O presidente Jair Bolsonaro não aproveitou bem sua estreia num dos maiores palcos da política internacional — a cúpula do G-20 , iniciada ontem no Japão — deixando de explicitar as estratégias econômicas e comerciais de seu governo.
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Entretanto, o valor simbólico da troca mútua de elogios com Donald Trump e da conclusão do há muito negociado acordo entre União Europeia (UE) e Mercosul poderá render bons frutos à reputação de Bolsonaro em casa, ofuscando a saia-justa diplomática que marcou sua chegada, sob críticas do presidente francês, Emmanuel Macron, e da chanceler federal alemã, Angela Merkel .
É essa a conclusão de analistas ouvidos pelo GLOBO , para quem faltou ao governo brasileiro apresentar mais claramente o que seria o “novo Brasil” anunciado por Bolsonaro, que tende a falar mais à base de apoio doméstica do que ao público externo.
"Esperávamos que fosse apresentada uma reorientação das políticas econômicas e comerciais do Brasil. Não tivemos condições de perceber, ao menos por enquanto, qual é a estratégia. Faltam articulação e coesão, o que acaba afetando a reputação do país", diz Fernanda Magnotta, professora de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), em São Paulo.
Para o cientista político e professor da FGV Guilherme Casarões, o primeiro dia de cúpula acabou salvo pelo fechamento do acordo entre Mercosul e UE — bem longe dali, em Bruxelas.
Ontem, o presidente e o seu filho Eduardo Bolsonaro, braço-direito do pai na política externa, celebraram repetidamente no Twitter o fato como uma vitória. “Jair Bolsonaro fez em 6 meses o que outros não fizeram em 20 anos. Entendem agora o que é comércio exterior sem viés ideológico?”, escreveu Eduardo na rede social.
"É claro que o acordo não pode ser creditado apenas a Bolsonaro. Afinal, houve muito tempo de negociações. Foi o governo de Michel Temer que manteve as conversas vivas. Quase chegou-se à sua conclusão em dezembro, mas o processo eleitoral acabou tomando o espaço", diz Casarões.
"Esta conclusão está sendo veiculada como conquista, assim como o encontro com Trump . Jogar com as suas bases de apoio é uma das características da diplomacia de Bolsonaro."
Apesar dos elogios trocados, Magnotta avalia que a reunião com Trump foi mais simbólica do que capaz de produzir alterações estruturais de política externa. Segundo ela, foi “um encontro amigável sobre uma agenda anteriormente debatida”.
Clima de poucos amigos
Mas o clima foi diferente com Merkel e Macron. Ao chegar, Bolsonaro respondeu duro às críticas da alemã sobre a questão ambiental, e teve o encontro com o francês reduzido de um encontro bilateral oficial a uma conversa informal. Macron ameaçara travar o acordo com o Mercosul sem compromissos ambientais do Brasil, inclusive com o Acordo de Paris.
"O governo parece ter dificuldade de controlar a narrativa sobre a sua reputação", avalia ainda Magnotta, que, sobre o cancelamento do encontro oficial com Macron de última hora, diz: "Este não é o normal".
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Claro que sempre há o imponderável, mas em geral estes encontros são precedidos de longas negociações e preparação de equipes especializadas. O que parece é que havia pouca disposição de realizar este encontro do lado francês; e, do lado brasileiro, uma tentativa de promovêlo. No fim saiu como tiro pela culatra, porque pareceu desorganização.