Nuno Vasconcellos

Nuno Vasconcellos
Daniel Castro Branco/Agência O Dia
Nuno Vasconcellos

Uma das poucas vantagens proporcionadas pela penúria na qual o estado e o município do Rio de Janeiro mergulhou nos últimos anos tem sido o aumento da atenção em torno do uso do dinheiro público. Cifras que pareciam não fazer diferença no tempo em que os políticos agiam como se houvesse recursos escorrendo pelo ladrão, hoje atraem atenção e geram debates. Afinal, em casa onde falta pão, como diz o ditado, todo mundo briga. A questão é descobrir se, nesse caso, alguém tem a razão.

Um exemplo disso são as reações em torno da proposta da prefeitura, que planeja vender imóveis que pertencem ao município e que, atualmente, geram mais despesas do que benefícios para a população. Se for levada adiante, a ideia pode injetar nos cofres da prefeitura um dinheiro que não estava previsto no orçamento e que pode fazer uma diferença enorme nesta hora em que, ao contrário do que acontecia no passado recente, parece faltar dinheiro para tudo.

A ideia da prefeitura, em si, é boa. O projeto prevê a venda de 45 imóveis — localizados na Barra, no Recreio, na Cidade Nova, em Del Castilho, em Botafogo e na Gávea. Para 28 deles, já existe autorização legislativa e avaliação feita por peritos — faltando definir, apenas, o modelo pelo qual será feita a oferta pública. Os outros 17 ainda precisam cumprir os trâmites legais para serem oferecidos o mercado. A intenção da prefeitura é obter com todos eles R$ 440 milhões de reais.

Por mais elevado que seja o valor e por mais benefícios que seu uso possa trazer para a população, essa quantia pode ser considerada irrisória a ponto de nem ser notada em meio ao oceano de R$ 31,2 bilhões do orçamento do município. Ainda assim, trata-se de um valor que, se entrar no caixa municipal, será resultado da venda de patrimônio público e, por causa disso, deve ser rastreado até encontrar o seu destino. Cada centavo obtido com a venda desses imóveis deve ser utilizado para gerar benefícios à população.

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ANÁLISE ACURADA 

De uma forma geral, os imóveis que constam da lista da prefeitura, hoje em dia, trazem mais ônus do que benefícios para a população do Rio. Na maioria dos casos, estão sem uso e geram despesas com sua conservação e proteção. Em outros, abrigam serviços que podem muito bem ser transferidos para outros endereços — como são os casos da Biblioteca Escolar Vinícius de Moraes, na Gávea, e da sede da Guarda Municipal, em Botafogo. Alguns têm valor histórico, como a Casa Affonso Arinos, também em Botafogo, outros são terrenos vazios espalhados pela cidade. Alguns passaram a pertencer ao município por doação enquanto outros foram incorporados ao patrimônio público em pagamento de dívidas fiscais dos antigos proprietários.
Isso é o que menos importa. Tudo o que não se deve fazer com o dinheiro é incorporá-lo ao caixa municipal e deixá-lo desaparecer sem deixar rastros. Ele precisa ser investido em algo tão sólido e visível quanto o patrimônio que o gerou. Mas onde?

Esse é o ponto que interessa. A lista de necessidades do município é tão extensa que fica difícil sugerir, sem uma análise acurada, o melhor uso para os recursos. O pior destino, no entanto, é fácil de ser apontado: nada é menos indicado para se fazer com esse dinheiro do que destiná-lo, por exemplo, para o pagamento do 13º salário dos servidores ou para qualquer outra despesa de custeio.

RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS 

Calma! Ninguém está dizendo que manter em dia o salário dos servidores não é importante. Pelo contrário: é fundamental! O dinheiro para essa finalidade, no entanto, precisa estar previsto no orçamento e deve ser tirado da arrecadação e dos repasses que abastecem regularmente os cofres municipais. Recursos extraordinários, como é o caso dos que serão obtidos com a venda dos imóveis, devem ser gastos ainda com mais transparência do que as despesas correntes. Por quê? Justamente porque são extraordinários.

Uma boa forma de tratar os recursos que entram nos cofres públicos sem estarem previstos no orçamento está sendo encontrada, neste momento, pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Proposto pelo presidente da casa, deputado André Ceciliano, o Fundo Soberano foi aprovado pelo plenário em junho passado e passa, agora, pela fase de debates necessária para sua regulamentação.

Esse Fundo será destinado a garantir a disponibilidade de recursos para se investir em saúde, educação, segurança, meio ambiente e outras áreas estratégicas. Ele será abastecido com 30% do dinheiro que exceder a arrecadação prevista com os royalties e com as participações especiais sobre a exploração do petróleo. A vantagem dessa modalidade é que, por se tratar de um fundo, o uso do dinheiro é acompanhado não só pelos órgãos estaduais de fiscalização como, também, por órgãos importantes na esfera federal.
Fundos de investimento, por definição, precisam se submeter às normas da Comissão de Valores Mobiliários e, apenas isso, já aumenta a tranquilidade do cidadão sobre o uso do dinheiro. Outra vantagem para o contribuinte é que é que, ao contrário do orçamento público, o dinheiro que sai pode voltar para o fundo em algum momento e gerar novos benefícios para a população.

O projeto é bom e deve ser aplaudido. Mas poderia ser melhor. Do jeito que está, ele prevê, por exemplo, a transferência de até 20% de seu patrimônio para despesas de custeio, caso a situação financeira do estado imponha essa necessidade. É um risco: num estado que vive a situação do Rio, isso seria o mesmo que abrir mão de parte de um dinheiro que, em sua totalidade, deveria ser usado em investimentos. O ideal, ao invés de criar uma torneira por onde os recursos possam escoar, seria encontrar uma maneira de mostrar que o dinheiro do povo está sendo usado em benefício do povo.

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