O texto desta coluna no último dia 8 de agosto desagradou ao Tribunal de Contas Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ). O artigo, para quem não se recorda, tratava da Estação Gávea da Linha 4 do Metrô e discutia os motivos pelos quais uma obra tão importante está parada há cinco anos — sem justificar um centavo do dinheiro público gasto para construí-la nem trazer qualquer benefício para a população.

A causa primária da paralisação, é bom recordar, foi mudança de traçado feita ainda na época da extensão dos trilhos, que deveriam chegar à Barra da Tijuca a tempo dos Jogos Olímpicos de 2016. Depois, faltou dinheiro para que o trabalho prosseguisse. Além disso — e esse é o ponto que interessa —, investigações conduzidas pelo TCE-RJ apontaram irregularidades que praticamente transformaram em assunto proibido qualquer menção à simples ideia de se voltar a destinar recursos públicos para o Metrô.

As investigações do TCE-RJ duraram seis meses e foram concluídas ainda em dezembro de 2015. Os dados levantados foram analisados durante sete meses e serviram de base para um relatório que aponta superfaturamento no valor 1,014 UFIR-RJ, que, pela cotação de 2021 equivale a mais ou menos R$ 3,76 bilhões. Trata-se de um valor expressivo demais para não despertar, no mínimo, a curiosidade de quem toma conhecimento dele.

REALIDADE DA OBRA — Ao mencioná-lo, a coluna ressaltou a importância da investigação — sobretudo num ambiente e num momento em que suspeitas de corrupção pairavam sobre toda e qualquer obra pública realizada no Rio. Depois de mencionar os laudos encomendados pela empresa responsável pela obra, o texto fez uma afirmação que desagradou ao TCE-RJ. O órgão teria, conforme afirmamos na ocasião, utilizado em seu relatórios “dados que não refletem a realidade da obra”.

Em nota encaminhada à coluna, o órgão “refuta veementemente” que isso tenha acontecido. A nota também nega que os peritos contratados pelo Consórcio Rio-Barra, responsável pela construção da obra, não tenham conseguido expor seu ponto de vista ao TCE-RJ. Em relação ao professor Aldo Dórea Mattos, um dos principais especialistas em custos de engenharia do mundo e responsável por um dos laudos encomendados pelo Consórcio, a nota do TCE-RJ afirma que “o perito contratado pela concessionária teve oportunidade de realizar defesa oral diante do pleno do TCE-RJ, em 24/06/2020, ocasião na qual os pontos de discordância foram objeto de contraditório, tendo sido rejeitadas as razões de defesa apresentadas pelo perito”.

A coluna quis ouvir e se aprofundar nos argumentos do TCE-RJ, mas o órgão entendeu que a nota era suficiente para deixar claro seu ponto de vista. Alguns pontos, no entanto, merecem uma discussão mais detalhada. O primeiro deles é o de que, pela complexidade das questões abordadas, o relatório de Dórea Mattos deveria ter merecido uma análise técnica mais profunda do que a possibilitada pela exposição oral feita em plenário.

A nota também diz que o texto foi “enviado ao Tribunal com atraso considerável (quase um ano após o prazo recursal haver expirado), assim como ocorreu com outros documentos remetidos pelo Consórcio”. Essa informação leva a concluir que os trabalhos estão finalizados e não há mais nada a ser acrescentado à investigação.

Mais adiante, no entanto, a mesma nota aponta a realização de outras auditorias, responsáveis pela identificação de “irregularidades adicionais, ainda em análise pelo Tribunal”. Ou seja: se pra um dos lados os trabalhos estão encerrados, para o outro eles continuam abertos sem que se aponte o motivo.

EFEITO DA DECISÃO — Não é papel desta coluna discutir quem tem a razão nessa divergência. Ao questionar os dados da obra, o TCE-RJ está cumprindo seu papel e, com toda sinceridade, chega a ser alentador para o cidadão fluminense ver o órgão responsável pela fiscalização das contas públicas estaduais ocupar o noticiário por realizar o trabalho para o qual foi criado. E por defender veementemente seu ponto de vista em relação a suas conclusões.

Isso é muito melhor, por exemplo, do que ver o nome do órgão envolvido em acusações de corrupção como as que levaram, por exemplo, à condenação por corrupção do ex-presidente Jonas Lopes de Carvalho Júnior por envolvimento com a chamada Máfia dos Transportes. O que interessa à coluna, mais do que saber quem tem razão, é o efeito de uma decisão que mantém parada por tanto tempo uma obra que já consumiu milhões e milhões de reais em dinheiro público sem gerar um único benefício para a população.

O povo do Rio ganharia muito mais se, por exemplo, um órgão que ainda não tenha se debruçado sobre o tema fosse chamado para arbitrar a questão e, com base na análise cuidadosa dos dados levantados pelo Tribunal e pelo Consórcio Rio Barra, encontrasse uma maneira de por a obra para andar. Isso seria perfeitamente legal, visto que TCE fluminense, assim como todos os demais órgãos do gênero existentes no país, a despeito do nome que carregam, não é um Tribunal com poder de emitir sentenças. É, sim, um conselho de fiscalização com plena autoridade para investigar, mas que precisa ter suas decisões submetidas ao contraditório peja Justiça, na forma da lei.

O mais importante, nessa história, não é saber quem tem razão. É encontrar um meio de se fazer os ajustes necessários para que a obra volte a andar e o dinheiro gasto na Estação Gávea passe a gerar benefícios para seu legítimo dono: o povo fluminense. Por que não se fazer, por exemplo, um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) patrocinado pelo Ministério Público?

Desentravar a obra é o que mais interessa. Isso, além de gerar na fase da construção uma quantidade de empregos que cairia como maná no deserto sobre o povo do Rio, geraria benefícios para a mobilidade urbana, para a qualidade do ar e para a paisagem do Rio. Mais do que isso: seria uma ótima oportunidade de mostrar ao povo um pouco mais de zelo pelo recurso público.

A paralisação das obras do metrô não é um caso único e princípio adotado em relação à Estação Gávea poderia ser estendido, também, a outras obras interrompidas depois de terem sorvido bilhões em recursos públicos. Iniciadas em 2014, as obras do BRT da Avenida Brasil, por exemplo, deveriam ter sido concluídas antes dos Jogos Olímpicos de 2016. E o que era para ser um corredor expresso, acabou se convertendo num obstáculo que prejudica a mobilidade e não tem previsão para ser removido.

Há outros casos, como o do Parque Olímpico que se deteriora na Barra da Tijuca sem gerar os benefícios prometidos para a população. Não se trata de um problema apenas estadual. No litoral Sul Fluminense, a Usina Nuclear de Angra 3, de responsabilidade federal, se arrasta desde 1981. Paralisada em 1986 foi retomada em 2010 — mas teve a construção novamente interrompida em 2015 em consequência de investigações da Lava-Jato, depois de consumir mais de R$ 10 bilhões. Ninguém sabe dizer quando voltará a andar.

Passou da hora de deixarmos de considerar normal esse tipo de situação. É preciso ter foco e criar mecanismos para agilizar as obras sem que isso ponha em risco o controle sobre os gastos públicos. É preciso criar mecanismos de transparência que permitam ao cidadão acompanhar em tempo real não só o andamento, mas também a execução orçamentária da obra. O mundo evoluiu e a tecnologia hoje oferece mecanismos de controle muito mais eficazes do que oferecia em 2015. Por que não adotá-los?

(Siga os comentários de Nuno Vasconcellos no twitter e no instagram: @nuno_vccls)

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