Críticas ao Brasil, saídas das bocas de líderes de potências estrangeiras, são antigas e tão comuns que ninguém mais se espanta com elas. Mesmo que não sejam justas nem verdadeiras. Para citar apenas um exemplo clássico, uma frase atribuída ao presidente da França, Charles De Gaulle, em 1962, durante o entrevero diplomático conhecido como “Guerra das Lagostas”, tornou-se tão associada à imagem do país que muita gente passou a citá-la sem saber se foi dita ou não.
O francês jamais disse que “o Brasil não é um país sério” — mas desde aquela época, a frase tem sido repetida tantas vezes que se tornou verdadeira aos ouvidos de quem a escuta. E provavelmente ela ou outra parecida voltará a ser dita a partir do dia 1º de novembro — dentro de duas semanas, portanto —, quando uma nova bateria de críticas voltará a ser atirada contra o Brasil.
As críticas serão feitas na Conferência das Nações Unidas Sobre Mudança Climática, a COP-26, que ocorrerá na cidade de Glasgow, na Escócia. Elas terão como alvo, é claro, a política ambiental do governo. Tudo bem. O Brasil tem, de fato, abusado dos erros nesse terreno. E mais: desde sua posse, o presidente Jair Bolsonaro começou a desagradar os críticos ao passar a rebater com energia as críticas que são feitas às queimadas na Amazônia e ao caráter predatório do agronegócio brasileiro.
Vilão ambiental
É inegável que o Brasil hoje ocupa a posição incômoda de maior vilão do meio ambiente no mundo. Também é verdade que nem sempre foi assim. Em 2009, na época em que o deputado Carlos Minc (PSB) ocupou a pasta do Meio Ambiente, o país conquistou protagonismo nas questões ambientais no momento em que passou a se antecipar às críticas que poderia receber e a elaborar política mais avançadas do que as defendidas pelos críticos mais frequentes.
O Brasil naquele momento foi, por exemplo, a primeira entre as nações em desenvolvimento a fixar metas para a emissão de gases poluentes — num momento em que isso era visto como um entrave ao desenvolvimento econômico. Na opinião de Minc, a recuperação do prestígio perdido nos últimos anos passa pela adoção de políticas ambientais mais ousadas, que não se reduzam à preservação dos recursos naturais, mas que também levem em conta que existem para melhorar a vida das pessoas.
O deputado acha inconcebível, por exemplo, que uma área correspondente a mais de 60% da mancha urbana do Município do Rio de Janeiro esteja sob controle de milícias, do tráfico de drogas e de outras organizações criminosas, que impedem a implantação de qualquer política ambiental nas áreas que dominam. “Essas questões aparentemente não estão diretamente relacionadas com a agenda ambiental, mas elas precisam ser incluídas nos debates sobre o tema”, diz ele.
Desmatador compulsivo
Ele está certo. Mas ainda que se concentre nas questões ambientais propriamente ditas, o debate já oferece pontos de reflexão importantes. Para começar, o Brasil não pode mais aceitar ser visto como um desmatador compulsivo, que não pode ver árvore de pé que logo quer pô-la abaixo — como querem fazer crer os militantes ambientalistas, os políticos da oposição e os governos dos países desenvolvidos.
Por outro lado, o país também está longe de ser uma vítima indefesa dos países desenvolvidos, que exigem medidas de proteção ambiental que eles mesmos não adotam em suas economias — como o governo às vezes quer dar a entender. Se o Brasil quiser tratar dessa questão com seriedade, deve entender que as dificuldades criadas na questão ambiental repercutem cada vez mais na Economia e em outras áreas da Economia.
A primeira providência a ser tomada na elaboração de uma agenda positiva é separar o joio do trigo. Para isso, o país terá que começar por deixar claro, nas críticas que recebe, o que é ficção e o que é realidade nas críticas que recebe. A segunda providência deverá ser, mais uma vez, se antecipar aos críticos e passar a tratar a questão ambiental como política de Estado. A terceira providência deverá ser a de estabelecer objetivos de longo prazo e não se deixar influenciar pelos humores políticos do momento. Não é porque Bolsonaro, por exemplo, comprou briga com as ONGs que atuam na Amazônia que se deve aplaudir tudo o que elas defendem para a região.
Essa política não pode se deixar influenciar, também, por críticas que países como a França e os Estados Unidos têm feito às queimadas na Amazônia e ao agronegócio brasileiro. É preciso olhar para os interesses do país. Sem negar as práticas predatórias que de fato existem — e que devem ser combatidas com energia —, é preciso observar a realidade para não cometer injustiças contra o único setor da Economia que tem demonstrado alguma eficiência: o agronegócio.
Cortina de fumaça
A quem interessa ampliar o tom das críticas e dar ao problema ambiental um peso maior do que tem? Esse é o xis da questão. Quando o presidente da França, Emmanuel Macron, aponta o dedo e critica o Brasil pelos desacertos na área ambiental, ele não está preocupado com a preservação da Amazônia. Talvez ele faça da fumaça que se levanta da floresta durante as queimadas (e que, de fato, precisam ser combatidas) a cortina que esconde suas verdadeiras intenções.
Antes de qualquer preocupação ambiental, o que ele deseja de fato é proteger os interesses dos agricultores franceses contra a concorrência dos alimentos produzidos no Brasil. Os agricultores franceses não querem saber de concorrência. Se os grãos e a proteína animal produzidas no Brasil não tivessem sua entrada na Europa dificultada pelas medidas protecionistas impostas pela França, os produtores rurais do velho mundo não teriam que procurar outra atividade.
A questão é: como mostrar seus pontos de vista e deixar de ver visto como um pária ambiental? O caminho será longo. A verdade é que o país se tornou uma potência mundial do agronegócio sem estar preparado para participar dos grandes debates internacionais em condições de igualdade com as grandes potências. A impressão que se tem é que, no último grande surto de crescimento que viveu na primeira década do Século 21, o país adquiriu uma importância econômica superior à sua capacidade de falar de igual para igual com as grandes potências.
Em determinados momentos, a impressão que se tem é a de que o Brasil, nos fóruns internacionais, age como um time de futebol que jogou bem, se destacou entre os pequenos da segunda divisão e, de repente, ganhou uma vaga na divisão de elite. Quando se viu entre os grandes, porém, ficou claro que ainda não estava preparado para medir forças com eles.
Como enfrentar essa questão e tomar as providências que garantam a permanência na primeira divisão da ordem mundial? O primeiro passo é procurar mobilizar os recursos disponíveis e colocá-los para trabalhar numa mesma direção. É preciso investir em inteligência e na busca de informações confiáveis, que embasem as decisões que serão tomadas em benefício do país. Para começar a ser visto como um país sério, o Brasil precisa começar por se levar a sério.
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