O Brasil comunicou oficialmente hoje sua nova meta oficial de cortes de emissões dos gases do efeito estufa até 2030. Contrariando a expectativa, o documento não corrigiu o retrocesso que havia sido anunciado em 2020 e pode configurar uma violação ao Acordo de Paris contra a crise do clima, dizem especialistas.
O documento com o compromisso, a NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada), foi encaminhado pelo Ministério das Relações Exteriores à Convenção do Clima da ONU (UNFCCC) nesta sexta-feira. O texto fala de reduções percentuais no nível de emissão, mas não menciona valores absolutos em toneladas de CO2, o que torna difícil sua interpretação.
"Por meio deste comunicado, o Brasil confirma seu compromisso de reduzir suas emisssões de gases-estufa em 37% até 2025, em comparação a 2005", afirma o documento. "Além disso, o Brasil se compromete a reduzir em 50% suas emissões em 2030, em comparação a 2005. Os compromissos do Brasil também incluem um objetivo de longo prazo para atingir a neutralidade climática em 2050."
Segundo ambientalistas, como a quantidade de emissões do país em 2005 foi revista de 2,1 bilhões para para 2,8 bilhões de toneladas de CO2, as porcentagens se referem a uma base de cálculo maior, e a nova proposta, na verdade, é menos ambiciosa do que aquela feita em 2016. A perda de ambição é expressamente proibida em um dos termos do Acordo de Paris, o parágrafo 3 do artigo 4.
Essa crítica já havia sido feita por especialistas em 2020, mas durante a Conferência do Clima de Glasgow (COP-26), em 2021, o MMMA anunciou mudanças que, em princípio, iriam corrigir esse problema. Na ocasião, o governo aumentou de 43% para 50% o corte de emissões em 2030, em relação a 2005.
No entendimento Ministério do Meio Ambiente, o documento comunicado à UNFCCC hoje é "apenas a finalização de uma burocracia" e que "o que foi anunciado na COP está agora no papel".
Especialistas consultados pelo GLOBO, porém, afirmam que o documento emergiu com pontos imprevistos.
Nas contas do think-tank Instituto Talanoa, dedicado à questão climática, o documento de hoje prevê que o Brasil vai estar emitindo daqui uma década o equivalente a 81 milhões de toneladas de CO2 a mais do que tinha prometido em 2016. Nas metas de curto prazo, a discrepância é ainda maior, com o país emitindo 314 milhões de toneladas a mais do que o originalmente prometido para 2025.
“A NDC atual não está em conformidade com o Acordo de Paris porque ela ainda nem empata com a NDC submetida em 2016. É menos ambiciosa”, explica Natalie Unterstell, presidente do Talanoa “Não empatar, nesse caso, significa que o Brasil pode emitir em 2030 uma Colômbia inteira a mais em termos de toneladas de CO2.”
Outra organização que criticou a NDC submetida hoje foi o Observatório do Clima, coalizão que reúne as maiores ONGs ambientalistas do país. O cálculo de especialistas do grupo resulta em um número um pouco menor que a previsão de excedente de emissões feitas pelo Talanoa, mas também preocupante, 73 milhões de toneladas de CO2 a mais em 2030.
Segundo Márcio Astrini, secretário-geral do grupo, o governo quebrou sua promessa de discutir o texto com transparência.
“O governo mentiu na submissão que fez nessas promessas ao dizer que houve participação da sociedade civil na elaboração dessa proposta. Na verdade, o governo cancelou todos os conselhos e comitês que existiam para a sociedade civil poder participar do processo”, diz Astrini.
Promessas não lembradas
Outra crítica que ambientalistas fizeram ao texto comunicado pelo Brasil hoje é que a NDC do país não incorpora duas promessas paralelas à Convenção do Clima. Uma delas é a Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra, que prevê zerar a perda de matas no fim da década. A outra é a Promessa Global sobre Metano, que mira no mesmo prazo um corte global de 30% desse poderoso gás-estufa. Nenhuma meta alinhada com esses objetivos foi mencionada no novo texto da NDC.
A crítica das ONGs feitas à falta de ambição da NDC brasileira se deve à urgência que pesquisadores apontam para a redução de emissões no planeta. Em seu último relatório, o IPCC, painel de cientistas da ONU, concluiu que as emissões de gases-estufa precisam começar a diminuir em no máximo três anos para que o aquecimento global deste século seja um acréscimo menor do que 1,5°C, objetivo mais ambicioso listado no Acordo de Paris.
Como o desmatamento pode ser reduzido sem perdas econômicas, ele é tido como o tipo de ação de curto prazo crucial para o clima. A queima de combustíveis fósseis é responsável pela maior parte do aquecimento global, mas é uma fonte de CO2 mais atrelada ao desempenho da economia de países que precisam de petróleo e carvão para gerar energia.
Segundo fontes ouvidas pelo GLOBO, o Itamaraty entende que não houve retrocesso. A NDC do Brasil, por elevar a redução percentual, estaria elevando a ambição no enfrentamento da mudança do clima, e continuaria em linha com o Pacto Climático de Glasgow, de acordo com diplomatas.
Como a NDC divulgada não incluiu nenhum anexo detalhando os números de emissões em toneladas de CO2, porém, é difícil contrapor as justificativas do governo brasileiro às críticas de ONGs e especialistas.
“É normal que os números na NDC dos países venham apenas como percentuais mas, geralmente, em outras NDCs submetidas, os números foram sempre traduzidos em um anexo, detalhando o que eles significam. Outros países fazem assim”, diz Unterstell.
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