Líder do Camelódromo da Rua Uruguaiana, Alexandre Farias Pereira foi morto quando passava de picape pela Avenida Brigadeiro Lima e Silva, em Duque de Caxias, no dia 18 de maio de 2007. Após ficar arquivado por quase 14 anos, o inquérito sobre o assassinato do comerciante será reaberto por causa de uma pista surgida do Caso Marielle.
Na casa do sargento reformado da PM Ronnie Lessa, um dos acusados pelas mortes da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, os investigadores encontraram a íntegra do depoimento de um filho de Alexandre, prestado à época da execução da vítima, grampeado a um bilhete no qual se lia “Periquito mandou sarquear”.
Sarquear, na gíria policial, significa levantar a folha de antecedentes criminais (FAC) de investigados. A Força-Tarefa do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), responsável pelo Caso Marielle, apurou que “periquito” era o apelido de Djacir Alves de Lima, que teria assumido controle da Associação de Vendedores do Mercado Popular da Rua Uruguaiana no lugar de Alexandre. Hoje, Djacir é vice-presidente do Centro Comercial Uruguaiana (CCU), nova denominação da entidade que representa os camelôs locais e acumula um histórico de problemas com a lei.
Segundo os investigadores, no material apreendido na casa do sargento, no Condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca, e no levantamento feito a partir das pesquisas do acusado na internet, foram encontrados indícios que ligam Lessa à morte de Alexandre Pereira e a pelo menos mais três assassinatos. Por ter pesquisado o CPF de algumas vítimas nos dias que se antecederam aos crimes, o policial reformado passou a ser suspeito das mortes dos irmãos Ary e Humberto Barbosa Martins, em 6 de novembro de 2006, e do ex-deputado estadual Ary Brum, em 18 de dezembro de 2007. Nenhum dos casos foi elucidado.
Com base na quebra telemática dos devices (computador e celulares) de Lessa e nas provas materiais apreendidas, a Força-Tarefa do MP do Rio está acionando os promotores naturais dos três casos (um deles do duplo assassinato) para que os inquéritos sejam reabertos. A ideia dos investigadores é puxar o fio do novelo destes quatro homicídios, até hoje de autoria ignorada, que despertavam o interesse do réu do caso Marielle, que sempre saiu incólume das investigações, apesar de ser considerado um policial considerado operacional.
Preso em 12 de março de 2019, Lessa atuou por mais de 10 anos como adido na Polícia Civil, cedido pela PM para ajudar nas investigações das delegacias. Além de conhecer agentes civis, ele dominava os métodos utilizados na apuração de crimes.
O filho de Alexandre, que havia prestado depoimento ao inquérito sobre a execução do pai, chegou a dizer, na época do crime, que a vítima sofreu um assalto. Mas nada foi levado dela. Alexandre foi morto a tiros disparados pelos ocupantes de um carro que abordou a sua picape em Duque de Caxias. Ele chegou a ser socorrido, mas morreu no Hospital Municipal Duque de Caxias. Bárbara Martins, que o acompanhava, foi baleada nas costas e no braço direito, mas se recuperou. Por muito tempo a polícia apontou se tratar de um latrocínio com autoria desconhecida.
O motivo da morte de Alexandre seria a disputa pelos lucros provenientes de negócios ilícitos e o controle do Camelódromo. Reportagem publicada pelo EXTRA, em março de 2006, citou denúncias de camelôs da Uruguaiana de que Alexandre lucrava cerca de R$ 150 mil por mês na cobrança de taxas para permitir a venda de produtos piratas no local. De acordo com os ambulantes, o dinheiro era recolhido por seguranças a título de "contribuição social". Antes do homicídio, a Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM) abriu um inquérito para investigá-lo, mas depois do crime,o caso também não foi adiante.
Alexandre, que também era acusado por comerciantes do Camelódromo de cobrar taxas ilegais de iluminação e de segurança, tinha, entre outros bens, um casarão em frente à Lagoa de Maricá, na Região dos Lagos, e uma picape Ford Ranger ano 2005, no valor de R$ 75 mil à época - veículo onde ele foi morto. O imóvel, no bairro do Caju, em Maricá, tinha duas piscinas, três churrasqueiras, uma hidromassagem, um salão para eventos e um campo de futebol e estava em fase final de obras. Ele também era apontado como sócio de uma empresa de motopeças.
Com uma área de aproximadamente 3 mil metros quadrados, dividido em quatro quadras cortadas por vielas de acesso, o Camelódromo da Uruguaiana fica entre a Rua Uruguaiana, a Avenida Presidente Vargas e a Rua da Alfândega. No ano de 2006 e 2007, a DRCPIM foi atuante na repressão à venda de produtos pirateados e sem notas fiscais.
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Cúmplice de Lessa preso na 'Guilhotina'
Em 2011, a Polícia Federal deflagrou a operação "Guilhotina", na qual 44 pessoas foram presas, metade formada por policiais civis e militares, por suspeita de cobrar propina aos camelôs da Uruguaiana, dar proteção a bicheiros, entre outras acusações. Um dos presos, à época, foi o ex-PM Élcio de Queiroz, acusado de ser o motorista da emboscada à Marielle e Anderson. Ele e Lessa, apontado como o atirador, serão julgados por um júri popular, no 4º Tribunal do Júri da Comarca da Capital. Élcio foi excluído da PM por trabalhar como segurança da contravenção num bingo em Bonsucesso, na Zona Norte do Rio.
Embora a ação penal da "Guilhotina" continue sem sentença, Élcio está preso desde março de 2019 pela morte da vereadora e de seu motorista.
Outro PM preso na mesma operação foi Floriano Jorge Evangelista Araújo, companheiro de Lessa na “Patamo 500”, quando ambos serviam no 9º Batalhão da PM (Rocha Miranda). Ele foi acusado de vender armas a traficantes.
Pesquisa de CPH dois meses antes de crime
Na quebra do sigilo digital de Lessa, a Força-Tarefa do Caso Marielle constatou que o sargento reformado pesquisou o CPF do ex-deputado estadual Ary Brum no dia 22 de outubro de 2007. Cerca de dois meses depois, no dia 18 de dezembro, Brum foi executado em carro oficial no viaduto de acesso à Linha Vermelha, em São Cristóvão, na Zona Norte, ao sofrer uma emboscada pelos ocupantes de um Honda Civic. Um motociclista dava cobertura aos assassinos.
Após cumprir seis mandatos de deputado, o último deles em 1999, Ary Brum foi trabalhar no Palácio Guanabara na época. Era pré-candidato à Prefeitura de Cachoeiras de Macacu, na Região Serrana. Após um ano de investigações, a polícia concluiu que a morte do político estava ligada a desentendimentos com um sócio na área hospitalar, o empresário Lindenberg Sardinha Meira — que era sócio de Ary Brum no Hospital IV Centenário, em Santa Teresa —, mas a identidade dos executores nunca foi descoberta.
Esse mesmo empresário, Sardinha Meira, foi preso em novembro de 2009 pelos assassinatos dos irmãos Ary e Humberto Barbosa Martins, em 6 de novembro de 2006. O crime ocorreu na Avenida Beira-Mar, no Centro do Rio. As vítimas estavam num Golf e saíam de um posto de gasolina quando foram atacadas a tiros. O pára-brisa foi atingido por pelo menos 11 disparos. Ary Barbosa, que dirigia o carro, morreu na hora. Humberto, que era policial federal e estava no carona, morreu a caminho do hospital.
Nas investigações, a polícia descobriu que Ary Barbosa trabalhava na Pargus Club, empresa de venda de títulos que dava direito a estadia em hotéis e pousadas. Em depoimento, a mulher dele afirmou que, dias antes de ser morta, a vítima havia lhe revelado que um funcionário de Sardinha Meira fez um alerta: "Se você (Ary Barbosa) não acabar com o escritório (Pargus Club), ele (Sardinha Meira) vai acabar com você". De acordo com a polícia, o motivo do crime seria a concorrência da Pargus Club com a Férias Card, empresa do mesmo ramo pertencente à Sardinha Meira.
Assim como no caso de Ary Brum, Lessa também pesquisou Ary Barbosa e a mulher dele —cujo nome será omitido por questão de segurança —, nos dias 2 e 9 de outubro de 2006, portanto, cerca de um mês antes do duplo homicídio.