O governo Bolsonaro reclama que o Parlamento é culpado por seu frustrante desempenho até agora. Não permite emplacar as reformas que afirma serem indispensáveis, com a rapidez necessária.
O Congresso, por sua vez, culpa o Executivo pela evidente e completa falta de um projeto de país, pelos tuítes estapafúrdios, pelas disputas entre grupos palacianos e pelo despreparo dos quadros.
Ao que parece, todos têm razão, enquanto o povo padece, pela falta de trabalho, de renda e, portanto, de meios de subsistência.
Mas é possível governar o Brasil .
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O primeiro e mais importante passo em direção da governabilidade é saber quem é quem, ou seja, saber quem representa quem e quais as suas verdadeiras intenções.
Não vale dizer que representa o povo, todas as brasileiras e brasileiros, porque na política real isso não existe. Todos estão lá por alguém e, em última análise, por si.
As cores precisam ser identificáveis, do contrário fica difícil votar e vetar gente que não nos interessa, fica impossível fiscalizar e cobrar aqueles em quem votamos.
E não me venham dizer que as siglas partidárias fazem isso, que informam de cara quem é de esquerda e de direita, quem representa o poder econômico e quem representa os desvalidos. Isso está longe de ser verdade.
Com o fim do financiamento empresarial e mesmo associativo de campanha, ficou mais difícil de saber quais são os interesses por trás de cada político que ocupa cargos eletivos no executivo e de todos os membros do Parlamento.
Isso porque de duas uma, ou o eleito se beneficiou com algum financiamento empresarial por debaixo dos panos, como se suspeita tenha acontecido com muitos dos que estão no poder agora, ou foi financiado pelo fundo partidário e está relativamente solto no mundo, livre pra tomar decisões segundo a sua própria vontade.
As duas hipóteses impõem obstáculos à governabilidade.
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No primeiro caso, não se sabe quem financiou e, portanto, quem de fato influência aquele agente público, quem de fato ele representa. É impossível mapear tendências e cobrar compromissos de quem não se sabe a que veio.
No segundo caso, exceto em ambientes partidários muito coesos, em que há uma postura efetiva de grupo, o eleito faz o que quer do seu mandato e será, nesse caso, completamente imprevisível.
O descontrole é o primeiro convite às tentações. É o incentivo à entrega dos mandatos a interesses e conveniências circunstanciais, o mais das vezes irrastreáveis.
Nós temos de exigir que todos os agentes públicos, sobretudo aqueles eleitos para cargos políticos se submetam a mecanismos de controle, que suas posições sejam claras e identificáveis, de modo a que o Executivo possa ler um Parlamento minimamente previsível, disposto a agir em atenção à confiança de seus eleitores. E o Parlamento possa o mesmo em relação ao Executivo.
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Uma profunda reforma política é, portanto, urgente. Nesse dia, no dia em que ela vier, o Brasil será governável e as instituições respeitarão seus respectivos papéis.
Até lá continuaremos a correr atrás do nosso rabo, abocanhando pedaços generosos de ar.