Nesta quinta-feira (14), os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) , Alexandre de Moraes e Nunes Marques, protagonizaram uma briga durante o segundo dia de julgamento contra réus por participação nos atos golpistas de 8 de janeiro.
Mendonça votou para condenar o réu por abolição do Estado Democrático de Direito, associação criminosa, dano qualificado, deterioração do patrimônio, mas divergiu de Moraes ao absolver réu Aécio Lúcio Costa Pereira pelo crime de golpe de Estado, afirmando que não cabe ao STF analisar os casos dos atos golpistas, quando foi interrompido por Alexandre.
"Com todo o respeito, Vossa Excelência querer falar que a culpa do 8 de janeiro é do ministro da Justiça… Vossa Excelência vem ao plenário do STF, que foi destruído, para dizer que houve uma conspiração do governo contra o próprio governo? Tenha dó", disse Moraes. Mendonça, então, rebateu Alexandre afirmando não ser “advogado de ninguém” e mandando o colega de STF não colocar palavras em sua boca.
A briga viralizou nas redes sociais, com diversos internautas compartilhando a cena da discussão dos ministros enquanto comentam a postura de cada um deles, como costuma ocorrer sempre que os debates da Suprema Corte ficam acalorados.
Relembre, a seguir, outros momentos em que ministros protagonizaram brigas durante as sessões:
“Mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia”
Um dos embates mais memoráveis no Supremo foi protagonizado pelos ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso em março de 2018. Na ocasião, Gilmar Mendes reclamou da decisão da Primeira Turma que revogou, em 2016, a prisão preventiva de cinco médicos e funcionários de uma clínica de aborto.
“Ah, vou dar uma de esperto e vou conseguir a decisão do aborto. De preferência, na Turma com dois ou três ministros, aí a gente faz um dois a um”, disse Gilmar. A crítica deixou Barroso profundamente irritado, levando-o a rebater o colega xingando-o com uma elegância que transformou as ofensas em meme.
“Me deixa de fora desse seu mau sentimento. Você é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia. Isso não tem nada a ver com o que está sendo julgado!”, disse Barroso.
Ele também disse que Gilmar fazia um “comício cheio de ofensas” e que “não consegue articular um argumento”, só ofende os demais ministros sem apresentar nenhuma proposta. Barroso também chamou Gilmar Mendes de “desonra” e “desmoraliza” o tribunal e tem “outros interesses que não o da Justiça”.
Em seguida, a presidente da Corte, Cármen Lúcia, tentou encerrar a sessão, mas Gilmar Mendes insistiu que estava com a palavra e disse “eu vou recomendar ao ministro Barroso que feche o seu escritório de advocacia”.
“Não somos nem silenciosas, nem silenciadas, nem coitadas”
Os ministros do STF também fazem parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Durante o julgamento de um caso de fraude de cotas eleitorais de gênero no Ceará, em abril deste ano, foi citada uma candidata que recebeu nove votos e relatou ter sido abandonada pelo seu partido no pleito de 2020.
O ministro Kassio Nunes Marques, indicado à Corte por Bolsonaro, afirmou não ver indícios de fraude, mas uma “tentativa republicana” de atender à norma eleitoral. Ele alegou ser preciso “ter empatia com essas mulheres que se candidatam e são abandonadas pelo partido”.
“Nunca participaram de uma campanha. Não sabem como percorrer esse caminho (...) Precisamos ter empatia porque não é fácil para uma mulher do povo, simples, se candidatar e ter nove votos numa cidade dessas”, disse o magistrado.
Em seguida, a ministra Cármen Lúcia pediu a palavra para rebater a afirmação de Nunes Marques, apontando a forma “quase paternal” com que ele fala em empatia, e retrucou dizendo que precisamos, na verdade, de “educação cívica para todos os cidadãos brasileiros igualmente participarem livremente, autonomamente, com galhardia, das campanhas eleitorais, da vida política de um país”.
“Nós, mulheres, sabemos exatamente o que é ser tratada com desvalor. Não é desvalorizando e achando que mulheres são coitadas, que coitadas não somos. Somos pessoas autônomas igualmente (...) A desigualdade, ministro, está nesse tipo de tratamento. Nós não queremos, não somos nem silenciosas, nem silenciadas, nem coitadas”, disse a ministra.
Pena de Daniel Sileira: Alexandre de Moraes vs. André Mendonça
Durante a sessão em que os ministros votaram a derrubada da graça presidencial concedida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro ao ex-deputado Daniel Silveira, André Mendonça - que foi indicado ao STF por Bolsonaro - citou críticas de terceiros à pena que o STF impôs a Silveira, que é bolsonarista.
Moraes interrompeu o colega quatro vezes ao longo de sua fala. Em uma delas, questionou se as críticas em questão teriam partido de juristas, “só para que conste nos anais”.
Mendonça respondeu que não, e explicou tratar-se de um artigo de um jornalista. “Mas ele diz o seguinte, salvo que a gente vá dizer que seja fake news”. Nesse momento, Moraes cortou o colega para dizer - em tom de deboche - que “levando em conta quem está sendo julgado, é possível".
“Somos mesmo um povo com muitas desigualdades”
No ano passado, André Mendonça, o ministro “terrivelmente evangélico” que Bolsonaro prometeu e indicou ao STF, discutiu com a ministra Cármen Lúcia sobre intolerância religiosa após afirmar que “segmentos religiosos também sofrem preconceito, então eu entendo e me solidarizo, sinto a dor dessas atitudes preconceituosas”.
A Corte estava discutindo a competência do município de São Paulo para instituir o Dia da Consciência Negra (20 de novembro) como feriado. Cármen Lúcia interpelou o colega para dizer que os segmentos religiosos que mais são alvos de preconceito são os de matriz africana, não os evangélicos.
Quando Mendonça quis registrar seu “profundo respeito” à comunidade negra do Brasil, ele disse que nós somos “um só povo, uma só raça, uma só nação”. Diante dessa afirmação, Cármen Lúcia respondeu ao colega novamente.
“Só para dizer, ministro André, como uma das iguais brasileiras de um só povo, que nós, mulheres, os negros, os indígenas, os deficientes, entre tantos outros, somos parte deste povo, que não é um só. A Constituição garante igualdade na forma, mas é uma construção permanente. Pode ter certeza que quando eu digo que a gente sofre discriminação, é um sofrimento na nossa dignidade. Somos mesmo um povo com muitas desigualdades”, disse a ministra.
"Sentou em cima da vista por dois anos e ainda se acha no direito de ditar regra"
Em abril de 2021, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso tiveram um grande bate boca ao final de um julgamento, levando Luiz Fux, que era o presidente da Corte na época, a encerrar a sessão quando a situação saiu do controle.
A confusão começou após Gilmar defender que a Segunda Turma teria competência para julgar a suspeição de Moro. Barroso defendia que a decisão fosse tomada por todo o plenário.
"O conflito não foi entre a turma e o plenário, foi entre o relator e a turma. A fórmula processual é: se os dois órgãos têm o mesmo nível hierárquico, um não pode atropelar o outro", disse o ministro.
Gilmar criticou o colega dizendo que “também eu quero aprender essa fórmula processual. Talvez isso exista no código do Russo", numa referência ao apelido de Moro na força-tarefa da Lava Jato.
Em resposta, Barroso disse que "isso existe no Código do bom senso, o respeito aos outros. Se um colega acha uma coisa e outro acha outra, é um terceiro que tem que decidir".
Barroso lembrou que foi o próprio Gilmar quem pediu vista nos autos da suspeição do ex-juiz em 2018, e só devolveu o processo quando Fachin anulou os atos de Moro na Lava Operação Jato e reconheceu a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar Lula.
"Vossa Excelência sentou em cima da vista por dois anos e ainda se acha no direito de ditar regra para os outros", criticou Barroso. Ao fundo, Gilmar disse: "o moralismo!" e "é a pátria da imoralidade".
Barroso, então, continuou afirmando que "não tem moralismo nenhum” e acusando Gilmar Mendes de hipocrisia.
“Vossa Excelência cobra dos outros o que não faz. Fica criticando o ministro Fachin depois de ter levado dois anos com o processo embaixo do braço. Esperou a aposentadoria do ministro Celso, manipulou a jurisdição. Ora, depois vai e acha que pode ditar regra para os outros". Em resposta, Gilmar dizia apenas que "Vossa Excelência perdeu".
Nesse momento, Fux tentou intervir, mas a situação não melhorou e ele decidiu encerrar o julgamento. "Me perdoem, não gosto de cassar a palavra de ninguém, não gosto de cassar as palavras dos colegas, mas está encerrada a sessão", declarou o presidente da Corte, cortando o microfone dos ministros.