Mais tempestades como a de Recife são uma certeza, diz especialista
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Mais tempestades como a de Recife são uma certeza, diz especialista

Sul da Bahia, Minas Gerais, Petrópolis, Paraty e, agora, Recife. Em praticamente seis meses diversas ocorrências de tempestades no país resultaram em tragédias, com cidades soterradas, centenas de mortes, milhares de desabrigados. A intensificação e o aumento na frequência desses eventos extremos, porém, não podem ser apontados como uma notícia surpreendente, explica Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

"Isso já era previsto desde o primeiro relatório do IPCC, há mais de 25 anos", explica o especialista em mudanças climáticas.

Da Alemanha, onde está participando de uma semana de trabalhos no Instituto Max Planck de Bioquímica, uma das instituições europeias que vem se debruçando sobre o debate do aquecimento global, Artaxo, que também trabalhou na Nasa e na Universidade de Harvard, falou com O GLOBO sobre a tragédia no Grande Recife, que já vitimou mais de 90 pessoas e deixou cerca de 5 mil desabrigadas. O físico explica que, atualmente, não se trata de uma questão sobre a possibilidade de novos eventos semelhantes acontecerem no Brasil. Trata-se de uma certeza, só não se sabe, ainda, exatamente onde e quando acontecerão de novo.

Segundo Artaxo, o governo precisa adotar ações emergenciais de fortalecimento de Defesa Civil e de retirada de moradores de área de risco. E também precisa cumprir as promessas internacionais de cessar o desmatamento no país, além de reduzir as emissões de gases causadores de efeito estufa.

Como a tragédia de Recife se encaixa na tendência de aumento de eventos extremos no planeta, uma consequência sempre alertada por especialistas em função do aquecimento global?

Os eventos climáticos extremos estão aumentando rapidamente, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Veja a onda de calor de 52 graus, que está fazendo agora na Índia, por exemplo, então é um fenômeno mundial. Está aumentando sim (a tendência), fortemente, e também no Brasil.

Então é possível que aconteçam outros casos semelhantes, em breve, no país?
Não é que seja possível que vão ocorrer outros eventos. É com certeza. Aconteceu, somente nos últimos seis, sete meses, em Petrópolis, em Paraty, no Sul da Bahia, em Minas Gerais, e agora no Recife. Então não precisa nem ser cientista para perceber que o clima está indo para uma direção de eventos extremos cada vez mais fortes.

O que aconteceu em Recife foi algo muito fora da curva?

Não há curva. O que acontece é que os eventos climáticos extremos estão aumentando de frequência e intensidade, isso é uma realidade. Já era previsto desde o primeiro relatório do IPCC, há mais de 25 anos, e estamos vendo a intensificação dos eventos devido à maior quantidade de energia no sistema climático global causado pelo aquecimento.

Quais os principais emissores de gases de efeito estufa no mundo?

Das emissões totais, 83% vêm da queima de combustíveis fósseis e 17% do desmatamento de florestas tropicais no mundo. A maior força do desequilíbrio climático global é a queima de combustível fósseis pelos países desenvolvidos.

E o que cabe ao Brasil no combate ao aquecimento global?

O país precisa reduzir sua emissão de gases de efeito estufa e reduzir o desmatamento para zero, conforme o governo se comprometeu na COP-26 (26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), em uma meta até 2028.

Mas na prática estamos vemos isso?

Compromisso internacional é compromisso internacional. Um país que deseja recuperar sua credibilidade internacional precisa cumprir esses compromissos.
Mas as políticas públicas e ações tomadas pela atual gestão não sugerem que a promessa será cumprida.

O que o Brasil precisa fazer como medidas emergenciais, então?

O Brasil vai ter que se adaptar às mudanças climáticas, que não são só os eventos extremos, inclusive. E isso demanda ação governamental urgente, para que mitigue o impacto causado na população. É preciso, por exemplo, reforçar a Defesa Civil e retirar a população de áreas de risco.

O senhor já declarou, em outras ocasiões, que o Brasil é um país vulnerável dentro do contexto de desequilíbrio climático. Por que?

Primeiro porque é um país tropical, então sentimos mais os impactos do que em outros países de regiões mais temperadas. Segundo, por causa da precariedade social e econômica da maior parte da população. Obviamente que uma chuva forte impacta mais, em média, um cidadão do Brasil do que um cidadão da Alemanha.

Quais efeitos do aquecimento global já estamos sentindo no país, além da recorrência de eventos extremos?

O clima mudou, em alguns lugares do Brasil a temperatura média aumentou de dois a três graus. Está chovendo menos no Brasil central e no Nordeste, e isso requer uma política pública de adaptação às mudanças climáticas. O aumento gradual da temperatura pode ser visto em qualquer cidade, assim como a forte alteração no perfil de chuva. O Brasil está se tornando cada vez mais seco, com menos precipitação.

Algum efeito já pode ser considerado irreversível?

Isso depende de vários fatores. Mas, no caso do aquecimento global, evidentemente que num espaço de tempo de milhares de anos, é algo irreversível. Porque os gases de efeito estufa continuam aquecendo o planeta.

O que se projeta para a situação do Brasil nos próximos anos?

Hoje nós não temos uma política de adaptação às mudanças climáticas e, obviamente, sofremos com vulnerabilidades extremamente importantes. Precisamos de um governo que se preocupe com os impactos principalmente na população de baixa renda, e que se preocupe com as mudanças climáticas como um todo.

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