Engana-se quem imagina que somente a população local do Afeganistão sentirá as dificuldades em viver num país tomado pelo Talibã. Esportistas de alto rendimento já começam a abrir mão dos seus sonhos em decorrência da tomada de poder no país. Isso porque o Comitê Paralímpico Internacional declassificou dois atletas que disputariam os Jogos Paralímpicos de Tóquio devido o caos vivido em solo afegão. Informações constam que uma aeronave militar, que possuia capacidade para transportar 100 pessoas, levantou voo com 640 passageiros
- sendo a maior parte cidadãos que queriam fugir.
A situação do Afeganistão, claramente fora de controle, mudou o destino de Zakia Khudadadi - que seria a primeira afegã a defender seu país numa Paralimpíada - e de Hossain Rasouli - que representaria o Afeganistão pela segunda vez na história.
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Tanguy Baghdadi, professor de Relações Internacionais da PUC-Rio, conversou com a equipe do Lance! e explucou como fatores externos culminaram no regresso do grupo extremista ao poder no país.
"O Talibã estava no poder em 2001 e tinha alianças com grupos terroristas na época, entre eles a Al-Qaeda, que promoveu o atentado ao World Trade Center em 11 de setembro. Como o país não extraditou Osama bin Laden, os Estados Unidos entraram com suas tropas no Afeganistão e, aos poucos, o Talibã foi expulso do poder". E explicou:
"Os Estados Unidos ficaram por 20 anos no Afeganistão e demoraram a deixar uma situação bem clara de quando retirariam suas tropas de lá", completou.
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Devido a suspensão de voos no Aeroporto Hamid Karzai, dois atletas não representarão o Afeganistão nas Paralimíadas. Mas essa não é a primeira vez que o grupo terrorista influencia na história esportiva do país. Nas Olimpíadas de Sidney, nos anos 2000, o Afeganistão foi banido das edições dos jogos devido ao comportamento rígido e extremista do grupo.
"O Talibã é um grupo fundamentalista sunita. Seu desejo é manter as tradições existentes no século VII d.C., quando surgiu o Islamismo, como os homens, inclusive os atletas não poderem cortar suas respectivas barbas. Há restrições em relação a horários para rezar e até mesmo para fazer esforços físicos. As mulheres sofrem também com bastante opressão, além de ser obrigatório o uso de uma burca completa", contou.
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Ainda assim, mesmo fora das Olimpíadas de 2000, o Talibã participou de outros episódios de interferência esportiva enquanto esteve à frente do Afeganistão - nos anos de 1996 até 2001. Devido a barbas fartas, pugilistas afegãos foram desclassificados de um torneio de boxe que ocorreu em Karachi, no Paquistão. Em Cabul, já houve a prisão de homens que cometeram o delito de jogar futebol usando bermudas.
"Barack Obama chegou a cogitar a saída dos soldados, só que, no fim, optou por reduzir o contingente. Já Donald Trump selou um acordo no qual as tropas dos Estados Unidos deixariam o Afeganistão se o Talibã cumprisse as condições previstas. O grupo extremista, porém, não fez o que estava combinado e, inclusive, manteve seus vínculos com o Al-Qaeda. Mesmo assim, o atual presidente americano, Joe Biden, ordenou a retirada das tropas", afirmou.
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"Após este enfraquecimento inicial ao ser expulso do poder, aos poucos o Talibã foi se reestruturando e aumentando seu faturamento. Os extremistas tiveram novas lideranças e foram conquistando os espaços pouco a pouco. Primeiro, em regiões no interior do Afeganistão, depois em capitais provinciais. À medida que ganharam poder pelo país, conseguiram, enfim, chegar à capital Cabul", destacou.
Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, discursou na tarde da última segunda-feira (16) e comentou sobre a tomada e poder pelo grupo terrorista.
"Isso tudo realmente se desenrolou mais rápido do que pensávamos. Os Estados Unidos não podem participar e morrer em uma guerra em que nem o próprio Afeganistão está disposto a lutar", disse, prometendo uma resposta "contundente" caso haja ataques do grupo extremista contra o país.