A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ingressou nesta quarta-feira com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para que o governo federal apresente, em 60 dias, um plano de proteção para regularização e proteção das terras com presença de povos indígenas isolados e de recente contato. A medida foi motivada pelo brutal assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, no Vale do Javari, na Amazônia, no último dia 5 de junho.
Bruno foi chefe da Coordenação Regional do Vale do Javari e Coordenador-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai. “Bruno, assim como o jornalista Dom Phillips, se enquadra em profissões que demandam especial proteção estatal, tendo em vista os riscos envolvidos d e modo que suas atividades de promoção dos direitos dos povos indígenas os configuram como defensores de direitos humanos”, diz o documento.
A ação critica a atuação da política indigenista “extremamente nociva” do presidente Jair Bolsonaro (PL) e a gestão da Funai. “As principais Coordenações Gerais da Diretoria de Proteção Territorial do órgão indigenista foram aparelhadas com servidores ligados aos interesses dos setores ruralistas”, aponta a Apib.
No documento de 128 páginas ao qual O GLOBO teve acesso, a entidade pede ao Supremo que determine à União que adote “todas as medidas necessárias para garantir a proteção integral dos territórios com presença de povos indígenas isolados e de recente contato, garantindo-se em específico, que as portarias de restrição de uso sejam sempre renovadas antes do término de sua vigência, até a conclusão definitiva do processo demarcatório”. A portaria de restrição de uso é uma das primeiras fases do processo de demarcação.
“Existe risco real de que as gravíssimas falhas do governo federal na proteção da vida, segurança e integridade psicofísica dos povos indígenas isolados e de recente contato no Brasil, possam ocasionar até o extermínio de determinadas etnias. O risco é de genocídio, como vêm alertando as organizações indígenas”, diz o documento.
A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) pede que sejam adotadas “providências voltadas a evitar e reparar graves lesões a preceitos fundamentais desta Constituição, relacionadas às falhas e omissões do governo federal no que concerne à proteção e à garantia dos direitos desses povos”. Entre os povos citados no documento estão os povos isolados do Vale do Javari, Piripkura, Uru-Eu-Wau-Wau , Yanomami e Povo Zo’é. Há no Brasil 114 registros de povos isolados e de recente contato, localizados na região da Amazônia Legal. O Vale do Javari, onde foram assassinados Bruno e Dom, tem a maior concentração desses indígenas em situação de isolamento no mundo.
"Essa ação já vinha sendo estudada uma vez que a outra que corre no Supremo só visava a proteção de 33 terras indígenas com povos isolados dentro de um contexto de pandemia. Agora, nessa ação autônoma, ela trata de todos os índios isolados que são pelo menos 114 povos registrados na Amazônia Legal", afirma o advogado Eloy Terena, que assina o documento.
Segundo Terena, o assassinato de Bruno e Dom motivou a decisão da entidade ingressar com o pedido antes do recesso do Judiciário, que tem início nesta quinta-feira.
"A morte de Bruno e de Dom explicita tudo aquilo que a Apib vem denunciando e toda a violência que os povos indígenas estão sofrendo todos os dias", completa.
Críticas à Funai
O documento faz duras críticas ao governo federal e à Funai, a quem acusa de perseguição a servidores e indígenas.
“Diante da implementação de uma política indigenista extremamente nociva a estes povos, aliado ao índice crescente do desmatamento e invasões nas terras indígenas, esses povos estão sendo submetidos ao risco concreto e iminente de extermínio. Existe grave violação de preceitos fundamentais, como o direito à vida e à integridade psicofísica, bem como o direito dos povos indígenas de viverem em seus territórios, de acordo com sua cultura, seus costumes e tradições”, diz trecho da ação que pede ao STF intervenção na política indigenista para povos isolados contra os invasores. “A gravidade ímpar do quadro e a dificuldade de enfrentá-lo evidenciam a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal Federal, no desempenho da sua função maior de guardião da Constituição”.
Sobre a Funai, a Apib afirma que das 39 Coordenações Regionais do órgão, apenas duas têm como chefes titulares servidores da fundação.
“Outras dez estão sendo comandadas por servidores na precária e, às vezes, persistente condição de substituto, ausente a figura do coordenador regional titular. Em 27 CRs, os chefes nomeados são de fora do quadro da FUNAI: dezessete militares, três policiais militares, um policial federal e seis profissionais sem vínculo anterior com a administração pública ”.
E critica o que chama de aparelhamento do órgão feito pelo presidente do órgão Marcelo Xavier:
“Dentre as irregularidades, são mencionadas perseguições contra servidores e indígenas, entraves à ação indigenista, a ausência de demarcação de terra, exploração econômica, desproteção judicial nos processos de demarcação e do Marco Temporal, dentre outras. Com a nomeação do delegado Marcelo Xavier para Presidente da FUNAI, as principais Coordenações Gerais da Diretoria de Proteção Territorial do órgão indigenista foram aparelhadas com servidores ligados aos interesses dos setores ruralistas”.
Por fim, a ação pede ainda um cronograma de elaboração e publicação dos Relatórios Circunstanciados de Identificação e Delimitação das terras indígenas onde incidem Restrições de Uso com Referência Confirmada de Povo Indígena Isolado como Pirititi, Piripkura e Tanaru; e para conclusão da demarcação da terra indígena Kawahiva do Rio Pardo, em Mato Grosso, que tem presença de povo indígena isolado, além de ação para realização de atividades de vigilância, fiscalização e proteção, visando garantir a integridade das terras indígenas e conter as invasões.
Procurado por O GLOBO, por meio da Funai, Xavier não deu retorno até a publicação da reportagem.
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