Vice-presidente, Hamilton Mourão
MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL
Vice-presidente, Hamilton Mourão

Preferido pelo presidente Jair Bolsonaro na disputa pela reeleição, o vice-presidente Hamilton Mourão passa por uma situação inédita nos últimos 20 anos: é o primeiro vice a concorrer a outro cargo desde Marco Maciel, que disputou o Senado em 2002, no fim do governo Fernando Henrique Cardoso. Mourão, que também escolheu disputar o Senado, afirmou ao GLOBO que precisa ir “muito além” do bolsonarismo para vencer a disputa no Rio Grande do Sul , que, reconhece, será acirrada.

Marcado por muitas vezes desagradar Bolsonaro por opiniões conflitantes, ele diz que daria um único conselho ao ex-ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, que Mourão diz não ter dúvida de que será o escolhido para vice na chapa de reeleição:

"Seja você mesmo."

Com seu estilo, classificado por muitos como “autêntico”, Mourão espera equilibrar tanto os votos de eleitores que não apoiam Bolsonaro como de eleitores do presidente, incluindo os que o veem como “general melancia” (termo usado contra militares que seriam “verde por fora, mas vermelho por dentro”).

"Existe aquele grupo de apoiadores mais radicais do presidente, que muitas vezes olham para mim como se eu fosse o general melancia. Pô, o cara não me conhece, né? Então é aquela história, na minha avaliação hoje eu tenho que fazer dois milhões e meio de votos no Rio Grande do Sul para ganhar essa eleição. Então eu considero que tem um grupo nosso ali de apoiadores do presidente, que é um pacote grande. E eu tenho que buscar aqueles outros eleitores que não são desse pacote mas entendem a linguagem que eu estou procurando trazer" avaliou Mourão, em entrevista concedida na quinta-feira em seu gabinete.

Questionado se precisaria, então, ir um pouco além do bolsonarismo, o vice-presidente corrigiu: “muito além”. Neste aspecto, o fato de ter conseguido marcar uma posição diferente de Bolsonaro pode agora lhe garantir votos de eleitores fora da bolha de apoio do presidente.

Relação tensa no Planalto

Ao longo do governo, Mourão diversas vezes causou irritação em Bolsonaro por emitir opiniões diferentes do titular do Palácio do Planalto. O mais recente episódio ocorreu em fevereiro quando o presidente desautorizou o seu vice, que fez críticas à Rússia por invadir a Ucrânia. Bolsonaro também já rebateu declarações do vice sobre a compra de vacinas e sobre a relação com os Estados Unidos.

Apesar das rusgas, Mourão demonstra não se arrepender de ter se posicionado. Relata também que Bolsonaro nesses episódios nunca o chamou para conversar. No final de 2020, foi o vice que foi ao presidente tentar esclarecer como pensava e agia.

"Eu sempre procurei emitir as minhas opiniões dentro do limite da minha cadeira. Até porque isso é uma coisa que você aprende dentro das Forças Armadas. Você tem limite na tua autoridade. O presidente não gostou, é um direito dele. Não gostou, está ok, paciência" disse. "Ele nunca me chamou para conversar e colocar “não, olha, não gostei disso, não gostei daquilo”. Eu tive uma conversa com ele, no final de 2020, para colocar para ele a minha forma de pensar, a maneira como eu via as coisas. Mas nada demais" completou.

A falta de sintonia nas declarações alimentou a desconfiança de Bolsonaro e custou o posto de vice de Mourão na disputa pela reeleição. Com uma relação desgastada, o presidente não disse a seu vice que não estava nos planos para um segundo mandato. O recado foi dado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, que em uma visita à Vice-Presidência quiseram saber os planos eleitorais de Mourão.

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"Não houve conversas. Só sinalização e, vamos dizer, mensageiros. Flávio e Ciro. Quando eles vieram me perguntar se eu ia concorrer pelo Rio ou pelo Rio Grande do Sul, ficou claro para mim que eu estava fora. Então pronto. Isso aí para mim, acho que é uma coisa que é da política. Aquele camarada que é o cabeça de chapa, ele escolhe quem melhor lhe aprouver" contou ao GLOBO.

Por sua vez, quando decidiu concorrer ao Senado pelo Rio Grande do Sul, Mourão, há pouco mais de um mês, fez questão de procurar Bolsonaro. Na conversa, partiu do vice a proposta de que um pedisse voto para o outro.

"O presidente me apoia. Quando eu conversei com ele, que eu ia ser candidato ao senado no Rio Grande do Sul, eu disse: ‘vamos nos apoiar mutuamente. Eu te apoio e você me apoia’. Então isso está acertado" disse Mourão, negando que Bolsonaro tenha feito algum pedido especial para a campanha.

Disputa acirrada

Na última semana, o Republicanos, partido a qual Mourão se filiou no dia 16 de março, fechou apoio ao ex-ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, do PL, para a disputa do governo gaúcho. No estado, outro aliado de Bolsonaro, o senador Luiz Carlos Heinze, do PP, também quer disputar o Palácio do Piratini. Mourão diz que não se envolveu na escolha sobre com quem iria compor uma chapa e deixou a decisão com o partido.

Mourão tem como possíveis adversários o senador Lasier Martins (Podemos), a ex-senadora Ana Amélia (PSD) e a ex-deputada Manuela D'Ávila (PCdoB). Em fevereiro, o GLOBO mostrou que o Rio Grande do Sul é o estado mais visitado por Mourão desde o início do mandato. O vice-presidente diz que “em qualquer hipótese” ele seria acusado de utilizar as viagens em sua pré-campanha, mas afirma que tem muitos convites para ir ao estado e admite que essas agendas o ajudam a se tornar mais conhecido entre o eleitorado.

Diferente de Bolsonaro, que sustenta que já houve fraude nas eleições, Mourão afirma que não se pode confiar 100% na urna eletrônica, mas ao mesmo tempo diz que não existe um “smoking gun” ( uma prova definitiva) sobre fraude.

"Cem por cento você não pode confiar em nenhum processo que envolva tecnologia e que envolva transmissão de dados via internet. Eu acho que até hoje, na minha visão, não apareceu aquilo que o americano chama de smoking gun. Teve uma urna “a” que deu problema, urna “c” que deu problema, mas não apareceu algo (definitivo)" disse. "Então hoje, no presente momento, eu não vejo ainda algo que comprometa o processo eleitoral."

O vice-presidente minimizou as trocas recorrentes no comando do Exército e afirmou que não vê risco de politização. Ele também não acredita que há chance de se repetir no Brasil um episódio semelhante à invasão do Capitólio, quando apoiadores do ex-presidente Donald Trump tentaram reverter o resultado eleitoral.

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