O momento em que a falta de oportunidades leva os jovens a querer sair do País é também um período em que financiar estudos no exterior está cada vez mais complicado. Os desafios encontrados se dão tanto em função dos cortes de gastos na educação, que leva a falta de bolsas de estudo, quanto pela desaceleração da economia. Nesse cenário, estudantes têm buscado maneiras alternativas para custear a vida em terras estrangeiras.
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Na busca por dinheiro, há quem tente de tudo. De pedir dinheiro no semáforo a fazer trabalhos freelancers, passando pela venda de doces e salgados, tudo vale para tentar realizar um sonho. A vaquinha virtual é uma das principais alternativas escolhidas pelos jovens estudantes. Em sites especializados em financiamento coletivo não faltam projetos de pessoas tentando angariar apoiadores para seus sonhos.
André Sena, pernambucano de 32 anos, é um dos adeptos da vaquinha. No dia 9 de junho deu início à sua campanha para conseguir R$ 12 mil. Isso é apenas parte dos cinco mil euros que calcula precisar para se manter nos três primeiros meses em Paris quando for estudar na Universidade Sorbonne, uma das mais conceituadas do mundo.
André estudou geografia na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e, cansado de não conseguir emprego em sua área, foi incentivado por uma amiga francesa a se candidatar para um mestrado no exterior. “Eu decidi fazer mestrado fora porque eu não me sinto valorizado no meu próprio país. Eu não vejo perspectiva de crescimento, eu não vejo oportunidades, então eu decidi mudar”, explica. Ele, que adora falar francês, escolheu aplicar para programas na França e foi aceito nas sete faculdades que tentou.
“Eu fiquei muito feliz, mas eu me deparei com a questão monetária. Tá, eu passei, tenho capacidade intelectual para isso, mas e agora o dinheiro?”, questionou. O pai de André, aposentado, e sua mãe, operadora de telemarketing, não podem ajudar a pagar pelo sonho do filho. Seu emprego como professor de idiomas tampouco rende o suficiente para cobrir os custos. Ele começou a dar aulas particulares de inglês na escola em que já leciona e conseguiu um trabalho como guia turístico em Olinda. Mesmo assim, a renda não era suficiente, “principalmente por causa do valor do euro”, aponta.
A vaquinha foi a forma que encontrou para tentar juntar em pouco tempo a quantia necessária para a mudança. André explica que depois de instalado pretende trabalhar para se sustentar por lá. “Sempre trabalhei na faculdade, no mestrado não seria diferente”, explica.
Cerca de um mês após lançar o projeto de financiamento coletivo, os resultados obtidos até então eram desanimadores. André decidiu então que precisava de formas para chamar atenção para a vaquinha. “Vou pro sinal pedir dinheiro. Vou expor minha história às pessoas, vou me expor nas redes sociais. Bem sincero, sair do pedestal, deixar o orgulho de lado e procurar uma melhora”, decidiu.
O apelo na Avenida Agamenon Magalhães, em Recife, tem sido bem recebido, segundo André. O prazo limite que havia estabelecido para a vaquinha virtual, no entanto, se aproxima e a meta ainda não foi atingida. André precisa conseguir mais dois mil reais até o dia 20 de agosto para viajar sem preocupação. Caso não consiga, ele diz que vai decidir se viaja no dia 15 de setembro com o que tem e tenta se virar como der ou se pede um empréstimo antes de ir.
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Jornada tripla para financiar um sonho
Dia 20 de agosto também é a data limite estabelecida por Isabella Rocha para a sua vaquinha virtual. A niteroiense de 26 anos é formada em biologia e foi aceita para a especialização em bioquímica clínica na Universidade de Aveiro, em Portugal, mas não conseguiu nenhum tipo de bolsa ou desconto.
Ela, que já fez um intercâmbio com bolsa para Portugal durante a graduação, havia decidido antes mesmo de se formar que faria um mestrado. No início deste ano decidiu tentar voltar para o país onde já vivera e passou em quinto lugar na Universidade de Aveiro.
“Eu fiquei feliz e para baixo. Você que é morador de favela, que não tem muita oportunidade e de repente surge uma gratificação dessa, ficar em quinto lugar, não é para qualquer um, ainda mais para quem vem da minha realidade, é uma coisa fora do normal”, conta. “Eu tinha aquela pontinha de esperança de conseguir a bolsa, mesmo que as chances fossem mínimas”.
No mesmo dia que saiu o resultado, fez uma publicação no Facebook contando sua história. No comentário da publicação, várias pessoas sugeriram que ela fizesse uma vaquinha on-line. Inicialmente, Isabella ficou receosa, porque não queria pedir dinheiro para as pessoas, mas com o incentivo dos amigos acabou criando o projeto de financiamento coletivo.
Para divulgar a vaquinha, Isabella criou um Instagram onde compartilha sua história e também divulga os doces e as empadas que faz para vender desde o começo do ano. Pela campanha, ela já chegou a ser reconhecida em uma loja.
Ao longo do ano ela vem conciliando as vendas com seu trabalho de pesquisa na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o trabalho voluntário em um cursinho comunitário, onde dá aulas de biologia. “Mexe muito com o emocional e com o físico, porque você dorme pouco, e aí por você dormir pouco você não consegue ficar de bom humor, às vezes fica desmotivado, fica muito estressado, emagrece, come mal”. “Não é fácil, é difícil, mas persistindo a gente chega lá”, afirma.
A meta de R$ 30 mil para custear o primeiro ano em Portugal, no entanto, ainda está longe de ser atingida. Até agora, somando o que juntou com a vaquinha e com as vendas, Isabella conseguiu R$ 19 mil. Com esse valor, pode se sustentar no primeiro semestre, que começa no dia 13 de setembro. Nesse período, Isabella pretende se estabelecer enquanto busca trabalho para garantir que o sonho continue.
Uma garantia de carreira bem sucedida
Outro que usa o financiamento coletivo para aproveitar uma oportunidade no exterior é Fernando Almeida, de 25 anos. Natural de Planaltina, no Distrito Federal, Fernando foi diagnosticado superdotado ainda criança. Ele, que sempre se interessou por música, logo descobriu uma vocação no estudo e na prática do violino.
Na Escola de Música de Brasília, Fernando desenvolveu a paixão pela música antiga e há cerca de seis anos vem estudando por conta própria o violino barroco. Ele cursa licenciatura em música na Universidade de Brasília (UNB) e faz cursos de verão em outros lugares do Brasil, mas conta que no centro-oeste inteiro não há nenhum professor de violino barroco. Fernando é o único da região que está se especializando em tocar música antiga no instrumento.
Nesse cenário, o músico foi aprovado para estudar no Conservatório Real de Haia, na Holanda, que é uma referência quando se trata de música antiga. “Estudar no Conservatório Real de Haia é praticamente uma garantia de carreira bem sucedida ”, diz.
O lugar que já foi um dos conservatórios mais baratos da Europa custa hoje 7.500 euros por ano para não europeus, quantia que impossibilita a participação de Fernando. Como os outros jovens, Fernando também busca realizar seu sonho com o apoio de outras pessoas por meio de uma vaquinha virtual.
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Em um mês de campanha, porém, ele conseguiu apenas R$ 860, de um total de R$ 50 mil necessários para pagar o curso e a estadia completa. Segundo ele, se não conseguir atingir a meta a tempo, vai guardar o que angariar este ano com a vaquinha virtual para tentar aplicar de novo no próximo ano.