Domingos Brazão (à esq.), Rivaldo Barbosa (centro) e Chiquinho Barbora (à dir.) em montagem. Para a PF, os irmãos são os mandates do assassinato de Marielle Franco em 2014
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Domingos Brazão (à esq.), Rivaldo Barbosa (centro) e Chiquinho Barbora (à dir.) em montagem. Para a PF, os irmãos são os mandates do assassinato de Marielle Franco em 2014

Um relatório da Polícia Federal divulgado neste domingo (24) revela como o ex-chefe da Polícia Civil do Rio, Rivaldo Barbosa, suspeito de planejar o crime,  interferiu nas investigações das mortes da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes em 14 de março de 2018.

Um dia após o falecimento de Marielle, Rivaldo nomeia seu sucessor para a Delegacia de Homicídios da Capital. Giniton Lages, descrito como "uma pessoa de sua extrema confiança", é designado para liderar a investigação do crime.

"Com a assunção do cargo por Giniton, se operacionalizou a garantia da impunidade dos autores do delito", diz o relatório da PF sobre o Caso Marielle.

Segundo a PF, desde então, tiveram início as ações para tentar obstruir e atrapalhar as investigações logo nos "meses iniciais de investigação", período no qual o "ambiente probatório se apresentava altamente favorável para a colheita de elementos de convicção".

"A Delegacia de Homicídios se enveredou pela construção de uma linha calcada em premissas absolutamente movediças [...] Moveu todo o aparato estatal para supostamente atribuir falsamente crimes a pessoas que não os cometera, promover o desaparecimento de evidências, negligenciar colheitas de provas objetivas, entre outras impropriedades", diz o relatório.

Documentos da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República (PGR) apontam para a ocultação de provas, tentativas de desviar a atenção para outros suspeitos, deficiências na investigação e uso de testemunhas falsas. A polícia caracteriza essas ações como uma sabotagem ao processo investigativo.

Tentativa de afastar a PF do caso

Houve uma tentativa inicial de afastar os órgãos federais da investigação, visando evitar que o caso fosse transferido da Delegacia de Homicídios para instâncias federais, o que poderia comprometer o controle dos envolvidos.

O relatório destaca que Rivaldo Barbosa "determinou expressamente" que o crime não deveria ser vinculado à Câmara Municipal. Marielle foi assassinada a tiros após sair de um evento na Lapa, região central do Rio.

A PF cita que, na época, foi vazada a informação de que "munições empregadas no delito vinham de lote vendido para a Polícia Federal", como uma forma de afastar a investigação da esfera federal.

Negligência e provas falsas

Houve, ainda, negligência na coleta de imagens durante a investigação. Sob a liderança de Giniton, a polícia afirmou enfrentar dificuldades na obtenção de imagens para reconstruir a rota do veículo, o que seria crucial para seguir o percurso e possivelmente identificar os executores.

O parecer da PGR indica que a polícia inventou uma "desculpa frágil" para não conseguir imagens do Centro de Convenções Sulamérica, localizado na região central do Rio, e de áreas próximas ao Quebra-Mar, na Barra da Tijuca, alegando problemas técnicos de codificador.

Segundo o relatório da PF, um policial foi até o Centro de Convenções Sulamérica sem um pedido formal para obter imagens. Ele tirou algumas fotos e gravou monitores, mas essas evidências nunca foram incluídas no processo. Isso foi crucial para prolongar desnecessariamente a investigação ou até mesmo torná-la inviável.

Além disso, falsas ligações anônimas, atribuindo falsamente a autoria do crime, eram uma prática comum. Informações anônimas por telefone eram recebidas na delegacia para "distrair" as investigações. Surgiram então dois supostos primeiros mandantes do assassinato: o vereador Marcelo Siciliano e o miliciano Orlando Curicica.

"Imputar o delito ao vereador Marcelo Siciliano não só lhes garantiria impunidade, mas também fulminaria politicamente um dos concorrentes eleitorais da família Brazão nos bairros da zona oeste carioca", diz o relatório da PF.

Curicica e o vereador negaram à época e, posteriormente, a PF concluiu que eles não estavam envolvidos no crime.

Desaparecimento de evidências e testemunha falsa

Eduardo Siqueira, conhecido como Dudu do Clone, foi apontado como responsável pela fabricação da placa clonada do veículo Cobalt usado pelos assassinos. O Ministério Público solicitou a perícia de um celular apreendido com ele, porém o aparelho não foi encontrado. Giniton Lages foi a última pessoa que teve contato com o celular. Dudu afirmou em depoimento ter sido "coagido a reconhecer pessoas que ele não conhecia".

Uma repórter do jornal O Globo, Vera Araújo, localizou uma testemunha ocular do crime. Essa testemunha relatou à repórter que, após o crime, policiais militares pediram para que todos se afastassem e não mostraram interesse em procurar testemunhas. O delegado Rivaldo Barbosa telefonou irritado para a repórter, acusando-a de "expor pessoas".

Foi apresentada, ainda, uma testemunha falsa, o policial Rodrigo Jorge Ferreira, conhecido como Ferreirinha, como peça-chave. Ele supostamente teria tido reuniões com Orlando Curicica e ouvido planos de assassinar Marielle, em associação com o vereador Marcelo Siciliano. Segundo a PF, Ferreirinha foi orientado por Marquinhos DH, um confidente de Giniton. Antes dos depoimentos, ele até recebeu treinamento sobre o que deveria dizer. Posteriormente, ele foi acusado pelo Ministério Público do Rio por atrapalhar as investigações.

Mesmo sem resolver o caso, Giniton foi promovido a delegado de primeira classe por Rivaldo. Isso ocorreu "devido à sua atuação no Caso Marielle, mais especificamente, no seu auxílio no redirecionamento das investigações para a dupla Marcelo Siciliano e Orlando Curicica", conforme consta no relatório.

O relatório da Polícia Federal menciona que não há indícios de que Giniton tinha conhecimento de que Rivaldo estava envolvido no planejamento do crime contra Marielle.

Conclusão

Seis anos após o crime, a Polícia Federal identifica Chiquinho Brazão, deputado federal, e Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, como os mandantes do assassinato de Marielle Franco. A PF afirma que o planejamento do crime foi conduzido pelo delegado Rivaldo Barbosa.

Giniton Lages, ex-responsável pelo inquérito policial, declarou ao Fantástico, da TV Globo, que durante sua gestão conduziu uma investigação completa para solucionar o caso. Ele atribui a falta de resolução integral do caso ao fato de ter sido removido da investigação logo após as prisões de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz.

Domingos Brazão nega qualquer envolvimento na morte de Marielle. Seu advogado, Ubiratan Guedes, afirma que ele é inocente e não tinha relação com Marielle. A assessoria de imprensa do conselheiro do TCE-RJ diz que ele sempre se colocou à disposição das autoridades para esclarecimentos. O deputado federal nega qualquer vínculo com o caso e rejeita as alegações.

A defesa de Rivaldo Barbosa diz que ainda não teve acesso aos autos nem à decisão que resultou em sua prisão e que, portanto, não irá se manifestar no momento.

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