um com entre 700 e 1.000 soldados. Nas primeiras semanas da guerra, a Rússia procurou atacar de várias direções, espalhando suas forças por uma vasta área que incluía Kiev no Norte, Kharkiv no Leste, Mariupol, no Sudeste e Mykolaiv, no Sudoeste, com ataques pontuais em praticamente todas as principais cidades do país.
Mas o plano do Kremlin de tomar o país rapidamente falhou, e as forças da Rússia perto de Kiev se retiraram, com muitas unidades restantes voltando para a Bielorrússia para se reorganizar
Há duas semanas, a Rússia lançou uma ofensiva renovada no Leste. Moscou precisa obter conquistas nesta região, conhecida como Donbass, para poder reivindicar vitória domesticamente.
Nos últimos dias, os militares ucranianos alegaram ter destruído vários centros de comando russos no Leste e no Sul. Em um ataque na cidade de Izium, controlada pela Rússia, cerca de 200 soldados, incluindo pelo menos um general, foram mortos, segundo os militares ucranianos. Não foi possível verificar as alegações.
Ainda assim, as forças russas mostraram poucos sinais de recuar. Os militares ucranianos disseram que a Rússia continuou a enviar mais tropas para a frente Leste, e buscava expandir seu controle territorial no sul da Ucrânia.
Apesar das pesadas perdas, as forças russas continuaram a bombardear alvos nas províncias de Luhansk e Donetsk, no Donbass. Os russos também destacaram mais sistemas de mísseis antiaéreos para o Leste e o Sul, tentando penetrar nas defesas ucranianas na região de Kherson e atacando a área ao redor da cidade de Mykolaiv com fogo de artilharia, disseram militares ucranianos nesta segunda-feira.
A agência de refugiados da ONU diz que mais de 5,5 milhões de pessoas fugiram da Ucrânia desde o início da invasão russa, incluindo mais de três milhões que foram para a Polônia.
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