Bruno Pereira está desaparecido desde o dia 5 de maio
Daniel Marenco/O Globo - 06.06.2022
Bruno Pereira está desaparecido desde o dia 5 de maio

O indigenista  Bruno Pereira enviou uma mensagem ao procurador jurídico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Eliésio Marubo, para alertar que corria risco de vida. A conversa foi relatada pelo advogado em depoimento à Polícia Federal.

Trecho do interrogatório consta no relatório da PF enviado ao ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF). Na última sexta-feira, Barroso determinou que a União e suas entidades e órgãos adotem providências necessárias para a localização de Bruno e do jornalista inglês Dom Phillips. A dupla foi vista pela última vez em 5 de junho.

Bruno se referia a um encontro que teria com Amarildo da Costa Pereira, o "Pelado", na comunidade São Gabriel. De acordo com o depoimento, o indigenista disse que a reunião poderia "dar em algum problema". O encontro entre os dois não chegou a acontecer. A mensagem foi enviada no último dia 31 de maio e a reunião estava marcada para o dia 05 de junho.

Conforme o depoimento de Marubo, Bruno e Dom estavam utilizando uma embarcação emprestada pela Univaja, carregavam uma arma de fogo e não possuíam aparelho SPOT de geolocalização, mas apenas aparelhos celulares utilizados para registros e função GPS.

A PF afirma que, durante as buscas, o colaborador da Univaja, Orlando Possuelo, a bordo da embarcação da PF, foi acionado por indígenas locais que auxiliavam nas buscas e indicaram um lugar onde possivelmente uma lancha passou e colidiu com a vegetação da margem do rio. 

A equipe foi até o local, a aproximadamente 2km descendo o rio, e verificou uma vegetação nativa bem danificada, o que indicava a passagem de uma embarcação desgovernada.

Testemunhas relataram aos policiais que a embarcação do suspeito, apreendida e trazida com ele até a cidade, passou em alta velocidade atrás de Bruno Pereira e Dom Phillips tão logo eles deixaram a comunidade São Rafael, em uma visita previamente agendada, para que o indigenista fizesse uma reunião com o líder comunitário apelidado de “Churrasco”, que é tio de Pelado, com o objetivo de consolidar trabalhos conjuntos entre ribeirinhos e indígenas na vigilância do território, bastante afetado pelas intensas invasões. Churrasco acabou não comparecendo e o encontro acabou não aconteceu.

De acordo com o relatório da PF, a equipe de agentes federais apresentou um relato "minucioso" do que foi apurado durante os dias de incursões pela região, com a descrição das atividades realizadas.

O trecho do depoimento de Pelado consta em relatório enviado pela PF ao ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Pelado declarou que conhece Bruno "apenas de vista" e disse que "nunca conversou com ele". Afirmou ainda ser pescador há mais de 30 anos na área do rio Itaquaí, do ponto da base da Funai até o trecho do rio da comunidade São Gabriel, onde mora há 10 anos. Ele afirmou não possuir arma de fogo, "pois há muita fiscalização da polícia peruana na região de Islândia".

Prisão
Policiais militares que prenderam Pelado afirmaram ao GLOBO que a lancha do suspeito foi vista perseguindo o barco do indigenista e do jornalista inglês logo depois que eles deixaram a comunidade de São Rafael, em Atalaia do Norte. 

Durante a perseguição, ele estaria acompanhado de outras quatro pessoas, que vêm sendo procuradas pelos investigadores. Pelado foi preso e trazido para a cidade na própria lancha.

Testemunhas relataram aos policiais que a embarcação do suspeito, apreendida e trazida com ele até a cidade, passou em alta velocidade atrás de Bruno Pereira e Dom Phillips tão logo eles deixaram a comunidade São Rafael, em uma visita previamente agendada, para que o indigenista fizesse uma reunião com o líder comunitário apelidado de “Churrasco”, que é tio de Pelado, com o objetivo de consolidar trabalhos conjuntos entre ribeirinhos e indígenas na vigilância do território, bastante afetado pelas intensas invasões.

“Churrasco” foi detido na segunda-feira à noite para prestar esclarecimentos como testemunha e liberado logo depois.

Os dois desaparecidos viajavam com uma embarcação nova, com motor de 40 HP e 70 litros de gasolina, o suficiente para a viagem, e 07 tambores vazios de combustível. A lancha de Pelado tem um motor 60 HP e é mais veloz.

Os dois chegaram ao local de destino (Lago do Jaburu) no dia 03 de junho de 2022, às 19h25. No dia 05, os dois retornaram logo cedo para a cidade de Atalaia do Norte. 


No entanto, antes eles pararam na comunidade São Rafael, em uma visita previamente agendada, para que o indigenista Bruno Pereira fizesse uma reunião com o comunitário apelidado de “Churrasco”, que é tio de Pelado, com o objetivo de consolidar trabalhos conjuntos entre ribeirinhos e indígenas na vigilância do território, bastante afetado pelas intensas invasões.

Na comunidade São Rafael, a dupla iria conversar com o líder, o “Churrasco”, mas foram recebidos por sua mulher, que ofereceu a eles “um gole de café e um pão”, segundo os vigilantes. Isso tudo ocorreu por volta das 4h do domingo.

De acordo com lideranças da Univaja, os dois se deslocaram pelo rio Itaquaí com o objetivo de visitar a equipe de Vigilância Indígena que se encontra próxima à localidade chamada Lago do Jaburu (próxima da Base de Vigilância da Funai no rio Ituí), para que o jornalista visitasse o local e fizesse algumas entrevistas com os indígenas.

Espingarda e munições
Uma testemunha considerada chave afirmou que viu Pelado carregar uma espingarda e fazer um cinto de munições e cartuchos pouco depois que o indigenista e o jornalista inglês deixaram a comunidade São Rafael com destino à Atalaia do Norte. O GLOBO teve acesso ao relato.

De acordo com a narrativa da testemunha, Pelado, a quem se referiu como “homem muito perigoso”, já vinha prometendo “acertar contas” com Bruno e afirmou que iria “trocar tiros” com ele tão logo o indigenista aparecesse no local.

Logo depois que Bruno e Phillips deixaram a comunidade, um colega de Pelado foi visto em seu barco com o motor ligado em ponto morto, à espera dele, e outra pessoa deitada no barco, perto de onde Bruno e Phillips supostamente desapareceram. 

A testemunha contou ainda que, logo mais abaixo do rio Itaquaí, Pelado foi novamente visto no barco, desta vez com mais quatro pessoas passando em alta velocidade. Depois disso, não foi visto mais. Ela disse ainda que não “resta dúvidas” de que ele e os demais foram atrás da embarcação para fazer “algo de ruim” contra o barco do indigenista e do jornalista.

O relato da testemunha, que deve ser colocado em um programa de proteção, coincide com a revelação do GLOBO de que policiais militares que prenderam Pelado, nesta terça-feira, confirmaram que a lancha do suspeito foi vista perseguindo o barco do indigenista e do jornalista logo depois que eles deixaram a comunidade São Rafael. Pelado foi preso e trazido para a cidade na própria lancha.

Denúncia à Corte de Haia
Nesta terça-feira, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) enviou ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda, uma nova manifestação contra a política do governo do presidente Jair Bolsonaro. O mandatário e acusado pela entidade pela prática do crime de genocídio e de crimes contra a humanidade por extermínio, perseguição e outros atos desumanos, no TPI. 

Soma-se ao processo agora a omissão da Fundação Nacional do Índio (Funai), os ataques sistemáticos sofrido pelos ianomâmis e o desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips.

A Apib já havia se manifestado no TPI em agosto do ano passado por conta da morte de 1.162 indígenas , de 163 povos, durante a pandemia de Covid-19, a. No documento anterior, de 148 páginas, acusa Bolsonaro também de uma série de ações e omissões na gestão do meio ambiente. 

O texto sustenta que o desmantelamento das estruturas públicas de proteção socioambiental desencadeou invasões a terras indígenas, desmatamento e incêndios nos biomas. Agora, a entidade volta à Corte para acrescentar incidentes acontecidos no período de janeiro a maio de 2022, com um documento de 92 páginas.

O documento enviado ao TPI critica "a transformação de instituições e políticas de Estado" criadas para defender os direitos dos povos indígenas , mas que se teriam voltado para a "destruição e a perseguição destes povos". 

Acusa ainda a Funai de implementar a política anti-indígena de Bolsonaro, deixando os indígenas que vivem em terras não homologadas desprotegidos e de estancar os processos de demarcação, além de apontar para "aparelhamento" do órgão, com funcionários considerados "contrários aos interesses dos povos indígenas".

Sobre o desaparecimento de Bruno e Dom, os indígenas apontam para omissão estatal na realização das buscas e dizem que o ocorrido faz parte da "política anti-indígena de Jair Bolsonaro".

Ianomâmis sob ataque
A Apib acrescentou também ao processo na Corte de Haia o recrudescimento da violência contra o povo ianomâmi, como revelou o relatório de pesquisadores indígenas, antropólogos e tradutores da Hutukara Associação Yanomami ao qual O GLOBO teve acesso a partes com exclusividade. 

De acordo com o documento, ao menos três crianças e adolescentes entre 10 anos e 13 anos foram mortas depois de serem abusadas por garimpeiros, na região central do território conhecida como polo-base Kayanaú. As mortes ocorreram em 2020, mas agora, após entrevistas com indígenas nas aldeias mais afastadas e afetadas pelo garimpo, é que elas vieram à tona.

A entidade cita ainda um conflito que deixou ao menos dois mortos e cinco pessoas feridas. O confronto ocorreu quando os Tirei, apoiados por garimpeiros, invadiram a comunidade Pixanehabi, que é contrária à mineração ilegal, e diz que mais atritos como esse tendem a acontecer pelo fato de os indígenas estarem tendo acesso a armas de fogo por garimpeiros.

Após a apresentação da denúncia, o trâmite do processo se dá na Procuradoria do tribunal internacional, que vai analisar se abre ou não investigação contra Bolsonaro. Segundo o Estatuto de Roma, tratado que estabeleceu a criação do Tribunal Penal Internacional, os condenados por acusações semelhantes podem sofrer medidas cautelares e até prisões preventivas.

Atualmente, os casos contra Bolsonaro no TPI referentes aos crimes praticados contra os povos indígenas estão em avaliação preliminar de jurisdição, primeira das três fases do processo, ou seja, preliminar, que envolve, além da avaliação de jurisdição, a análise sobre critérios de admissibilidade e se a investigação servirá aos interesses da justiça.

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