
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, determinou que apenas a Procuradoria-Geral da República (PGR) pode propor o impeachment de ministros da Corte. A decisão, que suspende a prerrogativa para qualquer cidadão brasileiro denunciar os ministros, gerou polêmica imediatamente.
Na justificativa de Mendes, o impeachment "abusivo" não pode ser usado para intimidar ou enfraquecer o Poder Judiciário, prejudicando a imparcialidade e a independência dos magistrados.
Leia: Gilmar Mendes determina que só PGR pode pedir impeachment no STF
Este é o mesmo entendimento do professor Fernando Bentes, Doutor em Direito Constitucional e fundador do Instituto Direito Real. Em entrevista ao Portal iG, ele fez uma análise da liminar do ministro decano.
"É verdade que o Supremo Tribunal Federal tem sido criticado sempre que tomou uma decisão, seja contrária à esquerda ou contrária à direita. No momento de polarização política, o Supremo sempre sofre de algum lado por qualquer decisão que toma", afirma Bentes.
E prossegue: "O Supremo está sempre vulnerável ao sabor político que divide a nossa sociedade e divide as instituições também, principalmente, o legislativo".

Fernando Bentes, Doutor em Direito Constitucional e fundador do Instituto Direito Real
Ainda na avaliação do professor em Direito Constitucional, a decisão do ministro Gilmar Mendes visa garantir uma certa estabilidade na função do ministro do Supremo no Tribunal Federal, para que ele julgue, independente se for criticado pela esquerda ou pela direita.
"Garante estabilidade para que os ministros julguem de acordo com o direito, com a Constituição, com os fatos analisados em cada processo, sem serem ameaçado pelas maiorias ocasionais, sejam maiorias de esquerda, sejam maiorias de direita", acrescenta.
Para Fernando Bentes, embora a decisão do ministro Gilmar Mendes seja considerada uma autoproteção da Corte, todo o Direito Constitucional concorda que os julgamentos de impeachment e crime de responsabilidade são políticos.
"Não são julgamentos como outro qualquer, em que você avalia se existe prova do crime, quem foi o autor do crime, etc. Não, esses julgamentos são políticos. E aí, você submeter o ministro do Supremo sem estabilidade decisória, sendo que qualquer pessoa do povo ou qualquer parlamentar pode denunciar o ministro é, no mínimo, temerário para a função do STF", conclui Fernando Bentes.
Reduz barulho politico
Para o presidente da Comissão de Direito Constitucional da Associação Brasileira de Advogados (ABA), Diogo Pereira, a decisão de Gilmar Mendes pode evitar abusos, reduzir barulho político e fortalecer a estabilidade das instituições.
Em entrevista ao Portal iG, Pereira disse que a liminar não altera o funcionamento interno do Poder Judiciário, mas muda o ambiente institucional em que os ministros e juízes atuam.
"Na prática, muda o fluxo do processo de impeachment que agora passa a exigir filtro técnico da PGR, o que qualifica e reduz drasticamente a entrada de denúncias temerárias. E, na verdade, a Constituição nunca disse quem pode apresentar um pedido de impeachment. Ela só diz que o Senado é quem julga", analisou.

Diogo Pereira, presidente da Comissão de Direito Constitucional da Associação Brasileira de Advogados
Ainda segundo ele, a regra que permite a qualquer cidadão pedir impeachment é uma lei antiga, de 1950.
"No modelo antigo, qualquer pessoa podia pedir o impeachment de um ministro, mesmo sem base jurídica. Isso era usado muitas vezes para finalidades políticas ou intimidar o tribunal", destacou.
Conforme o especialista, o STF está aplicando a própria Constituição para proteger a separação entre os Poderes.
"A PGR ainda pode receber denúncias contra Ministros do Supremo e terá a autonomia para verificar se o pedido reúne elementos mínimos para prosseguir", ressalta.
Ainda na avaliação do presidente da Comissão de Direito Constitucional da ABA, existem ainda aspectos delicados que merecerão melhor análise.
"Um deles é a parte em que o Ministro suspende qualquer ato de análise do mérito de uma decisão judicial. Essa é uma questão sensível, pois, quando avaliamos os casos de corrupção no Judiciário, o produto do crime, geralmente, é uma decisão de favorecimento a alguém", finaliza Diogo Pereira.
Caráter liminar
A decisão de Gilmar Mendes tem caráter liminar e será levada ao plenário do STF em sessão virtual agendada para começar no próximo dia 12 e se encerrar no dia 19.
A liminar determina também a alteração do quórum no Senado para a abertura de um processo contra ministros da Corte; de maioria simples (metade mais um) ou seja, 21 senadores, para maioria qualificada: aprovação de dois terços do total de senadores.
Define ainda que o teor das decisões judiciais, ou seja, o entendimento dos ministros sobre algum caso, não pode ser usado como argumento em um processo para apurar eventual crime de responsabilidade.
Além disso, em caso de absolvição em um processo por crime de responsabilidade, não há mais garantia automática de que o ministro retornará às funções e receberá o salário referente ao período em que esteve fora do cargo, algo que estava previsto na lei.
A liminar atendeu parcialmente pedidos de ações do partido Solidariedade e da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), que ingressaram com Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs).
Crise com o Planalto
A decisão de Gilmar Mendes se dá em meio a uma crise entre o Planalto e o Senado, justamente devido à escolha do novo ministro do Supremo.
Na terça-feira (2), o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil) cancelou a sabatina do advogado-Geral da União, Jorge Messias, escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para substituir Luís Roberto Barroso no STF.
A sabatina estava prevista para a próxima quarta-feira (10) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, seguida por votação no plenário.
Porém, Lula não enviou ao Senado, até o momento, a mensagem formalizando a sua indicação, o que inviabiliza a apreciação em tempo hábil pelo presidente da CCJ, Otto Alencar (PSD).
Legislativo X Judiciário
A polêmica ocorre também em meio às críticas de partidos de direita contra o STF.
Aliados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado e preso por tentativa de golpe de Estado, visam aumentar o número de senadores eleitos no próximo ano, o que permitiria apresentar e aprovar pedidos de impeachment contra integrantes do Supremo.
Os partidos já se manifestaram contrários à liminar, dizendo que o ministro decano está tentando reescrever a Constituição.
Para o senador Eduardo Girão (Novo-CE), a decisão significa agir em causa própria.
O parlamentar lembrou que, assim como Alexandre de Moraes, o ministro Gilmar Mendes é campeão de pedidos de afastamento e acrescentou que a medida anula o Senado.
Já o deputado Sanderson (PL), que vai disputar uma vaga pelo Rio Grande do Sul no ano que vem, disse que Gilmar Mendes não está respeitando a Constituição que diz defender. "Nenhuma autoridade pode estar acima da Constituição, afirmou.
Outro aliado do Bolsonaro, o deputado Nikolas Ferreira (PL) protocolou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para reverter a decisão de Mendes.
“Em uma República, nenhum Poder está acima da Constituição, nem mesmo quem deveria guardá-la”, disse.
Usurpar as prerrogativas
As críticas mais contundentes à decisão de Gilmar Mendes, no entanto, vieram do presidente do Senado.
Em pronunciamento em Plenário, Alcolumbre classificou a iniciativa como "uma decisão que tenta usurpar as prerrogativas do poder Legislativo".
Segundo o presidente do Senado, somente o Legislativo pode mudar leis e a legislação determina que qualquer pessoa pode pedir impeachment de ministro do STF.
Alcolumbre disse ainda que a escolha feita pelos legisladores em 1950 deve ser respeitada.
"Eventuais abusos no uso desse direito não podem levar a anulação desse comando legal. Muito menos, repito, muito menos, por meio de uma decisão judicial. Somente uma alteração legislativa seria capaz de rever conceitos puramente legais", afirmou, acrescentando que pode mudar a Constituição para defender as atribuições do Legislativo.
Por fim, o presidente do Congresso ainda pediu respeito ao STF.
"Se é verdade que esta Casa e sua presidência nutrem profundo respeito institucional ao STF, também é que, nesta relação, haja reciprocidade efetiva, e que seja igualmente genuíno, inequívoco e permanente o respeito do Judiciário ao Poder Legislativo, às suas prerrogativas constitucionais e à legitimidade de suas decisões", disse.