Apesar das pressões de europeus e americanos, o Brasil não vai aderir às sanções contra a Rússia de Vladimir Putin, que o governo Jair Bolsonaro vem criticando nos seus votos nas Nações Unidas. Tanto no Conselho de Segurança — onde ocupa uma vaga rotativa por dois anos — quanto na Assembleia Geral, o Brasil tem votado pela condenação da invasão da Ucrânia, mas a posição de crítica às sanções causa mal-estar entre europeus e americanos, que consideram, segundo fontes diplomáticas, que o Brasil “deve escolher um lado na guerra”.
A última votação na ONU foi em 24 de março. Por 140 votos a favor, cinco contra e 38 abstenções, foi aprovada uma resolução promovida por França e México sobre ajuda humanitária no conflito. O texto pediu o fim imediato das hostilidades, a proteção de civis e o respeito às leis humanitárias internacionais. Além de condenar novamente a Rússia pelo ataque à Ucrânia, o texto pediu a retirada de civis de cidades sob cerco russo, como Mariupol.
O Brasil votou a favor, mas, na explicação do voto, o embaixador Ronaldo Costa Filho mais uma vez criticou as sanções econômicas como parte da estratégia para parar a guerra:
“Lamentamos profundamente que a Assembleia Geral não tenha consigo falar com uma única voz hoje”, escreveu ele, lamentando que a resolução tivesse “claros elementos divisivos, muitos dos quais vão além de aspectos humanitários do conflito”.
O embaixador também citou as “consequências humanitárias de sanções econômicas indiscriminadas, que, inevitavelmente, afetarão todos os países, especialmente os em desenvolvimento”. Por último, enfatizou que “não devemos politizar mensagens humanitárias”.
Essas ressalvas, que incomodam as potências ocidentais, são explicadas da seguinte forma por fontes diplomáticas brasileiras: o Brasil não está na Europa nem pertence à Otan, a aliança militar ocidental; o país compartilha valores do Ocidente, mas isso não implica um alinhamento total; a preocupação pelo impacto das sanções no mundo é grande, sobretudo quando se fala em alimentos e produtos fundamentais para o Brasil como fertilizantes; esta não é uma guerra na qual o Brasil esteja envolvido e, portanto, o Brasil não vai entrar na lógica da guerra de europeus e americanos.
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Uma das fontes lembrou que países europeus não romperam relações com a Rússia, continuam comprando gás e petróleo russos, e não parece lógico, ampliou, exigir do Brasil que seja “mais realista do que o rei”.
Embaixadores europeus em Brasília têm conversado com frequência com interlocutores no Itamaraty. Os votos de condenação da invasão trouxeram alívio, mas preocupa a insistência do governo em criticar a principal estratégia contra a Rússia. Afinal, disse uma das fontes estrangeiras ouvidas, “numa guerra é preciso, sempre, estar do lado do agredido, e ajudá-lo”.
Possíveis consequências dessa divergências nas relações do Brasil com a UE e os EUA são minimizadas por fontes do governo, que frisam a necessidade de o Brasil manter uma posição independente, que não sacrifique as relações com dois parceiros de peso na geopolítica global: Rússia e China.
Esta posição é, em grande medida, compartilhada por assessores internacionais do ex-presidente e candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva. Alguns deles, incluindo o ex-chanceler Celso Amorim, já defenderam que, em circunstâncias diferentes, o Brasil deveria ter se abstido nas votações da ONU, em sintonia com seus sócios do Brics (China, Índia e África do Sul, além da Rússia). Na visão de Amorim, uma abstenção permitiria ao Brasil, se tivesse um peso que o ex-ministro considera que o país não tem atualmente, colaborar ativamente com esforços por um cessar-fogo na Ucrânia.
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