Estatuto contraria a teoria evolutiva sobre o início da vida humana, que é amplamente aceita pela ciência
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Estatuto contraria a teoria evolutiva sobre o início da vida humana, que é amplamente aceita pela ciência

O Estatuto do Nascituro voltou a ser pauta da Comissão dos Direitos da Mulher, da Câmara dos Deputados. Parlamentares votaram na semana passada o projeto de lei 478/2007, que cria o estatuto. A sessão não foi concluída, devido ao pedido de vista conjunta dos deputados Pastor Eurico (PL-PE), Erika Kokay (PT-DF), Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e Vivi Reis (PSOL-PA), e deve ser retomada na quarta-feira (14). Se aprovado, o estatuto dificultaria o aborto em todos os casos e colocaria em xeque a viabilidade até mesmo da reprodução assistida .

O projeto de lei visa garantir a proteção integral ao feto desde a concepção e é trazido à tona desde 2007 pela bancada conservadora, formada em sua maioria por parlamentares bolsonaristas. Com a legislação em vigor, o aborto seria dificultado e penalizado em absolutamente todos os casos, inclusive aqueles previstos por lei. O artigo 128 do Código Penal prevê que, no Brasil, a mulher tem direito ao aborto em três casos: se a gravidez é decorrente de estupro , representa risco à vida da mulher ou no caso de anencefalia fetal, ou seja, quando não há desenvolvimento cerebral do feto.

Segundo o texto, o nascituro, ou embrião, "tem sua natureza humana reconhecida desde a concepção" e passaria a ter "direito à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência". Além disso, ganharia proteção contra "toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

O estatuto propõe detenção de um a três anos para mulheres que realizarem um aborto ou que "causem culposamente a morte de um nascituro". Em teoria, mulheres poderiam ser consideradas criminosas caso tenham  abortos espontâneos ou façam procedimentos invasivos para tratar de outras condições, já que seriam consideradas "violências contra o bebê".

Por fim, o projeto de lei prevê que as mulheres que desistirem do aborto terão acesso à assistência pré-natal, encaminhamento à adoção (caso a mãe assim desejar) e uma pensão financeira que foi apelidada de " bolsa-estupro ". Isso porque, em casos de gestações fruto de estupros, os abusadores seriam os responsáveis pelo pagamento, se identificados. Caso contrário, o Estado se encarregaria desse custo.

De acordo com a advogada Luciana Munhoz, mestre em Bioética e sócia do escritório Maia & Munhoz Consultoria e Advocacia em Biodireito e Saúde, o estatuto é, sem dúvida, um retrocesso inimaginável em relação aos direitos reprodutivos femininos. Mas, mais do que isso, o projeto de lei fere os direitos reprodutivos de todos os cidadãos, homens e mulheres.

O estatuto confere viabilidade jurídica à teoria concepcionista e, por isso, poderia impedir ou dificultar muito a reprodução assistida, que contempla o uso de diferentes técnicas médicas para auxiliar a reprodução humana. O método é muito procurado tanto por casais heterossexuais que não conseguem engravidar naturalmente quanto por casais homossexuais que desejam ter filhos.

"Não se fala aqui de embriões viáveis, mas todos os embriões passam a ser entendidos como vida, juridicamente, e não poderão nunca ser descartados pois têm direito à vida e à saúde. Ao entregar personalidade jurídica aos embriões, as evidências da medicina, que trazem determinações contrárias a essa teoria concepcionista, poderão passar a ser questionadas", afirma Luciana.

A discussão sobre o início da vida humana é bastante antiga. No entanto, atualmente, há um consenso científico sobre quando ela teria início de fato. Um critério recente, mas amplamente reconhecido, é o 14º dia de gestação, no qual o embrião se implanta e se afirma com boas chances de viabilidade. Essa é a chamada visão evolutiva sobre o início da vida.

No extremo oposto, existe a visão concepcional, que é considerada a mais radical e intransigente sobre o início da vida humana. Para os concepcionistas, a vida se inicia ao se produzir a união do óvulo com o espermatozoide, em um processo de fusão de membranas denominado singamia. Acredita-se que, a partir dessa união, começa a recombinação genética e a evolução de um novo ser humano, que, por ter uma dotação genética completa e definitiva, é uma pessoa humana.

"O estatuto levanta diversos questionamentos, como se um embrião pode ou não ser feito em laboratório e, se sim, se esses embriões têm que ficar criopreservados para sempre. Afinal, se eles gozam de direitos e personalidade jurídica, eles jamais poderiam ser manipulados de qualquer forma, sejam esses embriões viáveis ou não", diz a advogada. "Trata-se de um projeto de lei que, se aprovado, terá impacto direto na vida de todos os cidadãos em diversas esferas que não estão sendo questionadas."

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