Delação de Leo Pinheiro é ponto central dos novos vazamentos da chamada 'Vaza Jato'
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Delação de Leo Pinheiro é ponto central dos novos vazamentos da chamada 'Vaza Jato'

Convido o leitor a fechar os olhos. E a pensar, por alguns minutos, em um homem de quase 70 anos preso há semanas, lançado à realidade dura do concreto armado de sua cela fria e ao tilintar das grades que o separam do mundo. Ao detento, que é Léo Pinheiro, o ex-presidente da empreiteira OAS, então, sugere-se dizer algo sobre você, caro leitor, que você praticou um crime, para que, desse modo, a tortura cesse e ele, o velhinho massacrado pela cana dura, saia da cadeia.

Os diálogos revelados pela Folha , em parceria com o Intercept Brasil , neste domingo (30) , não mostram, todavia, esse cenário de horror. Mas chegam perto, muito perto.

Um procurador, em 20 de abril de 2016, disse: “Acho que tem que prender o Léo Pinheiro . Eles falam pouco”. E arremata, “Quer dizer, acho que tem que deixar o TRF prender.”

Três dias depois, outro procurador informa os membros do grupo de chat que o advogado de José Aldemário Pinheiro, o Léo Pinheiro, o havia procurado, que noticiava ter feito “um bom trabalho nos anexos”, ou seja, que tinha inserido novos fatos nos anexos ao acordo de delação premiada do seu cliente, e que queria suspender o julgamento de Pinheiro em segundo grau, porque, se condenado, voltaria à cadeia.

Em julho, os procuradores ainda concluíam que algo faltava na delação do ex-presidente da OAS. No mês seguinte, as opiniões já se dividiam. No final de agosto, um dos procuradores afirmou: “Sobre o Lula eles não queriam trazer nem o apt. Guaruja. Diziam q não tinha crime. Nunca falaram de conta.”

Ao que parece, os próprios procuradores se mostraram surpresos com o acréscimo dessas informações, que só agora implicavam o ex-presidente Lula, informações que jamais estiveram nos anexos até então e que, pelo que se pode concluir, teriam sido vazadas pelos próprios advogados do delator à revista Veja .

Tudo faz crer que os novos fatos foram jogados no ventilador, justamente para pressionar os procuradores a concordar com a delação de Pinheiro e lhe atribuir os benefícios que pretendia. Foi essa pressão que levou uma procuradora a fazer duras críticas aos advogados de Pinheiro, e a dizer: “Esses Advs não valem nada”

Quase um ano depois, em 13 de julho de 2017, o coordenador da força-tarefa da PGR para a Lava Jato , Deltan Dallagnol se mostrou preocupado com a opinião pública e disse: “[...] é um ponto pensar no timming do acordo com o Léo Pinheiro. Não pode parecer um prêmio pela condenação do Lula”.

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Depois de tudo isso, o que se sabe é que o ex-presidente da OAS finalmente assinou um acordo de delação premiada com a PGR, em janeiro deste ano, quando ainda estava preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Em novembro do ano passado, importante lembrar, Pinheiro declarou à juíza Gabriela Hardt, substituta de Sérgio Moro, que Lula se comportava como proprietário do sítio de Atibaia e como o real beneficiário das obras que a OAS realizou naquele imóvel.

É uma confusão dos infernos, não é?

É uma confusão que nos distancia da verdade, que prende e que solta, que acusa e absolve, que unge e arruína ao sabor das conveniências. Foi precisamente para essa confusão, que mora muito, muito longe da verdade, que rumou o processo penal no Brasil.
A barganha, no feirão das evidências, tomou o lugar da verdade.

O acoplamento das prisões cautelares, muitas delas imotivadas, e de prisão depois de condenação em segundo grau com delação premiada está na origem desse mercado de provas. Provas que nem precisam ser tão fortes assim, que podem ser produzidas pela boca do delator preso, com a língua pronta para disparar qualquer coisa que o alivie.

É improvável que os vazamentos do Intercept Brasil encontrem um diálogo em que o procurador exige do delator que incrimine alguém. Mas, a rigor, não precisa disso. Esse é precisamente o conteúdo do diálogo silencioso e eloquente que se estabelece entre os negociadores da liberdade de alguém. De um lado, os seus advogados, aos quais o prêmio é libertar o delator. E, de outro, os procuradores, que já tem o delator, mas querem dele a incriminação de um terceiro, tanto mais importante quanto possível. Os dois lados sabem que esse é o jogo, um jogo torto, capaz de produzir inverdades e graves distorções.
Essa negociação silenciosa levou os acusadores a exibir, orgulhosos, muitas provas de açúcar e com elas construir um grande castelo prestes a desmoronar.

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O conteúdo desta coluna não necessariamente representa a opinião editorial do iG 

Walfrido Warde  é advogado, escritor e presidente do IREE, Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa. Escreve para o iG na coluna “Poder para o Povo” todas as quartas-feiras.

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