Seis meses depois do início da aparição das manchas de óleo no litoral do Nordeste, registradas pela primeira vez no dia 30 de agosto, na Paraíba, perguntas continuam sem respostas, e prevalece a sensação de que o assunto foi deixado de lado. Apesar disso, a posição oficial das instituições responsáveis pelo monitoramento dos casos é de que a situação está sob controle.
As informações sobre a origem do derramamento são confidenciais. Responsáveis pela investigação, a Marinha e a Polícia Federal continuam adotando uma postura muito cautelosa quanto a isso, portanto a divulgação de atualizações sobre o caso está limitada a dados técnicos coletados em ações, seja da Marinha, do Ibama ou do Inpe, vez ou outra em parceria com Universidades.
A atual avaliação da Marinha é de que “a situação caminha para a normalidade”, tanto que os diversos comitês de crise instalados pelos governos estaduais no Nordeste já foram desmobilizados, assim como a Operação Amazônia Azul , da Marinha, teve a última e terceira fase encerrada no dia 19 de fevereiro. Além disso, a maioria das praias já foi considerada limpa, o que não quer dizer que as manchas não possam voltar a aparecer.
Áreas afetadas
O litoral de Sergipe, por exemplo, chegou a ser dado como livre das manchas de óleo , em anúncio feito pela Frente Unificada no dia 28 de janeiro. Pouco mais de duas semanas depois, no dia 13 de fevereiro, vestígios de petróleo voltaram a aparecer no litoral de Aracaju. A Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema) afirmou, na ocasião, que algumas das substâncias eram restos das primeiras aparições, mas outras eram novas.
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Segundo levantamento do Ibama, atualizado no dia 27 de fevereiro, Sergipe não tem mais manchas, mas ainda restam vestígios em 29 áreas. Já nas áreas afetadas na Paraíba, primeiro Estado onde as manchas foram registradas, os dados do Ibama não apontam sequer vestígios, assim como no Ceará e o no Piauí.
Em todas 1009 áreas atingidas, a informação é de que não há mais manchas , apenas vestígios, classificação utilizada para situações de no máximo 10% de contaminação. Esses vestígios aparecem em 143 áreas, enquanto as outras 866 são consideradas limpas, no momento.
O Estado com mais focos de vestígios é a Bahia, com 55 locais com volume de restos do petróleo, seguido por Sergipe, com 29, e Maranhão, com 23. João Carlos Oliveira da Silva, secretário do Meio Ambiente do Estado da Bahia, acredita que o impacto poderia ser menor se as ações do Governo Federal fossem mais rápidas.
“O que nos deixava angustiados é que ninguém tinha uma informação concreta para nos dizer qual a quantidade de óleo, e o que é pior, como conter esse óleo. O óleo vem a quarenta centímetros, a gente não consegue identificar, não consegue quantificar, e não consegue conter. Olha o desespero, a preocupação daquelas pessoas ligadas ao trabalho com o óleo”, disse o secretário durante a última audiência da CPI do derramamento de óleo, realizada no dia 18 de fevereiro.
Plano de contenção
A CPI, criada no dia 27 de novembro, está sendo utilizada para discutir os mais diversos assuntos relacionados ao desastre ambienta l, e servirá para propor soluções legislativas para evitar novos episódios como esse. A falta de um plano de contingência, citado pelo secretário baiano, é um dos principais pontos debatidos.
“Quais são os planos de contingência para vazamento de petróleo pesado no Brasil? O argumento da Marinha, do Ibama, é que esse petróleo não é contido, porque ele navega submerso, porque ele é um óleo pesado. Eles afirmam que não tem como conter. Se eu não tenho esse plano de contenção como é que eu permito navegar esse tipo de petróleo. Nos interessa saber de onde vem. Se eu transporto petróleo pesado eu preciso ter um plano de contenção”, reforçou, na mesma audiência, José Bernotti Júnior, secretário do Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado de Pernambuco.
De onde veio o óleo?
Mais do que discutir os procedimentos tomados e analisar os dados fornecidos pelas instituições federais, a CPI também aborda a questão da origem do óleo , sem dúvida a grande questão que paira sobre o episódio. O deputado federal João Campos (PSB-PE) , relator da Comissão, recebeu pela primeira vez, durante a semana passada, informações sigilosas sobre o caso.
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O que pode ser dito até o momento, no entanto, não é nada muito além do que já se foi divulgado: a Marinha e a Polícia Federal continuam trabalhando com o cenário no qual o navio grego Bouboulina é o principal suspeito de ser o foco da origem do óleo que chegou às praias brasileiras. O Ibama, por outro lado, já não confia tanto em tal hipótese.
“A gente já tem o conhecimento que a linha da Polícia Federal e a da Marinha é uma linha muito parecida. Hoje o principal suspeito indicado pelas duas instituições é o navio grego Bouboulina. O Ibama tem uma discordância a cerca da qualidade das imagens que deram origem à investigação. Então, o Senima, órgão vinculado ao Ibama que faz o processamento das imagens, ele não atesta com a mesma confiança que a Polícia Federal e a Marinha utilizam as imagens que deram origem à suspeita do Boubuulina. Essa vai ser uma das audiências mais importantes até o momento”, explica o relator.
África está na pauta?
O navio grego passou a cerca de 730 km da costa da Paraíba entre os dias 28 e 29 de julho, dez dias depois de ter se abastecido na Venezuela para continuar viagem até Cingapura, ponto final da viagem. Justamente no dia 29, um satélite capitou uma mancha de óleo no local, e ela não estava lá um dia antes, segundo informações da Polícia Federal.
De qualquer maneira, contradições vieram do próprio núcleo investigativo. O oceanógrafo Ronald Buss de Souza , do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que vem trabalhando em conjunto com a Marinha, deu uma declaração na qual afirmou que se trabalhava também com a possibilidade de o petróleo ter vindo da costa da África. Até por isso, ele estará entre os participantes da próxima audiência da CPI do derramamento, marcada para o dia 3 de março, próxima terça-feira.
“Ele (Ronald Buss de Souza) informou que não podia descartar a possibilidade de a origem do vazamento vir da costa, de uma origem diferente daquelas citadas pela Polícia Federal e Marinha como mais prováveis, que é o navio Bouboulina. Então, ele citou correntes que vinham da África, uma condução que sugeria que essas manchas poderiam ter vindo de uma fonte diferente, originárias nas proximidades África. A gente está chamando ele para fazer a validação do que foi dito”, afirma o deputado João Campos.
Situação dos pescadores
Enquanto CPI do derramamento tenta entender os diferentes aspectos do caso do petróleo no litoral, a Comissão Mista da Medida Provisória n° 908 se debruça sobre as questões dos pescadores afetados pelo desastre. As audiências de ambas as comissões, aliás, estão sendo realizadas nos mesmos dias, em salas e horários diferentes.
A MP 908, de autoria do governo Jair Bolsonaro , instituiu o Auxílio Emergencial Pecuniário para os pescadores afetados pelas manchas de óleo. O que vem gerando discussão é que o pagamento de R$ 1.996,00, em duas parcelas, é previsto apenas para profissionais inscritos e ativos no Registro Geral da Atividade Pesqueira, Domiciliados nos Municípios. O deputado Raimundo Costa (PL-BA), presidente da Comissão, propõe que todos os pescadores possam se inscrever.
“O sistema que cadastra todos os pescadores do Brasil tem uma inconsistência muito grande, tanto é que o governo federal, através da Secretaria de Aquicultura e Pesca, está tentando promover um recadastramento para tentar ajustar um banco de dados que não corresponde à realidade que está no mercado. Muitos desses que não estão no sistema, que são pescadores, a medida provisória não contemplou”, opina o deputado.
Animais atingidos
Além de deixar o mar provisoriamente inapto para pesca, as manchas de óleo causaram prejuízo considerável à vida marinha dos locais atingidos. Segundo o último levantamento divulgado pelo Ibama, no dia 12 de fevereiro, 112 animais morreram de um total de 159 atingidos por óleos, e 105 dessas mortes foram de tartarugas marinhas. Segundo o órgão, no entanto, o último registro de um novo animal oleado foi feito no dia 17 de dezembro.
Próximo passo
A próxima audiência da CPI do derramamento, marcada para o dia 3 de março, é considerada a mais importante até o momento. Além do oceanógrafo Ronald Buss de Souza, do Inpe, ela contará com a presença do coordenador-geral do Centro Nacional de Monitoramento e Informações Ambientais (Cenima) do Ibama, Pedro Alberto Bignelli; do pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ronald Buss de Souza; e do professor de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Marcus Silva.
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A expectativa é que sejam comentadas algumas informações a respeito das investigações sobre a origem do derramamento, além da apresentação de novos resultados. Durante a audiência, serão analisadas imagens de satélite sobre o sobre o desastre ambiental e as conclusões obtidas até agora.
“A gente ainda está trabalhando, e deve continuar pelos próximos dois meses pelo menos, até que todos os especialistas terminem de ser escutados, junto com as autoridades federais, e que a gente possa finalizar as alterações que a gente já começou a desenhar na legislação brasileira. Fora a avaliação dos atos de omissão das autoridades responsáveis”, afirma o relator da CPI, João Campos.
“Talvez o grande desafio seja a própria interlocução constante, como se o Brasil não tivesse pronto para reagir de maneira coordenada e enérgica para um grande desastre. Sempre se conta muito mais com a boa vontade do que com a capacidade institucional operativa”, completa.