A disputa para escolher o candidato do Partido Democrata que concorrerá contra Donald Trump nas eleições do ano que vem começa a ganhar contornos mais definidos nesta quarta-feira (26) à noite, em Miami, com o início do ciclo de 12 debates marcados até abril. Com 24 postulantes à Casa Branca , o maior número de inscritos de qualquer partido da História americana, os democratas dividiram o seu primeiro debate em duas noites, quarta e quinta, com dez candidatos em cada.
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A divisão dos candidatos se deu por meio de sorteio, mas quis o acaso que, entre os cinco democratas favoritos, só a senadora Elizabeth Warren estivesse na primeira noite, com os outros quatro — o ex-vice-presidente Joe Biden, o senador Bernie Sanders, a senadora Kamala Harris e a revelação Pete Buttigieg — concentrando-se na segunda. Os primeiros debates devem ser decisivos para limar os candidatos menos competitivos, que, caso não se destaquem, rapidamente se verão sem dinheiro e apoio para continuar suas campanhas.
Para qualificar-se para estar em Miami, os candidatos precisaram preencher um de dois critérios: ou ter no mínimo 65 mil doadores para suas campanhas, com ao menos 200 doadores em 20 estados, ou então aparecer com pelo menos 1% das intenções de voto nas principais pesquisas. A exigência será a mesma para a segunda rodada de debates, dias 30 e 31 de julho em Detroit, e dobra para o terceiro, dias 12 e 13 de setembro, em local ainda não definido, o que deve reduzir o número de concorrentes.
Cada noite de debate terá duas horas, e o tempo para cada candidato expor propostas deve ser diminuto. "Será muito difícil distinguir os candidatos. Os mais fortes vão evitar grandes erros, enquanto todos os outros vão tentar fazer algo para chamar a atenção", disse ao jornal O Globo o cientista político Sandy Maisel, da Universidade Colby.
Pesando no pano de fundo contra todos estará a pergunta sobre quem tem as melhores possibilidades de desafiar com sucesso Trump nas urnas. "Os eleitores democratas votarão em quem acharem que tem mais chance de derrotar Trump. Joe Biden tem se fortalecido por ter a experiência como vice, mas também por conta da ideia de que ele pode atrair apoiadores de Trump e eleitores moderados", afirmou o cientista político Alan Abramowitz, da Universidade Emory. "Já os candidatos mais progressistas, como Sanders e Warren, dizem que podem se sair melhor motivando os eleitores. O debate é sobre quem pode ter mais força para derrotar Trump".
Se não em termos matemáticos, ao menos na prática, o candidato democrata costuma estar definido em meados de março do ano eleitoral — foi este o caso com Hillary Clinton, em 2016, e, antes dela, com Barack Obama em 2008. Apesar disso, analistas dizem que este processo eleitoral pode se prolongar por meses, possivelmente estendendo-se até a Convenção do Partido Democrata em julho, o que não acontece desde 1952.
Dois fatores explicam a possível prorrogação. Em termos políticos, o Partido Democrata está crescentemente dividido, entre uma geração mais nova, urbana e progressista, que tende a apoiar candidatos como Bernie Sanders e Elizabeth Warren, e seus adeptos mais tradicionais e moderados, que hoje endossam majoritariamente Biden — uma fragmentação que dificulta consensos. Nas pesquisas até aqui, Biden aparece com 38%; Sanders, 19%; Warren, 13%; Buttigieg, 7%; e Kamala Harris, 6%. Em pesquisas de junho de 2015, um ano antes da convenção democrata, Hillary Clinton aparecia com 75%, e Sanders, com 15%.
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Novas regras
Novas regras eleitorais também podem contribuir para a demora da definição. Os chamados superdelegados— categoria com direito automático a voto na convenção de julho, criada na década de 1980 para assegurar o predomínio das alas mais fortes do partido — terão a influência reduzida, não podendo mais votar logo no começo das primárias, mas só em julho. Em 2016, muitos dos superdelegados, que compõem cerca de 15% do total dos votantes na convenção, apoiaram Hillary desde antes do começo do processo eleitoral. Os seus votos foram contabilizados nas principais pesquisas, o que, segundo críticos, transmitiu a impressão de que ela tinha vencido mais disputas do que de fato acontecera.
As primárias começam em fevereiro, quando diversos estados votam. Ao final do mês, o número de candidatos deve ter caído para não mais que um punhado de nomes. Até aqui, Joe Biden, um homem branco moderado — o que pode atrair eleitores de Trump — com a experiência de ter sido vice de Obama, é o favorito. No debate, isto o torna um alvo preferencial dos concorrentes, que tentarão enfraquecê-lo. Na semana passada, o candidato deu munição aos críticos, após dizer como manteve boas relações com senadores defensores do segregacionismo racial na década de 1970, na mais recente de uma série de gafes. A tendência a cometer este tipo de erro pode ser sua principal fraqueza.
"Biden já cometeu vários erros. Parece que ele não consegue encontrar um tom correto, a estratégia correta. Seu desempenho nas últimas semanas levanta dúvidas sobre sua capacidade para formular uma narrativa à Presidência", afirma o cientista político David Schultz, da Universidade Hamline.
Jovem vice
Se for o escolhido, o senador de 76 anos deve precisar de um nome jovem para disputar como o seu vice, e a senadora negra Kamala Harris é uma das favoritas ao posto. Harris está em quinto nas pesquisas, mas tem poucas chances de ser a vencedora das primárias, pela ideia de que não apela ao eleitorado de Trump. O mesmo se aplica a Buttigieg, que até pouco tempo era pouco conhecido e é abertamente gay.
Os maiores competidores de Biden são os senadores Bernie Sanders e Elizabeth Warren, ambos identificados com a ala mais progressista do Partido Democrata. Destes, Sanders, de 77 anos, encontra mais resistência das alas mais poderosas do partido, por ser visto como excessivamente de esquerda e insubordinado. Warren tem a seu favor o fato de ser uma mulher e vem crescendo nas pesquisas, ao inverso do socialista. Qualquer que seja o vencedor, se levar a Casa Branca em 2020, deve ter que lidar com um Senado de maioria republicana, o que significa que não conseguirá avançar nos pontos mais polêmicos da agenda. O principal para o Partido Democrata, hoje, é mudar o ocupante da Casa Branca.
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"Sempre que se trata de reeleição, as pessoas votam baseando-se na opinião sobre o atual presidente. Isto é ainda mais forte no caso de Trump", disse Alan Abramowitz sobre as chances dos democratas no pleito de 2020.