Como Putin poderia ser processado por crimes de guerra na Ucrânia?
Reprodução/Ansa - 16.03.2022
Como Putin poderia ser processado por crimes de guerra na Ucrânia?

Nesta segunda (4), o presidente dos EUA, Joe Biden, solicitou que o presidente russo, Vladimir Putin, seja acusado de crimes de guerra após a descoberta de valas comuns e corpos de civis algemados baleados à queima-roupa em Bucha, ao norte de Kiev. O exército russo nega a autoria dos acontecimentos.

Dado o contexto, como seria possível descobrir os autores desses crimes e responsabilizá-los?

Antes de mais nada, é preciso compreender que atirar em civis é um crime de guerra. O Tribunal Penal Internacional de Haia define crimes de guerra como "violações graves" das Convenções de Genebra pós-Segunda Guerra Mundial, que constituem leis humanitárias a serem seguidas em tempos de conflito. Atacar alvos militares legítimos em que as baixas civis seriam “excessivas” também viola as convenções, dizem especialistas jurídicos.

Com isso, a execução de civis, como relatado em Bucha, é um “crime de guerra por excelência”, disse Jonathan Hafetz, especialista em direito penal internacional e segurança nacional da Seton Hall University School of Law em entrevista à agência Reuters.

O Ministério da Defesa da Rússia rejeita a autoria dos ataques de civis, que chama de "operação militar especial" na Ucrânia. Além disso, eles acreditam que as imagens e fotografias de corpos em Bucha são "mais uma provocação" do governo ucraniano.

Para coletar as evidências, os investigadores farão uma visita a cenários como de Bucha e ainda entrevistarão testemunhas para construir um caso.

O diretor executivo da organização de defesa dos direitos humanos Open Society Justice Initiative, James Goldston, em Nova York, alega que imagens e relatos de Bucha vão permitir que os investigadores na Ucrânia acompanhem rapidamente os sobreviventes de algumas das supostas atrocidades.

Além disso, forças ucranianas capturaram soldados russos, outra maneira de obter provas. No entanto, alguns especialistas dizem que os promotores podem ter dificuldades em conseguir provas de uma zona de guerra ativa, por conta de preocupações de segurança e testemunhas que podem ser intimidadas ou relutar em falar.

Quanto à construção de um caso contra Putin e outros superiores, na grande maioria das acusações de crimes de guerra, os investigadores precisam provar a intenção, e a culpa do réu deve ser provada além de qualquer dúvida razoável.

Segundo o professor visitante da Harvard Law School, Alex Whiting, as imagens mais recentes ajudarão no processamento do caso.

De acordo com especialistas, é mais fácil elaborar um caso  contra soldados e comandantes, o que não impede que eles se refiram também a chefes de Estado.

Por exemplo, um promotor pode apresentar evidências de que Putin ou outro líder do governo cometeu um crime de guerra ao ordenar diretamente um ataque ilegal ou porque sabia que crimes eram cometidos e não os impediu.

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Quanto ao ataque em Bucha, estudiosos afiram que ainda é muito cedo para dizer se as ordens foram dirigidas pelos mais altos níveis do governo russo. Porém, caso atrocidades parecidas ocorrerem em outros lugares da Ucrânia, isso pode apontar para uma política ou direção de funcionários graduados.

Quanto a possibilidade de haver um julgamento 'in absentia', o promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional, Karim Khan, disse no dia 28 de fevereiro que abriu uma investigação de crimes de guerra após a invasão. Mesmo que a Ucrânia e a Rússia não sejam membros do tribunal, a Ucrânia aprovou anteriormente uma investigação que remonta a 2013, que inclui a anexação da Crimeia pela Rússia.

O TPI vai trabalhar na emissão de mandados de prisão se os promotores apresentarem "motivos razoáveis" para acreditar que crimes de guerra foram cometidos. No entanto, nem a Rússia nem a Ucrânia são membros do TPI, Moscou não reconhece o tribunal e provavelmente se recusará a cooperar.

Qualquer julgamento seria adiado até que um réu fosse preso, pois o TPI não pode julgar alguém "à revelia" ou que não esteja fisicamente sob custódia.

Mesmo assim, TPI ainda pode investigar e emitir mandados de prisão.

Além do TPI, um tribunal separado poderia ser determinado como aqueles criados para julgar crimes de guerra cometidos durante as guerras dos Bálcãs, no início dos anos 1990, e o genocídio de Ruanda, em 1994.

Philippe Sands, professor da University College London, afirmou estar em contato com o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, para falarem sobre a criação de um tribunal voltado para a acusação internacional de "crime de agressão" da Rússia. O TPI não pode tomar as rédeas dessa acusação, pois tem que envolver pelo menos um dos Estados membros do tribunal.

A possibilidade de que um tribunal realize julgamentos sem réus sob custódia é muito pequena, já que julgamentos "à revelia" não são aprovados pelo direito internacional, afirma Rebecca Hamilton, professora de direito da American University.

Por fim, quanto ao tempo, os especialistas jurídicos afirmam que acusações de crimes de guerra podem ser apresentadas de três a seis meses, mas processar um caso pode levar anos.

O TPI para a ex-Iugoslávia levou dois anos para obter uma condenação em sua primeira acusação.

O tribunal indiciou seu primeiro chefe de Estado, o então presidente iugoslavo Slobodan Milosevic, em 1999, e o prendeu em 2001. Seu julgamento começou em 2002 e estava em andamento quando ele morreu em Haia, em 2006.

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