Uma entrevista exclusiva da jornalista espanhola Cristina Segui publicada pelo portal iG e pela edição digital do jornal o Dia, na terça-feira passada, pôs o dedo numa ferida para lá de sensível — que merece ser vista com cuidado pela sociedade brasileira. Segundo ela, uma rede narcoterrorista, com raízes na Venezuela e ramificações espalhadas pelo mundo, tem se utilizado do dinheiro obtido com o tráfico de drogas para financiar campanhas eleitorais e conquistar governos nos dois lados do Atlântico.
A presença da Venezuela no centro das acusações tem uma razão muito rumorosa na Espanha, mas pouco discutida no Brasil. Dias atrás, foi preso em Madrid o ex-chefe da Inteligência de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, Hugo Carvajal. Conhecido como Pollo, ou Frango, ele é uma peça fundamental nesse esquema. Hoje, ele aguarda a decisão da Justiça espanhola — que pode confirmar ou não o pedido de extradição feito dois anos atrás pelo Departamento Antidrogas dos Estados Unidos, o DEA.
Enquanto Pollo esteve foragido, o DEA e os serviços de inteligência de Israel sabiam de seu paradeiro e chegaram a informá-lo às autoridades espanholas. Nada, porém, foi feito para capturá-lo. De acordo com a jornalista, Pollo contaria com uma rede de proteção sólida junto aos governos de Madrid e de Lisboa. O líder dessa rede seria o ex-primeiro-ministro Jose Luis Rodriguez Zapatero, apontado por ela como o representante do chavismo na Europa.
Conhecida pela clareza com que defende suas posições, Cristina Segui não doura a pílula nem poupa de críticas os políticos que fazem parte dessa rede. Afirma com todas as letras que partidos importantes no país, em Portugal e na América Latina, inclusive no Brasil, são financiados com recursos do tráfico de drogas. Em troca, dão proteção às atividades ilegais. Se Pollo for extraditado e contar o que sabe às autoridades norte-americanas, muitos políticos próximos ao chavismo — inclusive no Brasil — terão suas reputações manchadas.
TROCO DE PADARIA — Quem acompanha esses movimentos com atenção sabe que as conexões entre as atividades criminosas e a política são reais e poderosas. Não se trata, aqui, de “fulanizar” o debate nem de apontar o dedo na direção desse partido de esquerda ou daquele político de direita. O problema é muito mais profundo. Quem estuda essa questão já detectou conexões entre o Estado Islâmico — o grupo terrorista com base no Iraque e na Síria — e as máfias europeias. Também já foi identificada uma ligação estratégica entre o grupo Hezbollah e a facção criminosa brasileira PCC. Também já foram identificados alguns bancos conhecidos e empresas de fachada, utilizadas para a lavagem do dinheiro sujo e que também estão envolvidas na operação.
O problema está justamente aí: enquanto as pessoas comuns se dividem e trocam insultos em função de suas preferências políticas, os criminosos se articulam, lucram bilhões e ampliam seu poder, independentemente de quem esteja no governo. De acordo com o Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crimes, o narcotráfico movimenta cerca de US$ 500 bilhões por ano. No Brasil, esse valor é superior a US$ 17 bilhões. Os serviços de inteligência acham que o valor real ultrapassa, e muito, as estimativas oficiais.
Seja como for, convertido na moeda brasileira pelo câmbio atual, esses US$ 17 bilhões alcançam a soma de quase R$ 100 bilhões. Isso mesmo. Se apenas 10% dessa dinheirama toda for destinada ao financiamento das conexões políticas das organizações criminosas no Brasil, o valor já será cerca de cinco vezes superior a todo o valor destinado ao Fundo Eleitoral. Ou seja, perto do que os criminosos têm para gastar, os R$ 2,1 bilhões que o Estado brasileiro reservou para bancar campanhas e financiar partidos parecem troco de padaria.
Contas simples como essa ajudam a dar a dimensão do poder desses grupos e tornam ainda mais preocupante essa discussão. Na opinião de Cristina Segui, as conexões que transformaram o comércio ilegal de drogas em fonte de financiamento de partidos e políticos pelo mundo, é, por si só, uma ameaça à democracia. Ela está certa! A ideia de saber que há dinheiro sujo sendo usado para consolidar a presença de algum grupo no poder — e não importa se esse grupo seja de direita ou de esquerda —, por si só, já nos obriga a refletir sobre o risco que isso representa.
DADOS SOBRE O TABULEIRO — A utilização de dinheiro ilegal para o financiamento de campanhas eleitorais é um fenômeno conhecido. Em troca da ajuda que recebem, os políticos beneficiados usam seu poder para proteger e defender os interesses dos criminosos que os financiaram. Isso é tão antigo quanto as próprias eleições. Não existe entre os países que elegem seus governantes pelo voto direto nenhum que possa se gabar de jamais ter levado a cargos importantes políticos eleitos com recursos ilegais.
Os exemplos são inúmeros. Ernesto Samper, que presidiu a Colômbia entre 1994 e 1998, jamais conseguiu se livrar da suspeita de ter tido a campanha financiada pelo Cartel de Cali. Depois da morte do traficante Pablo Escobar (outro que mantinha políticos em sua folha de pagamentos e até tentou se aventurar no Senado colombiano), essa organização assumiu o controle e dominou por muito tempo o comércio de cocaína no mundo.
Há outros casos. Não é segredo para ninguém a ligação umbilical que existe entre o Talibã, que voltou ao poder no Afeganistão, e os produtores e traficantes de ópio. Nos Estados Unidos, são famosas as histórias da ligação de políticos influentes com a Máfia e outras organizações criminosas. Mesmo com todos esses casos, o que está sendo discutido aqui é algo diferente: a utilização das ferramentas e das instituições da democracia para proteger as atividades criminosas.
Não se trata apenas de apoiar ditaduras nem financiar campanhas políticas em troca da garantia de que, mais tarde, as autoridades protegerão os bandidos ou fecharão os olhos para seus crimes. O que está sendo denunciado por alguns serviços de inteligência no mundo é a consolidação de uma estrutura em que os narcotraficantes e alguns governantes se misturam de tal forma que uns acabam se confundindo com os outros.
E o Brasil, como fica nessa história? Os serviços de inteligência mais ativos do mundo já detectaram atividades do grupo terrorista Hamas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Também registram que essas atividades têm conexões com o Comando Vermelho e com o PCC. Essas conexões, sem dúvida, também se confundem com as milícias que dominam áreas importantes, sobretudo, no Rio. Todos esses grupos são faces diferentes de um dado que, atirado sobre um tabuleiro, dá a vitória aos bandidos independentemente do lado que fique para cima. É preciso ter cuidado.