No dia em que o secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou que as mudanças climáticas serão uma “tragédia para o mundo”, o governo brasileiro cancelou a edição latino-americana e caribenha da Semana do Clima, que ocorreria entre 19 e 23 de agosto em Salvador.
O encontro, organizado pela Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima (UNFCCC), é um dos eventos preparatórios da Conferência do Clima (COP25), que será realizada em dezembro em Santiago. Inicialmente, o Brasil foi eleitopaís-sede para a convenção, mas no final do ano passado, a pedido do presidente eleito Jair Bolsonaro, o governo federal desistiu de receber a cúpula, alegando que precisaria gastar até R$ 500 milhões em sua realização.
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Enquanto a COP25 destina-se à negociação entre chefes de Estado, a Semana do Clima tem, entre suas funções, o diálogo entre prefeituras e governos estaduais de diversos países. Também é o momento em que empresas negociam tecnologias voltadas à emissão de poluentes, como aparelhos que funcionam com fontes de energia alternativa e recursos para agricultura sustentável. A última edição latino-americana da Semana do Clima, no ano passado, em Montevidéu, reuniu 630 participantes vindos de 67 países.
Segundo a Prefeitura de Salvador, o evento havia sido confirmado no ano passado, ainda no governo Michel Temer. A informação sobre o cancelamento chegou na sexta-feira à noite ao secretário municipal de Sustentabilidade, André Fraga. Ele vinha fazendo a ponte entre o órgão da ONU e o governo federal e, na semana passada, recebeu um telefonema do MMA cancelando um encontro em que discutiriam detalhes da Semana do Clima na Bahia.
"Fui informado de que o ministro Ricardo Salles não estava confortável com a realização do evento no Brasil. Alegou o que todos desse governo alegam: que o evento só serve de plataforma para ONGs, que é inútil e que o foco do MMA é a agenda urbana, que não tem nada a ver com mudanças climáticas", lamenta Fraga.
Ele conta que, na sexta à noite, o ministro das Relações Exteriores (Ernesto Araújo) teria feito contato, a pedido de Salles, com Patricia Espinosa, secretária-geral da UNFCCC. Ela então foi informada de que o Brasil "não estava interessado em receber o evento".
"O cancelamento não foi uma surpresa, mas a confirmação de uma postura desse governo com relação às mudanças climáticas. É importante dizer que a Semana do Clima não custaria nenhum centavo para o governo federal. Todo o custo é bancado pela ONU. A prefeitura de Salvador estava cedendo a sede e trabalhando na organização. Eu vinha fazendo duas reuniões por semana com a equipe de clima da ONU para pensar o evento".
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Em entrevista ao GLOBO, o ministro Ricardo Salles afirmou que o mote do evento não está no escopo da agenda atual da pasta: "Nós não aceitamos receber o evento porque é uma ação na esteira da COP25. Não faz sentido receber um evento da Conferência do Clima, se não vamos fazer a conferência".
"Não tem nada a ver com a participação ou não de ONGs, tem a ver com nossa agenda principal que, como eu já disse, é uma agenda ambiental urbana. Não apoiamos uma reunião organizada antes de nossa gestão, com uma pauta distinta da que estamos preferindo, que é a questão da agenda ambiental urbana, do saneamento básico, dos lixões", apontou o ministro.
Para o secretário-geral do Observatório do Clima, Carlos Rittl, ao cancelar o evento, “o Brasil abre mão de fazer parte de uma agenda global da qual já foi protagonista”.
"É mais uma demonstração constrangedora de que o país não está interessado em se mobilizar sobre o tema. Esta é a agenda mais importante para o desenvolvimento de qualquer ação no século XXI. Basta lembrar que a Semana do Clima é organizada em parceria com o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Então, abrir mão do evento também significa perder oportunidades para o mundo dos negócios, e ainda há o risco de que outras nações não queiram comercializar com a nossa, por não ver aqui um compromisso em preservar o meio ambiente", apontou Rittl.
Para Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), “a Semana do Clima é a chance de mostrarmos para o mundo o que está sendo feito no país”.
"As empresas investem em eficiência energética porque sabem que reduzir as emissões de gases estufa é bom negócio. A iniciativa privada brasileira investiu US$ 85 milhões na redução de poluentes entre 2015 e 2017. Esta deve ser uma agenda de Estado, e não de governo", afirmou Marina.
Ex-coordenador do Fórum Brasileiro de Mudanças Climática, Alfredo Sirkis, diretor do think tank Centro Brasil no Clima, acusa o governo de vincular a tese do aquecimento global ao comunismo: "O núcleo do governo é negacionista climático e acredita que o tema é parte de uma ideologia comunista, e por isso deve-se atrapalhar as discussões".
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"Por causa dessa visão, vivemos uma desmoralização diplomática. Esta reunião receberia diplomatas, que preparariam a Conferência do Clima . E também empresas, falando sobre negócios como biocombustíveis; políticos e entidades ligadas ao meio ambiente de toda a América Latina e Caribe", afirmou o diretor.
Leia a íntegra da nota em que a ONU informa o cancelamento do evento no Brasil:
Prezados,
Viemos informá-los que o Governo Federal do Brasil decidiu cancelar a Semana do Clima em Salvador, Bahia.
O prefeito de Salvador e o governo do estado também foram informados pelo governo federal e estão em discussões nesta semana.
A UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima) lamenta o anúncio do governo brasileiro e está agora buscando ativamente outras opções na região. Esperamos ter notícias a tempo da nossa conferência telefônica desta semana.
A UNFCCC não irá emitir um comunicado oficial até que recebamos uma notificação por escrito tratando do pedido de confirmação de sediar enviado anteriormente.
Até lá, sugerimos que tratem essa informação com a sensibilidade que ela demanda.
Saudações,
Equipe de Suporte da Semana do Clima