Ex-chefe da Polícia Civil do Rio, o delegado Rivaldo Barbosa
Fernando Frazão/Agência Brasil
Ex-chefe da Polícia Civil do Rio, o delegado Rivaldo Barbosa

O relatório da Polícia Federal (PF) sobre as investigações do caso Marielle Franco menciona um documento que acusava o delegado Rivaldo Barbosa, detido no domingo (24) pela  morte da vereadora  e Anderson Gomes, de interferir nos casos envolvendo bicheiros. Segundo as investigações, os pagamentos dos criminosos para obstruir as investigações poderiam chegar a R$ 300 mil.

Esse documento, produzido durante a intervenção na segurança pública no Estado do Rio de Janeiro em 2018, foi encaminhado aos generais Walter Braga Netto, então interventor, e Richard Fernandez Nunes, secretário de Segurança.

A intenção da obstrução desses casos, de acordo com as investigações, era proteger os contraventores e seus crimes. O material está incluído no relatório da Polícia Federal que fundamentou a prisão de Rivaldo e dos irmãos Brazão .

O relatório indica o possível envolvimento de Rivaldo em diversos crimes, como organização criminosa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Destaca-se que ele teria mantido um esquema criminoso enquanto chefiava a Delegacia de Homicídios da Capital (DHC).

Mesada

Em depoimento à PF, o miliciano Orlando Curicica revelou a existência de um sistema de pagamento mensal para evitar investigações sobre assassinatos. O pagamento, descrito como uma mesada, variava de R$ 60 mil a R$ 80 mil, com remessas adicionais nos casos com evidências e rastros.

Curicica citou mortes ligadas à contravenção que não foram investigadas adequadamente, como as de Marcos Falcon, Haylton Carlos Gomes Escafura e Geraldo Antônio Pereira.

Segundo o documento, a DHC teria recebido cerca de R$ 300 mil de uma pessoa ligada ao contraventor Rogério Andrade para não perturbar os possíveis envolvidos na execução de Pereira.

O advogado de Rivaldo Barbosa, Alexandre Dumans, afirmou que seu cliente não obstruiu as investigações sobre as mortes de Marielle e Anderson. "Ao contrário. Foi exatamente durante a administração dele que o Ronnie Lessa foi preso", afirmou.

O relatório destaca que "toda essa dinâmica não seria possível se o principal órgão responsável por reprimir a ação desses grupos não fosse conveniente com o esquema".

Ainda de acordo com o documento, o grupo era responsável por garantir a impunidade.

Existiam "diversas denúncias que dão conta da existência de um acordo entre a Delegacia de Homicídios da Capital a contravenção, para encobrir a verdadeira autoria e motivação dos crimes de homicídios vinculados à contravenção". Ou seja, a "polícia garante a impunidade e a continuidade da dinâmica criminosa".

A filha de Marcos Falcon, Marcelle Guimarães, afirmou em depoimento que, sempre que tentava buscar informações sobre a morte do pai, principalmente com policiais, era desencorajada a procurar a Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), pois acreditavam que a delegacia estivesse "comprada".

Em depoimento ao Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), Brenno Carnevalle, atual secretário de Ordem Pública do Rio, que anteriormente estava na DHC e era responsável pela investigação de homicídios envolvendo agentes de segurança pública, revelou indícios de corrupção na delegacia.

Carnevalle afirmou que, entre agosto de 2016 e março de 2018, nenhum crime envolvendo bicheiros foi esclarecido pela especializada. Ele relatou ao Gaeco situações estranhas, como o sumiço de inquéritos, como o do ex-policial André Luiz Barreto Serralho, em 2016, e materiais apreendidos. Além disso, destacou a burocracia excessiva nas investigações contra contraventores e as frequentes trocas de delegados nas apurações.

Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil, costumava questionar Carnevalle sobre o andamento do caso Falcon, pedindo informações sobre qualquer novidade na investigação.

Haylton Escafura, filho de José Caruzzo Escafura, o Piruinha, era responsável por parte dos negócios da família. Geraldo Antônio Pereira, citado pela CPI das Milícias como integrante de um grupo em Curicica, também teve seu nome mencionado.

O juiz Bruno Rulière, da 1ª Vara Criminal Especializada em Organização Criminosa do Tribunal de Justiça do Rio, criticou a morosidade nas investigações de mortes relacionadas ao jogo do bicho. Na sentença que condenou os irmãos Leonardo e Leandro Gouvêa da Silva a 13 anos e 4 meses de prisão, o magistrado apontou problemas nas investigações de cinco assassinatos, incluindo o de Marcelo Diotti da Matta, morto no mesmo dia que Marielle e Anderson.

"O Escritório do Crime escancara o óbvio: a Contravenção desfila um indisfarçável rastro de sangue, ao som da impunidade, entoada pelas alas da corrupção, do medo e, principalmente, da omissão daqueles que olham o mundo a partir de uma lente de 'camarote', fantasiando que tudo não passa de um inocente jogo proibido", destaca a sentença.

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