Um caderno de contabilidade apreendido com suspeitos de integrar a milícia de Rio das Pedras dá o tom do quão rentável é a exploração de serviços por parte dos criminosos na comunidade . O material estava em posse de seis membros da cúpula da quadrilha, presos durante uma reunião em um condomínio no Itanhangá próximo à favela na noite da última quinta-feira. As anotações indicam que só as transações envolvendo botijões de gás e sinal de internet rendiam ao bando pelo menos R$ 173 mil por semana, ou pouco mais de R$ 750 mil por mês.
O controle feito à mão, com caneta preta, nas linhas do pequeno caderno escolar de 48 páginas traz, em uma delas, uma lista de localidades de Rio das Pedras sob o título "Internet". Estão lá, por exemplo, Areal 1 e 2, Rua Velha, Rua Nova e Floresta, cada uma com um respectivo valor ao lado — R$ 5 mil, R$ 5 mil, R$ 20 mil, R$ 5 mil e R$ 30 mil, na ordem, no caso dos locais citados. Ao todo, o valor arrecado só com esse serviço é de R$ 105 mil.
De acordo com os investigadores, a contabilidade se refere ao valor recebido pela quadrilha semanalmente pela exploração do setor. O mesmo acontece com o gás de cozinha, que aparece em outra página do caderno, organizado de modo similar: Areal 1 (R$ 10 mil), Areal 2 (R$ 10 mil), Rua Velha (R$ 10 mil), Rua Nova (R$ 5 mil) e Floresta (R$ 20 mil). Desta vez, montante obtido com a venda de botijões a cada sete dias, segundo as anotações, é de R$ 67 mil.
Se controlavam a entrada de renda, os milicianos também tinham ciência sobre algumas das saídas de dinheiro, igualmente discriminadas na contabilidade apreendida. Nas anotações da quadrilha, constam, por exemplo, pagamentos de R$ 114 mil que os investigadores acreditam ser referentes a repasses semanais feitos para integrantes do bando que se encontram atrás das grades.
Uma das folhas traz o título "B9", o que, para a polícia, trata-se de uma referência a Bangu 9, como é popularmente conhecida a Penitenciária Bandeira Stampa, uma das unidades do Complexo Penitenciário de Gericinó. A maior parte dos detentos que se encontra no local é composta justamente por agentes e ex-agentes de segurança acusados de ligação com grupos paramilitares.
Na lista de pagamentos, há pelo menos dez pessoas, embora nem todas, devido à caligrafia, sejam identificáveis. O maior valor, de R$ 20 mil, aparece ao lado do nome de Coroa. Trata-se de um dos apelidos pelos quais é conhecido Maurício Silva da Costa, o Maurição. Alvo da Operação Intocáveis, em 2019, o tenente reformado da PM foi condenado a 30 anos de prisão em setembro do ano passado. Ele é apontado como um dos cabeças da milícia que atua em Rio das Pedras e na Muzema e encontra-se atualmente na Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte.
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Outro nome que aparece na lista é Dalmir, ao lado do montante de R$ 15 mil — o segundo maior da relação. Dalmir seria, ainda de acordo com os investigadores, o ex-sargento da PM Dalmir Pereira Barbosa. Preso em janeiro de 2020, em um desdobramento da Intocáveis, ele também é tido como um dos chefes do grupo militar que domina Rio das Pedras.
A lista traz ainda menções que seriam relativas a suspeitos que, até então, ainda estavam em liberdade. A primeira página do caderno, por exemplo, tem o título "RP (Pezão)". O apelido é como é conhecido João Henrique Pedro da Silva, um dos presos nesta quinta-feira, e a sigla refere-se a Rio das Pedras. Abaixo, vêm os nomes de várias localidades da comunidade, seguidas de valores que, somados, chegam a R$ 312 mil.
Outro trecho do caderno traz a expressão "família preso", ao lado do valor de R$ 20 mil. Logo acima, há o termo "saída amigo", seguido de R$ 30 mil. A Polícia Civil trabalha para identificar o que indicam essas e outras informações da contabilidade da quadrilha, assim como para rastrear a origem do dinheiro que entrava e saía aos milhares de reais toda semana.
Além de Pezão, a operação desta quinta-feira também prendeu Fabiano Cordeiro Ferreira, conhecido como Mágico e considerado, de acordo com as investigações, um dos chefes da milícia de Rio das Pedras. Contra ele, havia dois mandados de prisão pendentes, por participar de organização criminosa, formar milícia privada e praticar roubo. Os policiais detiveram ainda Thiago Bastos Morais, o Digão; Daniel Cristinho, o Buiú; Ilán Andrade dos Santos; e Marcos Alves de Souza. Todos foram autuados por porte ilegal de arma e formação de milícia.
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