Era o plantão da enfermeira R. da Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) de Costa Barros, na Zona Norte do Rio, quando, por volta das 8h30 de 21 de dezembro do ano passado, um homem entrou na unidade carregando no colo um menino de dois anos de idade. A criança foi levada direto para a unidade pediátrica, mas não tinha mais sinais vitais. O pediatra confirmou o óbito. O acompanhante, que se identificou como pai, disse que a mãe era usuária de crack e já havia lhe entregado a criança naquele estado. Ao ser solicitado que se identificasse na portaria, o homem fugiu. Mais tarde, a perícia constatou que as causas da morte foram traumatismo craniano e esganadura, ou seja, estrangulamento.
A vítima chamava-se Alef Rodrigues e teria feito três anos no último dia 25, se não fosse brutalmente assassinada. Com a experiência de 13 anos na área da saúde, a enfermeira perceberia que, além da atitude suspeita da pessoa que trouxe a criança, havia cicatrizes novas e antigas pelo corpo da vítima, principalmente na cabeça e na genitália. Para o Ministério Público, as marcas indicam que o garoto pode ter sido torturado dias antes da morte. O homem que levou Alef à UPA não era o pai. A Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) o identificou como Magno Ribeiro Meireles, de 27 anos. As investigações o apontaram como autor do crime, quando a criança estava sob os seus cuidados. Magno encontra-se preso preventivamente desde o mês passado.
No dia 3 de dezembro do ano passado, a então companheira de Magno, Macieli Santos Lira, de 26 anos, por achar que era tia de Alef, porque o irmão dela teve um relacionamento com a mãe do garoto, Marcele Conceição Rodrigues, de 24, pediu a ela para levar a criança e tomar conta dela. Segundo Macieli, o menino estava brincando numa rua de Japeri, município da Baixada Fluminense, sujo e abandonado. Macieli tinha ido ao local visitar a mãe dela, que mora na região. Marcele seria usuária de drogas e permitiu que a criança fosse com a "tia" e amiga, já que se conheciam há cerca de cinco anos.
A criança foi morar com Macieli e Magno numa casa no alto do Morro do Chapadão. Ela tinha outras duas filhas de um outro relacionamento, de 8 e 4 anos, mas apenas a primeira morava com o casal. Para manter o sustento da casa, Magno é camelô nos trens do ramal Japeri. Já Macieli contou à polícia que ganha a vida como garota de programa. Como trabalha à noite, Alef e a filha ficavam sob os cuidados do companheiro que, segundo ela, era o responsável pelos banhos e o jantar das crianças.
No dia 20 de dezembro do ano passado, não foi diferente. Os quatro saíram para comprar roupas novas na feira da Pavuna para o Natal. Comeram numa lanchonete do bairro e retornaram no fim da tarde para casa, no Morro do Chapadão, porque Macieli teria que trabalhar à noite. Em seu depoimento, ela disse que no dia seguinte, por volta das 6h, Magno ligou para lhe avisar que Alef, que dormia num colchão no chão do quarto do casal, tinha caído da cama. Ela disse que, ao chegar em casa, encontrou o menino mole e frio, com lesões pelo rosto e pescoço. O colchão estava molhado e a bermuda da criança dentro de um balde com sabão. Em seu relato na delegacia, Macieli disse que não percebeu que o menino estava morto, mas perguntou ao companheiro o que realmente aconteceu com Alef, e que Magno teria negado ter feito algo com a criança.
Segundo Macieli, ela socou o companheiro e começou a gritar. Nisso, ela disse que Magno pegou o menino, levando-o para a UPA, mas que ela não conseguiu acompanhá-lo. Só depois ela chegou na unidade hospitalar, mas ele não estava mais lá. Em depoimento à polícia, ela disse que o camelô ligou no fim da tarde daquele dia para confessar o crime. Ela disse que conhece o companheiro desde que ela tinha 12 anos e que ele era usuário de drogas. A filha dela, que estava em casa no dia da morte, teria contado à mãe que Magno tinha "uma catarro branco" no nariz, o que Macieli desconfia que ele tenha consumido cocaína.
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A mãe biológica da criança, que tem mais dois filhos, também depôs na delegacia e disse que confiou em Macieli, embora a polícia tenha encontrado um registro de agressão entre as duas, em meados do ano passado. Segundo ela, se soubesse que o filho seria morto, não teria deixado Alef ficar com a amiga.
Antes de Magno ser preso, vizinhos da comunidade do Chapadão e adjacências postaram em redes sociais a foto dele e o denominaram como sendo o "monstro de Costa Barros". Na postagem estava escrito que ele havia levado a criança para a UPA com sinal de espancamento e que precisava "pagar pelo que fez". Em seu corpo, Magno tem tatuadas duas lágrimas que, na linguagem do sistema carcerário significa que a pessoa cometeu um assassinato ou tem uma pena muito longa a ser cumprida. Na ficha de antecedentes criminais, de acordo com a polícia, há apenas uma prisão por receptação.
Após a divulgação da foto dele nas redes sociais e em grupos, Magno resolveu se apresentar à polícia com um advogado. Em sua versão, ele acusa Macieli pelo crime. No entanto, no laudo dos peritos do Instituto Médico-Legal, Alef foi morto entre 0h e 9h do dia 21. Como ele já chegou morto na UPA por volta das 8h30, o assassinato ocorreu antes de ele dar entrada na unidade.
A promotora da 4ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada, Letícia Emile, responsável pela denúncia contra Magno, foi quem pediu que a prisão de Magno fosse convertida de provisória para preventiva, o que a Justiça acatou. Emile destacou que das "inúmeras lesões" que constam no laudo cadavérico da criança, algumas são anteriores ao fato, o que demonstra que o menino foi torturado.
"Esse caso revela o desprezo pela vida humana. Essa criança foi abandonada pela mãe, que a deixou sob os cuidados de pessoas que sabidamente também não detinham a mínima condição de acolhê-lo, dado o histórico de violência e desestrutura familiar. Causou perplexidade aos investigadores as inúmeras lesões sofridas pelo infante a revelar a crueldade daquelas ações. Alef é o retrato do abandono e da barbárie a que um ser humano pode chegar", afirmou a promotora de justiça.