Em junho deste ano tive a honra de ser eleita para integrar o Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU. Uma felicidade tão grande quanto a responsabilidade de representar o Brasil, carregando comigo uma somatória de exclusões (mulher e tetraplégica).
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Toda minha essa minha experiência lá me fez perceber a cada missão o quanto os direitos humanos ainda são desrespeitados no mundo, principalmente entre a população feminina. Um exemplo é o acesso à água e ao saneamento básico.
Para vocês terem ideia, mais de 2 bilhões de pessoas no planeta não têm acesso à água potável e mais de 4,5 bilhões não têm serviços de saneamento adequados. A precariedade dessa política pública é inclusive um dos maiores causadores de deficiência em alguns países em desenvolvimento como o Brasil. Dez anos após a Lei do Saneamento Básico entrar em vigor aqui, metade da população do país continua sem acesso a coleta de esgoto . Isso significa que mais de 100 milhões de pessoas jogam seus dejetos em rios ou usam fossas, que podem contaminar o solo.
E na ONU me deparei que é a mulher, sobretudo a mais pobre, quem carrega a água do mundo na cabeça. Ficam o dia inteiro levando água de lá para cá, desde meninas, e por isso não tem tempo para poderem estudar. Vira um ciclo que perpetua a exclusão e a dependência econômica. E muitas não conseguem fugir da violência doméstica por conta dessa dependência.
Juntas, mulheres e meninas em países de baixa renda gastam cerca de 40 bilhões de horas por ano coletando água — uma soma feita pela Unicef. E antes da disputa pela água, há ainda a luta pela igualdade de gêneros.
Essa realidade me causa a sensação de fazer parte de um contingente gigantesco, mas ainda muito subrepresentado. Quem do Poder Público olha realmente para essas mulheres e meninas? Afinal, a mulher ainda é minoria na política, onde ocorrem as maiores relações de poder no mundo. Eu sou um exemplo disso. Faço parte dos tímidos 11% de mulheres no Congresso.
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No Brasil, por exemplo, apesar de as mulheres terem progredido no acesso à educação e à saúde , a baixa representação na política foi o principal responsável pelo desempenho no relatório do Fórum Econômico Mundial, que mede igualdade entre homens e mulheres. Em 2017, o Brasil perdeu 11 posições e caiu para a 90º lugar entre 144 países.
Apesar de termos uma cota para mulheres nas eleições, o Brasil está muito atrás de Nações onde o papel político feminino é bem reduzido, como o Afeganistão, que tem 28% de mulheres no Parlamento. Quase três vezes mais do que temos.
E não achem que é porque o Brasil é um país em desenvolvimento e isso se deve à pobreza e baixa qualidade da educação, porque entre 10 países líderes de representatividade feminina estão Ruanda, Bolívia, Cuba, Senegal, México, África do Sul e Equador, que têm realidades econômicas semelhantes às nossas. Esses países elegeram mais de 40% de mulheres no legislativo, e se destacam junto com países onde os direitos das mulheres têm maior força como Islândia, Suécia e Finlândia. Já temos mais de 40% dos lares brasileiros chefiados por mulheres. Isso não significa que são mulheres sozinhas, muitas são sim, mas isso significa que a renda do trabalho das mulheres se tornou a mais confiável daquela família.
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Percebo mais que nunca o quanto perdemos quando não temos mais mulheres no poder para balancear e democratizar acessos a políticas públicas tão básicas quanto fundamentais.
Antes de chegar à água , ao saneamento, à promoção das políticas voltadas a primeira infância, às políticas de cuidado, temos outro desafio a vencer: reduzir a desigualdade de gênero e também a de oportunidades, ainda tão latentes em nosso país e em outros cantos do mundo.