Vladimir Putin em discurso antes da guerra com a Ucrânia
Foto: ANSA
Vladimir Putin em discurso antes da guerra com a Ucrânia

Na sexta-feira (25) o presidente Vladimir Putin, em um tom poucas vezes visto em um chefe de Estado, fez um ataque direto às autoridades do país, e, ao sugerir que as Forças Armadas derrubem o atual governo ucraniano , voltou a afirmar que ele é controlado por nazistas.

"Parece que seria mais fácil para nós chegarmos a um acordo com vocês´[militares] do que com essa gangue de viciados em drogas e neonazistas que se assentaram em Kiev e agora mantêm toda a população ucraniana refém" disse Putin, em reunião de seu Conselho de Segurança.

Conhecido pelas extensas referências históricas em seus discursos, Putin vem batendo na tecla de que o atual governo ucraniano tem a participação de elementos neonazistas, e que parte do que considera ser sua missão na Ucrânia, se referindo ao ataque contra uma nação soberana, é a "desnazificação" de Kiev.

Para entender a origem da alegação de Putin, é necessário voltar à Segunda Guerra Mundial, quando os nazistas invadiram a União Soviética, em 1941, e estabeleceram uma administração regional de ocupação na Ucrânia, que foi apoiada por alguns nacionalistas, como Stepan Bandera, ainda visto como um herói por parte dos ucranianos.

Para historiadores, grande parte do apoio não se deu por alinhamento às ideias nazistas, mas sim como uma forma de se contrapor às autoridades soviéticas — na década anterior, a Ucrânia sofreu os duros impactos de coletivização agrícola adotada por Josef Stalin (1922-1953), que levou à morte de cerca de 3 milhões de pessoas. O episódio é conhecido como Holodomor, e lembrado ao redor do mundo todos os anos.

Esse alinhamento às forças de ocupação alemãs é citado por aliados de Putin como uma prova de que o nazismo "reside" na alma ucraniana. Mas, para que a narrativa faça sentido, é preciso ignorar alguns fatos históricos: de acordo com o Museu Memorial do Holocausto dos EUA, meio milhão de judeus ucranianos foram mortos pelas forças nazistas e colaboradores.

O país foi cenário de alguns grandes massacres, como em Babi Yar, nos arredores de Kiev, quando 33.771 judeus foram executados em um intervalo de dois dias, ou o de Mykolaiv, no Sul da Ucrânia, que terminou com a morte de 35.782 civis, em sua maioria judeus. Os dois episódios ocorreram em setembro de 1941. Além do Holocausto, a guerra produziu graves impactos, com a morte de 7 milhões de pessoas, a destruição de centenas de cidades e da capacidade industrial.

Euromaidan

Com o desmantelamento da União Soviética, em 1991, e o ressurgimento do sentimento nacionalista, alguns grupos neonazistas ressurgiram, fenômeno que se repetiu em várias nações do Leste europeu. No caso ucraniano, uma dessas organizações, a Una-Unso, chegou a se unir a forças georgianas durante a guerra civil do país, em 1994, e à insurgência chechena, no mesmo ano.

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Esses grupos voltariam a se destacar durante a revolta popular iniciada em 2013 e que derrubou o governo pró-Moscou de Viktor Yanukovich, no ano seguinte, e que ficou conhecida como Euromaidan. Em meio ao nacionalismo representado pelas faixas azuis e amarelas, imagens de Stepan Bandera começaram a ser vistas com mais frequência, assim como atos de violência contra as forças de segurança. Após o início do conflito no Leste ucraniano, as organizações extremistas também passaram a se organizar em milícias para combater os separatistas pró-Rússia.

Assim surgiu aquela que é a mais falada e polêmica dessas milícias: o Batalhão Azov.

Formado por voluntários em 2014, muitos vindos de organizações extremistas e com prévia experiência em combate, o Azov apoiou as forças ucranianas em batalhas como a retomada do porto de Mariupol, e também sofreu acusações de tortura, crimes de guerra e de expressar simpatia explícita pelo nazismo: seu primeiro comandante, Andriy Biletsky, era líder da chamada Assembleia Nacional-Social, e a insígnia do batalhão traz o chamado Wolfsangel, um símbolo histórico alemão e que está presente em parte da iconografia nazista.

Desde 2014, o batalhão faz parte da Guarda Nacional Ucraniana, e mantém campos de treinamento para jovens, onde consegue novos recrutas e, na atual crise, organizou aulas de autodefesa, incluindo com o uso de armas, para civis. O Azov também é presença recorrente na imprensa russa, que o coloca como um sinal claro de como, seguindo alega o Kremlin, os neonazistas "estão no poder em Kiev".

Contudo, embora tenham capacidade de mobilização nas ruas e, hoje, no front, as organizações de extrema direita não têm representação política de fato. Nas eleições de 2019, a coalizão formada por siglas como o Svoboda e o Setor Direito não conseguiram superar a cláusula de barreira de 5% dos votos, ficando fora da Parlamento. Embora pessoas ligadas ao extremismo tenham sido indicadas para cargos de confiança, especialmente no governo do ex-presidente Petro Poroshenko, não há indicações de que elas tenham poder de decisão.

Por fim, um argumento do próprio presidente Volodymyr Zelensky serve para rebater as alegações repetidas por Putin.

"Como eu posso ser um nazista? Explique isso para meu avô, que passou toda a guerra na infantaria do Exercito soviético e morreu como coronel em uma Ucrânia independente" afirmou Zelensky, que é judeu.

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