Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Aloysio Nunes, viu o Egito cancela viagem da comitiva brasileira ao país árabe como forma de retaliação às declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro
Gerdan Wesley
Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Aloysio Nunes, viu o Egito cancela viagem da comitiva brasileira ao país árabe como forma de retaliação às declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro

Mesmo antes de tomar posse, algumas declarações do novo presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, já estão causando impacto na política externa do País. Desta vez, após declarar que pretendia mudar a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, o Egito cancelou uma viagem da comitiva brasileira para o país que aconteceria muito em breve, entre os dias 7 e 12 de novembro.

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O governo do Egito cancelou viagem da comitiva brasileira que seria liderada pelo ministro de Relações Exteriores do Brasil, Aloysio Nunes Ferreira, ao país árabe usando como justificativa uma mudança na agenda de autoridades locais. Por conta da grande organização que se faz necessária em ocasiões como essa, porém, cancelamentos com tão pouca antecedência não são comuns dentro do protocolo da diplomacia internacional.

Internamente, portanto, as autoridades brasileiras temem que a medida seja mais uma retaliação às declarações recentes do presidente eleito Jair Bolsonaro que desagradaram a comunidade árabe . Os rumores, inclusive, aumentaram depois que a Liga dos Países Árabes enviou uma nota à embaixada brasileira no Cairo, capital do Egito, condenando as declarações de Bolsonaro.

Entenda o caso e porque o Egito cancelou viagem

Palestinos classificam decisão de Bolsonaro de mudar embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém como
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Palestinos classificam decisão de Bolsonaro de mudar embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém como "provocação"

A polêmica internacional começou depois que o presidente eleito  prometeu em campanha e confirmou na última quinta-feira (1º), em entrevista publicada no jornal israelense Israel Hayom , que pretendia fazer a mudança da sede da embaixada brasileira em Israel.

Bolsonaro afirmou que o país judeu deveria ter liberade para escolher sua própria capital e ignorou o fato de que Jerusalém, autoproclamada capital do estado de Israel, é alvo de disputas entre judeus, árabes e muçulmanos.

Na ocasião, Bolsonaro declarou "quando me perguntaram, durante a campanha se eu faria isso uma vez que me tornasse presidente, eu repondia que 'sim, cabe a vocês decidirem qual é a capital de Israel, não a outras nações'".

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O problema é que, a se confirmar as palavras de Bolsonaro, o Brasil seria apenas o terceiro país do mundo a transferir sua embaixada para Jerusalém, depois de Estados Unidos e Guatemala, o que demonstra a postura da grande maioria da comunidade internacional de não interferir na disputa entre israelenses e palestinos. Esses últimos, por sua vez, reivindicam uma parte do território da cidade, a Jerusalém Oriental, para si a fim de torná-la capital de seu futuro e prometido país.

Desde a guerra entre israelenses e palestinos em 1967, porém, o estado de Israel ocupa inteiramente o território que nunca mais foi reconquistado pela Palestina apesar dos diversos confrontos sangrentos que se sucederam na região. O ato de anexação, no entanto, nunca foi reconhecido pela comunidade internacional que, no geral, entende que o status da Cidade Sagrada deve ser negociado pelas duas partes e os demais países não devem estabelecer suas respectivas embaixadas em Jerusalém até que haja um acordo.

A decisão de Bolsonaro, assim como a do presidente norte-americano, Donald Trump, e da Guatemala, vão na contramão desse consenso.

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Os dois territórios palestinos são a Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental) e a Faixa de Gaza

Diante disso, diversas autoridades palestinas se uniram para criticar o anúncio do presidente. A líder do Comitê Executivo da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Hanan Ashrawi, classificou a proposta de mudança da embaixada brasileira em Israel como uma "medida provocadora, que é ilegal diante do direito internacional e que não faz mais que desestabilizar a região" que é alvo de conflitos entre palestinos e israelenses há décadas.

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A fala da porta-voz da delegação palestina nas negociações de paz com Israel que também incluiu uma lamentação pelo fato "muito infeliz que o Brasil tenha se unido a essa aliança negativa contra a lei internacional" foi um dos raros momentos de concordância dela com as lideranças do Hamas, um movimento islamita acusado da radicalismo que domina a faixa de Gaza (parte do território palestino) e já travou três guerras contra o poderoso estado de Israel nos últimos dez anos.

Através de seu porta-voz, Sami Abu Zahri, o Hamas também declarou numa rede social que "consideramos que se trata de uma medida hostil em direção ao povo palestino e ao mundo árabe e muçulmano" e que "rejeitamos a decisão do presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, de mover a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém e pedimos que ele abandone essa sua decisão".

O único a comemorar a decisão de Bolsonaro foi o próprio primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, que, poucas horas depois, agradeceu Bolsonaro e parabenizou o "meu amigo presidente eleito, Jair Bolsonaro, pela sua intenção de transferir a embaixada brasileira para Jerusalém, um passo histórico, correto e emocionante!".

O líder israelense pretende ir à posse de Bolsonaro em Brasília em janeiro e, segundo a mesma entrevista ao jornal Israel Hayom , o presidente eleito também afirmou que pretende visitar o estado judeu em breve.

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Para especialistas, porém, assim como muitas medidas na área da diplomacia, a mudança na sede da embaixada brasileira não teria nenhuma função prática, apenas simbólica.

No entanto, além de gerar algum gasto no processo de transição da sede, poderia provocar uma indisposição com parte do mundo árabe que apoia a Palestina e que é um importante parceiro internacional do Brasil, consumindo alimentos e mercadorias nacionais.

Juntos, esse bloco países árabes é o segundo maior comprador de proteína animal brasileira. Em 2017, as exportações somaram US$ 13,5 bilhões e o superávit brasileiro na balança comercial com esses países foi de US$ 7,17 bilhões.

Diante disso, Rubens Hannun, presidente da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, alertou que uma possível retaliação dos países árabes poderia abrir espaço para fornecedores concorrentes do Brasil no setor de proteína animal, como Turquia, Austrália e Argentina.

Em entrevista à Folha de S. Paulo , Hannun afirmou que "já tivemos ruídos com a [Operação] Carne Fraca e com a paralisação dos caminhoneiros, mas conseguimos superar. Temos a fidelidade dos países árabes", afirma o representante que alerta, porém, que a mudança da sede da embaixada é algo muito mais forte e sensível aos países árabes.

Além disso, Rubens Hannun também ressalta a possível perda de investimentos árabes na região. Ele explica que "cerca de 40% dos fundos soberanos estão nesses países e eles já demonstraram interesse em investir em infraestrutura no País. São planos futuros que podem ser cortados", afirmou expondo que as sanções impostas por esse bloco de países podem não surtir efeito em economias mais robustas que tomaram o mesmo caminho, como é o caso dos Estados Unidos, mas pode afetar fortemente um país em desenvolvimento como o Brasil.

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E a decisão do Egito de cancelar a viagem da comitiva brasileira pode ter sido o primeiro sinal prático disso.

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