Alunos representantes da greve estudantil e membros da reitoria da Universidade de São Paulo (USP) se encontraram nesta quarta-feira (4) para debater as demandas que motivaram a mobilização dos estudantes, trabalhadores e docentes na instituição. Durante a reunião, a reitoria assumiu o compromisso de contratar mais professores para atender às reivindicações dos alunos.
Os grevistas concentram suas demandas em cinco principais áreas: contratação de mais professores, aumento do auxílio para a permanência estudantil, melhorias estruturais na USP Leste, realização de vestibular para indígenas e valorização dos direitos estudantis. Os alunos têm nova assembleia agendada para segunda-feira (9).
Os grevistas apresentam algumas exigências para a aquisição de novos docentes. A primeira é o retorno do gatilho automático para a contratação de professores. Atualmente, quando um professor falece, é exonerado ou se aposenta, a vaga não é automaticamente preenchida. Os alunos clamam por esse mecanismo para assegurar a reposição imediata das vagas.
Outra questão é estabelecer um número mínimo de docentes (1.683) para garantir o funcionamento adequado dos cursos. Esse número é calculado com base na proporção de estudantes para professores que a USP tinha em 2014, visando manter a qualidade do ensino. Além disso, há uma forte exigência pelo fim do edital de excelência ou mérito. Os estudantes consideram esse critério profundamente injusto, pois não proporciona novas vagas para as unidades acadêmicas que mais necessitam de professores.
Os representantes estudantis se comprometeram a apresentar as propostas da reitoria em suas assembleias, que por votação que possuem autoridade para decidir sobre a aceitação dos termos. Ambas as partes acordaram em realizar uma nova reunião no dia 09 de outubro, segunda-feira, às 10:00, para negociar outros temas pendentes e finalizar as discussões sobre os assuntos já tratados.
Ao Portal iG , Davi Barbosa, diretor do Diretório Central dos Estudantes da USP, declarou que a falta de professores diz respeito a uma política que a USP vem tendo nos últimos anos de não-contratação de docentes. Para ele, a falta de ampliação no orçamento para recompor o quadro de professores vem de muitas gestões, e por isso a universidade chega em 2023 como déficit tão grande, com reflexos em toda a universidade e com risco de cancelamento de cursos.
“Todos os cursos da capital da USP aderiram à greve. Isso demonstra a força das reivindicações para contratação de professores, de mais permanência e mais auxílios são problemas que atravessam todas as unidades da universidade.”, finaliza.
Na última sexta-feira (29), a Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA), a Escola de Educação Física e Esporte (EEFE), a Faculdade de Odontologia (FOUSP) e a Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) decidiram aderir ao boicote às aulas, contando com um amplo apoio em suas assembleias. Essas instituições se uniram a outras 25 unidades já paralisadas na Cidade Universitária, no Butantã (zona oeste), e à Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), localizada na USP Leste, que também interrompeu suas atividades.
“Quem depende dos auxílios estudantis são em sua maioria estudantes pobres, negros, trabalhadores e periféricos. O atual modelo dos auxílios não foi debatido de forma democrática com os alunos e o valor pago é extremamente baixo, o que coloca esse perfil de estudante em uma situação de ainda maior vulnerabilidade social dentro da universidade”, declarou em entrevista ao Portal iG, Francisco Mota, que é diretor do DCE e estuda Administração na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA-USP).
“A USP foi desde a sua fundação um espaço projetado para a elite branca da cidade de São Paulo. Foi também uma das últimas universidades do país a adotar o sistema de cotas raciais. O aumento do número de estudantes negros, trabalhadores e periféricos na universidade contribui para a construção de uma universidade que sirva aos interesses da classe trabalhadora”, finaliza.
Carla Santos, aluna de pós-graduação na USP e membro da Associação dos Pós-Graduandos da Universidade de São Paulo da capital (APG-USP), defendeu que a falta de contratações sobrecarrega os docentes que hoje já trabalham na Universidade. “Existem inúmeras disciplinas optativas que chegam a ficar 10 anos sem oferecimento. Atualmente, já sabemos até de disciplinas obrigatórias sendo canceladas e de habilitações podendo deixar de ser ofertadas”, pontuou.
Segundo a pesquisadora, os cursos de pós-graduação são afetados principalmente com a falta de disciplinas ofertadas no período noturno e pelos professores-orientadores sobrecarregados, que por conta das poucas contratações de novos docentes, acabam com dificuldade de fornecer orientação com maior qualidade.
“A APG acredita no retorno do gatilho automático, para que concursos sejam abertos rapidamente após a aposentadoria de docentes na USP, entre outras situações”, pontua.
Carlos Carlotti, reitor da USP, divulgou nesta quarta-feira (04) um vídeo sobre as demandas estudantis surgidas nas últimas semanas. Entre os principais tópicos abordados, o reitor defendeu que modelo de gestão financeira da USP tem contribuído para sua sustentabilidade e crescimento, mas impõe planejamento e responsabilidade.
"O que temos procurado fazer é estudar o impacto que esse comprometimento financeiro pode gerar nos próximos quatro anos, pelo menos. Na atual gestão tomamos algumas decisões com o conhecimento e aprovação da Comissão de Orçamento e Patrimônio e do Conselho Universitário", finaliza o reitor.
“Os docentes da Universidade de São Paulo estão absolutamente sobrecarregados. E isso tem relação obviamente com a queda de 1.042 docentes desde 2014. Essa queda é generalizada em todas as unidades da universidade, em todas as áreas”, afirma Michele Schultz, presidente da Adusp e professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP)
“A gente tem divulgado que o problema só não estava maior antes porque a USP estava adotando um expediente de contratação de docentes temporários. É algo que Foi questionado pelo Tribunal de Contas do Estado no final de 2020”, finaliza a professora.
Levantamento divulgado pela Adusp revela que, no período de 2014 até agosto de 2023, o corpo docente da USP encolheu, passando de aproximadamente 6.000 professores para 4.900 . Além disso, entre 1995 e 2022, o número de cursos de graduação aumentou em cerca de 150%, as vagas na graduação cresceram mais de 60%, o número de estudantes matriculados na graduação teve um aumento de 80%, e na pós-graduação, de 50%.
Os títulos de mestrado e doutorado também cresceram em mais de 100%. No entanto, o balanço da entidade aponta que o número de docentes cresceu apenas 2%, enquanto o de técnico(a)s-administrativos decresceu em 15% em relação a 1995. A presidente da Adusp destacou que, mesmo com cerca de 800 contratações de professores anunciadas pela reitoria, a instituição ainda enfrenta uma carência significativa de pessoal docente.
Além disso, o Sindicato dos Trabalhadores da Universidade de São Paulo (SINTUSP) declarou defender uma greve unificada com os estudantes e com os docentes. Segundo dados do sindicato, a USP perdeu mais 4 mil funcionários desde 2014, com a promessa de contratação compensatória de cerca de 400 funcionários, equivalente a 10% das vagas perdidas.
Em nota, a reitoria da Universidade de São Paulo argumenta que houve importantes investimentos nas políticas de permanência estudantil, com o aumento em quase 60% nos recursos e ampliação do número de auxílios concedidos aos estudantes com necessidades socioeconômicas. E que as faculdades e escolas podem, se necessário, solicitar cargos para a contratação de docentes temporários para amenizar a morosidade encontrada na execução dos concursos.