A cidade sitiada de Mariupol é uma das mais afetadas pela invasão russa
Ansa/Reprodução
A cidade sitiada de Mariupol é uma das mais afetadas pela invasão russa

Autoridades ucranianas e serviços de inteligência do Ocidente afirmam que as forças russas estão preparando uma nova ofensiva contra o Leste da Ucrânia, ponto central do conflito iniciado em fevereiro e da crise político-militar vivida pelo país desde o início de 2014.

Um dos principais alvos das forças do Kremlin é Mariupol, onde o presidente Volodymyr Zelensky afirma terem morrido "dezenas de milhares de civis". Ao mesmo tempo, analistas apontam para um outro fator que pode ter influenciado a decisão de Vladimir Putin de lançar a invasão:: as reservas de gás da Ucrânia, em boa parte ainda inexploradas.

— A Rússia está preparando mais uma ofensiva, tentando quebrar nossa resistência nacional. Os ocupantes concentram dezenas de milhares de soldados e uma grande quantidade de equipamentos para tentar atacar novamente — afirmou Zelensky, em discurso ao Parlamento sul-coreano.

Desde a decisão russa de "reduzir drasticamente" as operações contra a capital, Kiev, e contra Chernihiv, e o anúncio de que o país concentraria suas ações na "liberação de Donbass", as autoridades ucranianas expressam o temor de um ataque de grande porte contra áreas das províncias de Donetsk e Donbass que ainda não estão sob controle dos separatistas.

Um dos "casus belli" apontados por Putin era o que ele chamava de "genocídio da população russa" na Ucrânia, com menções recorrentes aos combates entre os separatistas pró-Moscou e as forças ucranianas desde o estouro da guerra civil na região, em 2014. Recorrer ao argumento da "liberação de Donbass" pode ser visto também, de acordo com analistas, como uma forma de não reconhecer que a estratégia inicial de controlar todo o país — incluindo Kiev — em questão de dias foi um fracasso.

— De um ponto de vista militar, há uma questão entre sucesso e moral, ter soldados sentados ao redor de Kiev sendo alvejados, qual o ponto disso? — afirmou, em entrevista à CNBC, Christopher Granville, ex-diplomata britânico e pequisador na consultoria TS Lombard. — É fato que os soldados precisam ter um objetivo, o objetivo aqui é conquistar territórios, e é essa a campanha em Donbass. Os soldados podem ver por que estão lutando e ver seu progresso.

Até o momento, não se pode cravar que uma nova fase da guerra, agora em Donbass, tenha começado. Por enquanto, governos ocidentais afirmam, citando dados de inteligência, que a movimentação está voltada ao reforço e ao abastecimento das tropas no Leste, hoje concentradas nos arredores de Izyum, a cerca de 180 km de Donetsk, onde há um grande comboio militar. Também foram observadas movimentações de soldados hoje baseados na Bielorrússia, e que agora estão a caminho de Donetsk.

Nesta etapa, tomar o controle de Mariupol é central para os objetivos russos: segundo analistas militares, isso permitiria com que as forças russas se movimentassem de maneira mais livre pelo Sul ucraniano, e concentrando forças também na batalha pela cidade de Kherson, hoje alvo de uma contra-ofensiva das forças de Kiev.

De acordo com uma análise do Instituto para o Estudo da Guerra, há apenas dois pontos de resistência dentro de Mariupol: no porto principal, no Sudoeste da cidade, e na metalúrgica Azovstal, no Leste. Para tentar vencer as forças ucranianas, os russos estão usando artilharia, ataques aéreos e, segundo o governo britânico, munições de fósforo branco, praticamente destruindo o que era, até pouco tempo, uma importante cidade portuária no Mar de Azov.

— Há dezenas de milhares de mortos, mas, apesar disso, os russos não estão interrompendo sua ofensiva — afirmou Zelensky, se dirigindo ao Parlamento sul-coreano. Diante do acesso praticamente nulo de serviços independentes de assistência humanitária à cidade, não é possível confirmar as alegações do governo ucraniano, mas relatos de moradores que conseguiram deixar a região trazem imagens de horror e de "corpos espalhados pelas ruas".

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Depóstos de gás

Oficialmente, a invasão russa foi motivada por fatores como o que Moscou vê como "genocídio russo" em Donbass e a necessidade de "desanazificar" o governo ucraniano, um conceito até hoje não foi explicado pelo Kremlin, mas reproduzido em discursos e na imprensa governista. Indo além da versão de Putin, analistas apontam para um outro fator, pouco mencionado e que pode ter influenciado na decisão de atacar: os depositos de gás ucranianos, localizados em boa parte no Leste.

Segundo estimativas, o país tem a segunda maior reserva de gás natural da Europa, 1,09 trilhão de metros cúbicos, atrás apenas da Noruega, mas pouco explora seu potencial energetico, resultado de políticas adotadas ainda nos tempos da União Soviética e das turbulências que marcaram os anos depois da independência. A estimativa da Agência Internacional de Energia inclui os campos da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014.

A maior parte dos depósitos está na região da bacia de Dnieper-Donetsk, no Leste, com quase 80% das reservas, seguida pela região do Cárpatos, no Leste, com 13%, e do Sul, 6%, incluindo o Mar de Azov.

— Sob o pretexto de uma invasão, Putin está executando um enorme roubo — afirmou ao New York Times o especialista canadense no setor global de energia, David Knight. A Ucrânia importa cerca de 35% do gás consumido, e nos meses que antecederam o início do conflito ampliou suas compras feitas junto a nações da União Europeia.

Essa pode ter sido uma forma encontrada por Putin para reforçar seu controle sobre o suprimento de gás para a Europa — até o início do conflito, a Rússia fornecia cerca de um terço de todo o produto consumido pelo continente. Contudo, a resposta conjunta das autoridades regionais, sinalizando que reduzirão a dependência energética dos produtos russos a médio prazo, pode ter atrapalhado os planos.

A duração do conflito e seus altos custos, combinados com as sanções internacionais, também poderão afetar eventuais projetos para explorar os depósitos: segundo estudo do Instituto Ucraniano para o Futuro, de 2016, seriam necessários US$ 3,5 bilhões para o desenvolvimento dos campos de extração e a construção de gasodutos.

O cálculo não inclui novos fatores, como a necessidade de reconstrução das áreas destruídas no conflito ou mesmo um fracasso na manutenção dos territórios ocupados. Por fim, os russos precisariam encontrar clientes para um gás que virá de áreas cuja soberania será contestada, e que provavelmente estará sob sanções.

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