O deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) apresentou um Projeto de Lei em julho deste ano no qual ele propõe o uso de armas não letais - spray de pimenta e eletrochoque - por professores das redes pública e privada em todo o Brasil, além de uma mudança no Estatuto do Desarmamento. Eleito na onda do bolsonarismo, Silveira ganhou notoriedade durante a campanha eleitoral de 2018 ao quebrar uma placa em homenagem à Marielle Franco , ao lado do então candidato ao Legislativo fluminense, Rodrigo Amorim (PSL).
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A proposta não foi bem recebida por especialistas da área da educação, que a consideram "irresponsável e absurda" e também acreditam que o uso de armas não letais em sala de aula pode deixar "traumas que vão além do psicológico". Em sua justificativa, o deputado apresenta dados de agressões contra professores e diz que o Brasil é o país com maior índice de violência nas escolas.
"São públicas e notórias as ocorrências delituosas que passaram a figurar no ambiente escolar, mais parecendo campos de batalha do que estabelecimentos de ensino. Sucedem-se as agressões aos professores, alunos e outros servidores das escolas, as ameaças veladas ou ostensivas, a destruição do patrimônio, o porte de armas brancas e de fogo e, até mesmo, os homicídios", escreveu Silveira.
Coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e doutor em Educação, Daniel Cara , em entrevista ao iG , considera o projeto demagógico e pede que comunidades escolares, educadores e estudantes lutem contra a proposição para que ela não seja aprovada na Câmara.
"É um projeto irresponsável e absurdo. Antes de tudo, um projeto demagógico e que propõe uma péssima solução. É claro que as escolas precisam ser ambientes seguros para a realização do processo de ensino e aprendizagem. Mas não é incluindo uma variável de insegurança, que é armar professores, que esse problema vai ser resolvido", afirma.
"As comunidades escolares, de educadores e estudantes devem lutar contra esse projeto, que é um projeto que mais vai trazer insegurança do que levar a segurança. E deixa um recado muito ruim para os estudantes. Um recado antipedagógico de que resolução de conflitos se resolve a bala e pelo instrumento da arma. Resolução de conflito se resolve pacificamente de maneira democrática. Expondo diferentes pontos de vista e chegando a um ponto de consenso entre as partes do ambiente escolar", acrescenta.
Para a psicóloga, mestra em Educação e Justiça Social e coordenadora da Avante Educação e Mobilização Social, Ana Oliva Marcílio , o problema de violência no ambiente escolar não pode ser resolvido com mais violência. Ela aponta ainda a falta investimento em Educação no Brasil como um dos motivos para a insegurança dentro das escolas.
"Se levarmos em consideração que a população brasileira convive em seu cotidiano com diversas formas de violência, num País onde se legitima diversas violências, se releva outras tantas e se considerarmos a máxima que 'violência gera violência' não vai ser difícil entender que é preciso haver uma mudança de relação na sociedade, mudança de cultura e atitude", opina Ana Oliva ao iG .
"O problema da violência não é algo das escolas, mas algo da sociedade brasileira. Na escola, temos um pequeno recorte da realidade brasileira. E, ao passo em que se corta verbas que poderiam garantir uma educação pública melhor, se aplica verbas em mecanismos de opressão e violência. Professores estafados, escolas mal cuidadas, relações desgastadas, crianças mal cuidadas e uma alta exposição cotidiana à violência só pode dar numa 'escola barril de pólvora'", complementa.
Aumento de ameaças a professores
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2018 mostraram que mais de 8 mil professores da rede pública sofreram tentativa de assassinado dentro de sala de aula, ainda que apenas 1% dos docentes responderam à pesquisa. Cerca de 36 mil profissionais da educação sofreram ameaças em ambiente escolar e 22 mil já foram furtados na mesma situação.
Questionado sobre como combater a onda de violência em escolas, Daniel Cara cita o programa nacional Paz nas Escolas , implementado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e aprofundado pelo ex-presidente Lula, como um exemplo do que pode ser feito. Reitera também o fato de que estudantes também são ameaçados e que isso chega menos ao público.
"A melhor maneira para combater essa questão é fazendo o que já foi desenvolvido no Brasil, especialmente no programa Paz nas Escolas: uma estratégia de criar em cada unidade escolar instrumentos de resolução pacífica de conflitos envolvendo professores, famílias, estudantes, funcionários, pessoas discutindo sobre os programas da escola. Isso em termos pedagógicos, inclusive, é uma enorme oportunidade, é um tesouro que precisa ser bem aproveitado pelas unidades escolares", afirma o educador.
Cara defende também que a solução seja debatida por cada comunidade escolar e que policiais que fazem ronda na região sejam envolvidos em busca de uma saída. "E a própria comunidade escolar ela pode discutir quais são as alternativas para melhorar a segurança nas escolas. Certamente a segurança na escola, o combate à violência escolar, ele passa inclusive por envolver a comunidade do entorno da escola. Envolver os policiais que fazem a ronda naquela região, envolver instrumentos de política social", reitera.
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"A resolução pacífica de conflitos ela é o caminho mais efetivo, mais concreto e mais pedagógico pra resolver o problema das agressões que ocorrem com todos os atores do ambiente escolar e não só contra professores", conclui.
Possíveis traumas
A psicóloga acredita que a utilização de armas não letais em sala de aula acarretaria em consequências graves para estudantes e docentes, além de mentais. “Tal proposta pode deixar traumas que vão além do psicológico. Traumas físicos e, pensando em escola e grande número de pessoas, alergias, etc. O que pode suceder é bem complicado”, opina. “Quem iria querer seu filho em uma escola onde os adultos estão armados? Eu não iria querer meu filho lá Onde fica a criação de espaços saudáveis para a educação e o desenvolvimento de pessoas? Onde entra o spray de pimenta nisso?”.
Ana Oliva atenta ainda para o fato de o Brasil ser signatário de tratados e acordos internacionais que buscam garantir que a criança cresça e se desenvolva sem violência e que propostas como a do parlamentar fluminense “vão contra tudo o que foi assinado” nesse sentido e lembra da Lei Menino Bernardo, aprovada em 2014 e que proíbe o uso de castigos físicos ou tratamentos cruéis ou degradantes na educação de crianças e adolescentes.
“A própria Lei Menino Bernardo garante essa educação não violenta. Sabemos que existe uma agenda de ruptura de direitos e de opressão e violência por trás desse tipo de proposta. É importante pensar que a escola como lócus da violência e da opressão do estado tende a aprofundar a violência estrutural do Brasil e a tendência vai ser que essa violência plantada na escola reverbere ainda mais na sociedade”, salienta.
“Não é de se estranhar que a proposta venha de um legislador do Rio de Janeiro, o estado tem buscado governar e legislar no ponto da bala e tem aprofundado o caos e a crise urbana, aumentou consideravelmente a violência, sobretudo quando o alvo é em crianças e adolescentes. Se violência fosse solução a gente teria um Rio tranquilo, não é o que estamos vendo por aí. Muito pelo contrário”, finaliza a educadora.
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Atualmente, a PL está parada na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, onde foi recebida no início de agosto. Daniel Cara não acredita que ela será aprovada pelos parlamentares porque, até então, a atual legislatura está ocupada com a agenda econômica, como a Reforma da Previdência e a Reforma Trabalhista.
“Neste momento, não vejo nenhum risco de aprovação desse projeto. Nós temos, por sorte, uma Comissão de Educação que vai se dedicar a essa matéria. Ela é totalmente refratária a projetos e ações absurdas como essa ideia, escola sem partido e outras ações que conturbam o ambiente escolar. No plenário da Câmara dos Deputados nós temos muita segurança de que não aprova essa matéria no momento. Não por qualquer outro motivo além do fato de que a agenda econômica predomina nessa primeira fase da 56ª legislatura da Câmara”, observa.
“O caminho que temos que trilhar agora é trabalhar com os deputados e mostrar o absurdo dessa proposta do Daniel Silveira , que, na verdade, é só uma proposta pra chamar a atenção. É claro que qualquer pessoa com o mínimo de consciência sabe que armar professores, tanto quanto armar alunos, é uma ideia completamente estapafúrdia. Daqui a pouco eles, inclusive, vão propor essa ideia de armar alunos. É uma estratégia demagógica de tentar chamar a atenção para um mandato que não tem nenhuma expressividade”, completa o educador.
Procurado pela reportagem via assessoria de imprensa para comentar o projeto, o deputado Daniel Silveira não retornou.
Leia à íntegra da justificativa do projeto de lei 4012/2019
“São públicas e notórias as ocorrências delituosas que passaram a figurar no ambiente escolar, mais parecendo campos de batalha do que estabelecimentos de ensino. Sucedem-se as agressões aos professores, alunos e outros servidores das escolas, as ameaças veladas ou ostensivas, a destruição do patrimônio, o porte de armas brancas e de fogo e, até mesmo, os homicídios.
Uma pesquisa global da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com mais de 100 mil professores e diretores de escola do segundo ciclo do ensino fundamental e do ensino médio (alunos de 11 a 16 anos) põe Brasil no topo de um ranking de violência em escolas. O levantamento é o mais importante do tipo e considera dados de 2013. Uma nova rodada está em elaboração e os resultados devem ser divulgados apenas em 2019.
Segundo dados da OLERJ - Observatório Legislativo da Intervenção Federal no Estado do Rio de Janeiro - o Brasil tem o maior índice de agressões contra professores sendo que entre 2014 e 2017, houve 624 denúncias de ameaças a professores dentro de estabelecimentos de ensino no Estado do Rio de Janeiro. Os números são do Instituto de Segurança Pública, ISP, e só comprovam o que professores vêm apontando há muito tempo – a violência invadiu a escola.
Em 2017, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE, divulgou dados de uma pesquisa global com mais de 100 mil professores e diretores de escolas do segundo ciclo do ensino fundamental e do ensino médio. Seus números revelavam que o Brasil é o país com maior índice de violência nas escolas.”