Nesta quarta-feira (30), o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento do processo sobre a tese do Marco Temporal, que limita o reconhecimento e demarcação de terras indígenas às áreas já ocupadas pelas comunidades de povos originários na data de promulgação da Constituição de 1988.
Após oito adiamentos do julgamento, a Corte se debruçará sobre o tema em meio a uma enxurrada de críticas à atuação do ministro novato da Corte, Cristiano Zanin, ex-advogado de Lula e nomeado pelo presidente já em seu terceiro mandato. Caso vote favoravelmente à tese do Marco Temporal, Zanin vai empatar o julgamento, favorecendo os interesses dos grandes ruralistas/latifundiários.
Além de Zanin, faltam votar os ministros André Mendonça, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, e as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber (atual presidente do STF).
Mesmo em um curto período de tempo no Supremo, Zanin já conseguiu acumular críticas e irritar - muito - a base de apoio político e eleitoral de Lula em diversas ocasiões com seus votos, gerando muita ansiedade sobre a decisão que o novato do STF tomará sobre a tese do Marco Temporal - muito caro à base eleitoral petista/de esquerda.
Os votos de Zanin que mais chamaram a atenção foram proferidos nos processos sobre a equiparação da homofobia aos crimes de racismo e injúria racial, e na ação que pode descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal - em ambas, ele foi contra.
Quando foi sabatinado pelo Senado, em junho deste ano, Zanin foi questionado sobre o tema e respondeu que, para ele, é preciso “conciliar” interesses dos indígenas e dos ruralistas, porque “em tese, a nossa Constituição prevê tanto o direito à propriedade privada quanto o direito dos povos originários”.
O movimento indígena argumenta que não pode haver um marco temporal para a demarcação porque o direito dos indígenas sobre essas terras é anterior inclusive à criação do Estado Brasileiro, e que a Constituição fala em "terras indígenas tradicionalmente ocupadas". Por sua vez, os defensores da tese afirmam que o marco temporal traria mais segurança jurídica aos proprietários rurais e aos indígenas.
Atualmente, a população indígena residente no Brasil é de 1.693.535 pessoas, de acordo com dados apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 7 de agosto de 2023.
Histórico preocupante
Mesmo com pouco tempo na Suprema Corte, o ex-advogado de Lula já emitiu um voto contrariando os interesses das comunidades indígenas. Ele se posicionou contra um processo movido pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) para reconhecimento de uma ação referente à violência policial no território indígena Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. No entanto, Zanin ficou isolado e a ação foi reconhecida.
De acordo com o advogado da Apib, Maurício Terena, o voto de Zanin deixa os povos indígenas do país “muito apreensivos”. A entidade chegou a pedir uma reunião com o próprio ministro, mas não foi atendida. Em vez disso, membros da Apib serão recebidos nesta quarta-feira (30) pela assessoria do ministro.
Às vésperas da votação, Zanin teve agendas para tratar do Marco Temporal com Tereza Cristina, senadora e ex-ministra da Agricultura de Jair Bolsonaro (PL) que possui forte ligação com a bancada ruralista (uma defensora da tese do Marco Temporal); com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e com Jorge Messias, ministro da Advocacia Geral da União (AGU) cotado como uma das opções de Lula para a vaga que Rosa Weber deixará no STF ao se aposentar em outubro.
Em uma Audiência Pública intitulada "História do Povo Guarani: Resistência para Existência", realizada na segunda-feira (28), a ministra Sônia Guajajara afirmou que "a votação dessa tese [do marco temporal], por si só, já acirra os ataques aos territórios e a violência contra os povos indígenas porque algumas pessoas se sentem autorizadas a fazer isso”.
Na reunião que teve com o ministro Zanin na terça-feira (29), a ministra apresentou o que vem sendo feito desde o início do ano pelo Ministério dos Povos Indígenas e declarou sua preocupação com a votação sobre o Marco Temporal, reforçando que o STF é fundamental para a defesa e garantia dos direitos constitucionais dos povos indígenas.
A AGU (que advoga em prol da União) representada por Messias, se posicionou de maneira distinta ao entendimento do ministro Alexandre de Moraes, ou seja, contrária ao pagamento de indenizações prévias aos proprietários de terras tradicionalmente habitadas por povos indígenas, e defende que o pagamento seja dividido com outros entes da federação, em vez de ficar todo a cargo da União.
Confira como votaram, até agora, os ministros do STF
Edson Fachin, contra
O relator argumenta que o direito dos povos indígenas às terras é anterior à criação do Estado e não deve ser definido por nenhum marco temporal, visto que as comunidades indígenas têm "direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam".
Nunes Marques, a favor
Indicado por Bolsonaro, o ministro ele divergiu do relator alegando que o marco temporal cria segurança jurídica para as demarcações, seguindo o entendimento criado no julgamento da terra Raposa Serra do Sol, quando a tese apareceu pela primeira vez.
Alexandre de Moraes, divergente
O ministro foi contra a instituição de um marco temporal, mas acata a possibilidade da criação de condicionantes para a demarcação de terras, como a indenização de quem perder alguma propriedade para que o território seja demarcado e reconhecido como terra indígena.