No último final de semana, circulavam nas redes sociais diversos vídeos de banhistas que estavam aproveitando as praias do Rio de Janeiro quando foram surpreendidos por uma forte onda que atingiu a orla . A intensidade foi tamanha que chegou ao calçadão, molhando os carros e pedestres que passavam pela rua no momento.
Mas o quê exatamente ocorreu no Rio?
Para entender qual o fenômeno que atingiu a capital fluminense, o Portal iG conversou com o oceanógrafo Dr. José Roberto Bairão Leite e o Dr. César Barbedo Rocha, do grupo de pesquisa no Instituto Oceanográfico da USP.
O avanço dos mares para orla da praia recebe diversos nomes, mas no Brasil é comumente conhecido como “ressaca”. Segundo Leite, a ressaca precisa de alguns elementos para surgir: “São fenômenos que dependem principalmente da combinação de eventos meteorológicos (ventos e centro de pressão) e marés (preamar, sizígia). A morfologia da área também é determinante.”
No caso do último domingo no Rio de Janeiro, a ressaca que atingiu a praia ocorreu em decorrência da formação de um ciclone extratropical, gerando ondas de até 2,5 metros . Dr. Leite explica que a intensidade da ressaca tende a ser maior quando há “a proximidade ou a extensão do evento e seu tempo de atuação, relacionados à evolução dos ciclones em relação a uma região costeira de morfologia favorável”.
Ainda que os principais casos que vemos sejam em praias, essas não são as áreas mais atingidas por ressacas. Regiões estuarinas, ou seja, os pontos de encontro entre os rios e os oceanos, são os principais atingidos, por serem locais onde as condições meteorológicas e morfológicas acabam sendo mais favoráveis para o surgimento das ressacas.
O professor diz que nessas regiões, “o efeito tem um impacto social muito maior”. Segundo ele, por conta do aumento do volume de água em regiões com estuarinas, onde há a presença de moradias e grande biodiversidade, temos a “perda de moradias por comprometimento das estruturas, poluição, erosão, destruição ambiental”.
O aquecimento global e as ressacas marítimas
Ainda que seja um fenômeno natural, ele está intrinsecamente ligado às questões meteorológicas. Com isso, é impossível não citar as consequências do aquecimento global na maior aparição de ressacas pelo mundo.
O Dr. César Barbedo Rocha explica que dois pontos são importantes destacar nesta situação: a maior recorrência de “eventos extremos” e o aumento do nível médio do mar.
Sobre este primeiro tópico, Rocha diz: “a maré alta junto a esses eventos — como o vento muito forte soprando por um período relativamente longo sobre o oceano — pode aumentar a frequência dessas inundações costeiras e dessas grandes ondas chegando à praia”.
Já em relação ao aumento do nível médio do mar, uma pesquisa da NASA mostrou que nos últimos 30 anos, o oceano subiu 9 centímetros. Andrew J. Christensen, visualizador de dados da NASA Scientific Visualization Studio, fez uma animação para demonstrar as mudanças conforme os anos passam.
Rocha explica que as medidas da costa brasileira apresentam um crescimento de 3mm por ano. “Parece pouco, mas é bastante! Esse aumento do nível médio do mar também deixa a Zona Costeira mais propensa a inundações. Isso se dá porque, com o nível mais alto, somado a maré alta e aos eventos [metrológicos de] vento, podem causar mais inundações costeiras”.
Na ponta do lápis, isso seria como se, em um século, os oceanos aumentassem entre 30 e 40 centímetros. “Isso é consequência do aquecimento dos oceanos, em que se tem uma expansão térmica, e do derretimento do gelo-continental, principalmente da Groenlândia.”
Mas o professor diz que não é uma “batalha perdida” contra o aquecimento global. “A terra vai continuar esquentando sem dúvidas! Mas, nós podemos limitar este aquecimento.”
“Se a gente diminuir radicalmente ou parar de queimar combustíveis fósseis — que são a principal fonte de gases do efeito estufa e que estão contribuindo para o aquecimento global. Se a gente fizer isso, podemos conter as consequências desse aquecimento muito acelerado. Evidentemente que a gente já está sentindo as consequências, porque o planeta esquentou e está esquentando. Mas, se conseguirmos barrar e reduzir essa taxa de aquecimento até o final do século, talvez a gente consiga não ter tantos eventos extremos quanto os que podem acontecer se a gente seguir na trajetória atual”, detalha o Dr. César Rocha.
Quando questionado sobre o que podemos esperar caso não consigamos frear o aumento do nível dos oceanos, Rocha é categórico em dizer que teremos “mais inundações”. “Toda a nossa infraestrutura costeira, seja de praia, rodovias, casas de veraneio, pessoas que moram como na orla ou perto da praia, tudo vai estar sujeita a esses eventos. Eles vão continuar cada vez mais afetando essas zonas, que nem estão tão próximas assim do mar”.
A morfologia das praias, que muitas vezes são planas, podem acabar sendo os principais pontos para que essas inundações sejam mais graves. “Se você tiver uma quantidade de nível do mar que seja acima de 30 centímetros, essas inundações, principalmente em regiões que são bem planas, podem se estender bastante adentro do que é a linha de Maré normal”, explica o professor.
Como uma solução mais técnica-científica dada por Rocha para o problema neste momento, seria levar em consideração essas projeções nas novas obras, evitando a construção de residências e rodovias próximas ao mar. Além disso, como já dito, o principal é frear o aquecimento global enquanto há tempo.