Esta coluna registrou, na semana passada, o esforço que vem sendo feito pela Assembleia Legislativa do Rio para recuperar os R$ 10,4 bilhões que deixaram de entrar nos cofres estaduais nos últimos dez anos por culpa dos erros nos cálculos dos royalties e das participações especiais sobre o petróleo extraído dos poços fluminenses. Se o esforço for bem sucedido, como tudo indica que será, o orçamento estadual será abastecido com dinheiro que não estava previsto e que, por isso mesmo, poderá injetar ânimo na economia do estado e da cidade.
Será preciso, porém, escolher com critério onde e como gastar os recursos que, com certeza, virão. Tudo o que não pode ser feito é ver o dinheiro desaparecer sem deixar para a população fluminense benefícios que justifiquem o esforço que está sendo feito para recuperá-lo. A pior escolha a ser feita nessa hora seria a de encontrar um jeitinho para destinar essa dinheirama para cobrir a folha salarial do funcionalismo ou bancar o custeio da onerosa máquina pública estadual.
Esse é um ponto importante. Da mesma forma que esses R$ 10,4 bilhões, empregados no lugar certo, podem fazer a diferença e causar um impacto enorme na vida da população, é preciso evitar que eles sumam sem deixar rastros. O mesmo vale para os R$ 14,5 bilhões que entrarão nos cofres estaduais com a concessão da Cedae. Ou para qualquer outro recurso extraordinário que chegue ao erário neste momento.
Todo cuidado é pouco. O melhor a fazer neste momento seria destinar esse dinheiro a finalidades que, além de produzir efeitos positivos imediatos com a geração dos empregos de que a população tanto necessita, ainda injetaria o ânimo na população ao mostrar de forma clara que a economia voltou a se mover. Uma boa forma de se usar esse dinheiro — ou pelo menos de uma parte dele — seria a conclusão da estação Gávea e a construção do 1,5 quilômetro de túneis necessários para ligá-la à estação Antero de Quental, no Leblon, e torná-la operacional.
TÚNEIS INUNDADOS
A construção já estava adiantada, com 43% das obras concluídas, quando o governo estadual, por falta de recursos no orçamento, interrompeu o repasse dos recursos, o que forçou a interrupção das obras. Isso aconteceu em 2015. Diante da paralisia e sem previsão para a retomada, a empresa responsável pela construção mandou inundar os túneis que já estavam prontos. A decisão foi tomada não para danificar, mais para proteger o que estava pronto: a pressão da água é a melhor maneira de impedir a movimentação do solo e de evitar desmoronamentos.
Além disso, um ruído adicional, que fez nascer a suspeita de que o dinheiro destinado à construção da obra havia ajudado a alimentar o propinoduto que, em administrações passadas, encheu o bolso de políticos com recursos que deveriam beneficiar a população. Um relatório do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) apontou uma irregularidade monstruosa na obra. Conforme o TCE-RJ, dos R$ 8,4 bilhões já destinados para as obras da Linha 4 (que abrangem a estação Gávea), pouco mais de R$ 3,7 bilhões — ou seja, quase 45% do total — teriam sido superfaturados.
Todo cuidado com o uso do dinheiro público, ainda mais num ambiente contaminado pela corrupção como foi o Rio na época da fartura, é pouco. Mas há denúncias que precisam ser vistas com cuidado. Existem uma série de parâmetros que balizam os custos internacionais e que dão uma boa noção do valor de uma obra como essa. O problema é que alguns detalhes não podem ser ignorados numa denúncia grave como essa.
REALIDADE DA OBRA
Nenhuma obra brasileira resiste a uma comparação com o custo médio internacional da mão de obra. Os encargos sociais e as despesas com horas extras e adicionais pelo trabalho noturno e outros custos trabalhistas que não vão necessariamente para o bolso do trabalhados são muito maiores no Brasil do que em qualquer outro país. Tudo isso pesa e precisaria ser levado em conta no cálculo do custo total, mas foi ignorado pelo TCE-RJ. O tribunal, além disso, utilizou em seus relatórios o custo do concreto produzido por betoneiras comuns — enquanto as obras da Linha 4 foram alimentadas por duas centrais com alta capacidade de produção.
Esses e dezenas de outros pontos foram observados por dois laudos encaminhados ao TCE-RJ pelo Consórcio Rio-Barra, responsável pela obra e pela exploração da Linha 4. O primeiro foi elaborado pelo professor Aldo Dórea Mattos, um brasileiro que é considerado um dos maiores especialistas em custos de engenharia do mundo. Além dele, a Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FTDE) ligada à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo se pronunciou a respeito.
Os dois laudos concluíram que o TCE-RJ utilizou em seu relatório dados que não refletem a realidade da obra. E que, mesmo sendo construídos sob regiões densamente povoadas e com condições de geologia variadas, os custos se mantiveram dentro dos parâmetros corretos. Os laudos foram encaminhados ao tribunal que, no entanto, se recusou a analisá-los. Num voto proferido no último dia 24 de junho, o relator da matéria argumenta que os laudos que contestam os dados do TCE-RJ não cumpriu os prazos previstos.
A rigor, a relatório do TCE-RJ não impede a retomada da obra nem proíbe que o estado destine os cerca de R$ 2 bilhões que ainda faltam para a conclusão das obras que permitiriam o funcionamento da Estação Gávea. O ideal, porém, seria a abertura de uma discussão pública, amparada por parâmetros técnicos e por opiniões isentas, que colocasse de uma vez por todas um fim às dúvidas e encerrasse a discussão. Esse seria o melhor cenário.
A conclusão das obras deverá gerar cerca de dois mil empregos diretos num momento em que qualquer posto de trabalho gerado pode fazer a diferença para vida de uma família inteira. Além disso, beneficiará cerca de 22 mil usuários diretos que poderão se locomover pela cidade sem a necessidade de recorrer a carros ou ao deficiente serviço de ônibus do município. O plano do metrô prevê que, no futuro, uma nova linha faça a interligação da Gávea com a estação Carioca e crie um contorno subterrâneo que facilitará a vida de milhões de passageiros por mês. É para isso que deve serve o dinheiro público: para gerar benefícios à toda sociedade.