Desmatamento da floresta amazônica traz consequências drásticas para a saúde pública
Agência Brasil
Desmatamento da floresta amazônica traz consequências drásticas para a saúde pública


Muita gente pode ter sido pega de surpresa pela pandemia de Covid-19 , doença causada pelo novo coronavírus, inclusive governantes e líderes internacionais, mas pesquisas desenvolvidas por cientistas de diferentes partes do mundo já indicavam que o surgimento de uma nova doença infecciosa estava próximo.

A suspeita se sustentava diante da negligência adotada por determinados países frente às questões ambientais , e é por isso que alguns estudos apontavam o Brasil , onde o desmatamento cresce a cada dia, como possível local de origem da próxima pandemia

É impossível fazer uma previsão exata, mas é certo que o território brasileiro tem potencial para o desenvolvimento de uma nova doença infecciosa. Os problemas ambientais somados à alta densidade populacional do país geram um cenário de muita preocupação, conforme explica Joel Henrique Ellwanger , doutor em Genética e Biologia Molecular e pesquisador no Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) .

“Esses eventos envolvem fatores humanos, animais, ambientais e dos patógenos e, portanto, é muito difícil prever onde ou quando uma nova epidemia vai surgir.  O que se sabe é que o Brasil possui condições apropriadas para o surgimento de novas epidemias, como a redução da biodiversidade, elevadas taxas de desmatamento, crescente interação dos humanos com espécies selvagens e alta densidade populacional. Ou seja, não é possível prever se o Brasil vai ou não ser o cenário de nascimento da próxima pandemia. Porém, as condições para isso acontecer existem”, afirmou Ellwanger em entrevista ao Portal iG .

Depois das queimadas devastadoras que atingiram a Amazônia no ano passado, o desmatamento continua intenso no Brasil. O número de alertas de desmatamento na floresta amazônica teve um aumento de 51,45% durante o primeiro trimestre de 2020, em comparação à análise do mesmo período em 2019, de acordo com o Deter-B, sistema desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) .

Leia também: Inpe: Alertas de desmatamento têm aumento de 51,45% durante primeiro trimestre

Além disso, alguns setores têm se mobilizado para enfraquecer as leis ambientais. Em fevereiro, por exemplo, o presidente Jair Bolsonaro assinou um projeto que regulamenta o garimpo e outras atividades comerciais em terras indígenas. No início de abril, o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, determinou, por meio do novo Código Florestal, que desmatamentos irregulares feitos na Mata Atlântica até 2008 fossem anistiados.

Brasil está em risco faz tempo

A China pode ter passado na frente com a Covid-19 , mas o território brasileiro, principalmente a região amazônica, continua reunindo condições ideais para o desenvolvimento de vírus perigosos .

Ainda não se tem uma conclusão sobre o surgimento do novo coronavírus, mas a principal hipótese é de que ele tenha sido transmitido ao humano pelo contato com alguma espécie de animal, provavelmente os morcegos .

É possível ainda que outros animais, como os pangolins , tenham participado da transmissão do vírus dos morcegos para os humanos, no papel de hospedeiros intermediários. Essas possibilidades continuam a ser investigadas.

Um estudo de 2017, liderado pelo pesquisador Kevil Olival , da EcoHealth Alliance , já abordava a possibilidade de que o vírus causador de uma nova pandemia tivesse os morcegos como hospedeiros, e as espécies favoritas eram aquelas que habitavam a Amazônia .

No ano seguinte, um  artigo publicado na revista científica Brazilian Journal of Infectious Diseases classificou o morcego como um dos principais reservatórios de novos vírus no Brasil, com base em dados levantados por Olival e outros cientistas.

Um dos autores desse artigo foi Joel Henrique Ellwanger. No último dia 17, o doutor e pesquisador da UFRGS publicou um novo estudo sobre os impactos do desmatamento da Amazônia em doenças infecciosas e na saúde pública . O artigo contou com a colaboração de pesquisadores de diferentes áreas, como biologia, medicina, entomologia, ecologia, veterinária, entre outras.

Cartilha do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) mostra fatores que favorecem o srugimento de doenças zoonóticas
PNUMA/ONU
Cartilha do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) mostra fatores que favorecem o srugimento de doenças zoonóticas


Os morcegos estão nos holofotes, mas não são os grandes “vilões” do surgimento de novas doenças. O estigma da espécie aumenta pelo seu histórico, famosa no Brasil por ser hospedeira do vírus da Raiva, zoonose (doença infecciosa transmitida entre animais e seres humanos) de muita relevância no Brasil.

Com o aumento do desmatamento e a maior proximidade dos humanos com a vida selvagem, a tendência é que outros animais atuem como reservatórios de patógenos envolvidos no surgimento de novas doenças, como são chamados os animais “fontes” de vírus, bactérias e fungos.

“É provável que em breve passemos a conhecer outras espécies animais que hospedam tantos (ou até mais) patógenos que os morcegos. O que vai determinar se esses patógenos oferecem riscos para os humanos é a intensidade da interação dos humanos com esses animais. Atualmente no Brasil a interação dos humanos com espécies selvagens é crescente em razão de fatores como o desmatamento e, por isso, o risco de surgimento de novas doenças infecciosas no território nacional não deveria ser negligenciado”, explica Ellwanger.

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Comércio de animais silvestres

Uma das atividades ligadas ao desmatamento e aos impactos na saúde pública é o tráfico de animais silvestres . De acordo com o Relatório Nacional sobre o Tráfico da Fauna Silvestre, divulgado no ano passado, de cada 100 animais comercializados, em torno de 70 são do Brasil. Esse contato com a vida selvagem é um fator que tem grande potencial para contribuir na transmissão de novas doenças, e não apenas na Amazônia.

Em Mato Grosso , durante 2019, o número de animais silvestres resgatados em áreas urbanas pelo Batalhão Ambiental da Polícia Militar foi de quase mil, um aumento de 40% em comparação a 2018. O risco também está presente em locais que comercializam animais, como o Mercado Central de Belo Horizonte , alvo de protestos intensos no ano passado.

“Locais que concentram e comercializam animais silvestres podem facilitar a transmissão de novos patógenos para os humanos.  Além desses locais facilitarem o contato dos humanos com diferentes espécies silvestres, em muitas situações essas espécies encontram-se ainda vivas, o que aumenta os risco de transmissão de microrganismos. O contato dos humanos com carne e vísceras desses animais cria condições ideais para a transmissão de novos patógenos para a população humana.”, afirma Joel Ellwanger.

Transmissão de animais para humanos

Não são poucos os exemplos de doenças infecciosas ligadas aos animais e impactos ambientais . O surto de ebola na África Ocidental é resultado de perdas florestais que levaram a vida selvagem a se aproximar dos assentamentos humanos; a gripe aviária está relacionada à criação intensiva de aves e o vírus Nipah surgiu devido à intensificação da suinocultura e à produção de frutas na Malásia. Sabe-se também que o HIV é originário de primatas não humanos encontrados no continente Africano.

O processo dessa transmissão de patógenos de animais para humanos é chamado de “spillover”.  Um exemplo desse processo se aplica aos caçadores , que podem se infectar com novos vírus ao entrar em contato com sangue de espécies animais, manipulando ou transportando as carcaças dos animais que foram abatidos.

“Qualquer local onde haja a interação de humanos com espécies silvestres cria condições básicas para os eventos de spillover acontecerem, facilitando o surgimento de novas doenças. Quando populações humanas invadem áreas com alta diversidade de animais, isso se torna especialmente problemático.

Além disso, locais com alta densidade populacional e com condições inadequadas de saneamento ambiental facilitam a disseminação das doenças infecciosas”, pontua o pesquisador da UFRGS.

Animais são principais responsáveis pela transmissão de doenças infecciosas
PNUMA/ONU
Animais são principais responsáveis pela transmissão de doenças infecciosas


Independente da pandemia

O surgimento de uma nova doença, no entanto, não é garantia de uma nova pandemia. Doenças transmitidas por mosquitos , por exemplo, dificilmente ultrapassam o status de epidemia, já que dependem de um vetor e não podem ser transmitidas diretamente de humano para humano.

O status de pandemia ocorre quando um patógeno dissemina-se por diferentes continentes de forma brusca, o que geralmente acontece com doenças que apresentam transmissão sem a necessidade de vetores, como a Covid-19 e a gripe (vírus Influenza).

As doenças transmitidas por vetores até podem se disseminar globalmente, mas isso geralmente ocorre mais lentamente porque depende da disseminação do vetor. Apesar de o risco de doenças transmitidas por vetores tomar proporções mundiais intensas ser reduzido, a preocupação com epidemias dentro do Brasil é grande entre a comunidade científica.

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No caso dos patógenos transmitidos por mosquitos, a principal relação ambiental é com as mudanças climáticas . “A perda da cobertura vegetal contribui para a intensificação das mudanças climáticas e eventos climáticos extremos, como as enchentes, que facilitam a proliferação de vetores de doenças, principalmente os mosquitos”, diz Ellwanger.

Mesmo que o Brasil não seja o local de origem da próxima pandemia , o efeito da degradação do meio ambiente sobre as doenças infecciosas deve ser cada vez mais intenso, o que alerta para a necessidade de uma reação imediata para impedir o surgimento de novas doenças infecciosas humanas e a proliferação massiva de vetores de doenças já conhecidas, como as infecções virais transmitidas por mosquitos.

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