No último dia 26 de julho, o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), voltou a ser denunciado por crimes contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional
(TPI), estabelecido na cidade holandesa de Haia, que o torna mundialmente conhecido como o Tribunal de Haia
.
A corte começou a operar oficialmente em 2002, quatro anos depois de ter sido criada por meio de um tratado internacional, o Estatuto de Roma , de 1998. Ao todo, 120 países são signatários do acordo, que permite que juízes destes países sejam eleitos e os cidadãos destes territórios sejam julgados.
A principal competência do TPI é julgar c rimes contra a humanidade, crimes de guerra, genocídio (assassinato em massa ou dano grave de um grupo nacional étnico, racial ou religioso) e agressão (quando um país viola a carta da ONU e atenta conta outros estados). Vale frisar que o Tribunal de Haia julga pessoas que cometeram tais crimes e não estados que violaram direitos humanos.
O Tribunal possui 18 juízes eleitos, a presidência é compota por três juízes e há uma procuradoria independente responsável por receber denúncias e decidir sobre o prosseguimento da investigação, todos os cargos são ocupados com garantia de equilibrio de participação dos países signatários e participação de gênero.
Além disso, a corte integra o sistema judiciário dos países que ratificaram o acordo e tem poderes para aplicar penas de prisão, prisão perpétua, pagamento de multas e confisco de bens .
Para que uma denúncia chegue ao julgamento existem outras duas fases de apreciação do caso, que podem levar anos para serem concluídas. A fase de exame preliminar é quando a Procuradoria do Tribunal analisa as provas e decide sobre aceitar ou rejeitar a denúncia, além de determinar se o tribunal tem jurisdição para julgar o caso, se a conduta foi grave e se vem ao encontro do interesse da justiça a investigação.
E a fase de investigação é o momento em que uma câmara preliminar, composta de três juizes, analisa o caso e decide se autoriza o início da investigação, que funciona como um inquérito policial e pode levar até dois anos para ser concluída.
A corte é um órgão multilateral e independente, mas tem vínculos com Organização das Nações Unidas (ONU) , de modo que os membros da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança da ONU votam para eleger os juízes.
O professor e doutor em direito penal pela PUC-SP, Claudio Langroivo, conta que sete países se opuseram à criação do Tribunal de Haia, que seria responsável por substituir de forma permanente os tribunais da ex-Iugoslávia e de Ruanda, são eles Estado Unidos, China, Israel, Iêmen, Iraque, Líbia e Qatar.
A principal justificativa para a oposição deste bloco de países é porque estão constantemente envolvidos em guerras , consequentemente poderiam ser julgados por crimes gerados no conflito e contra a humanidade. O estado de Israel, por exemplo, é líder em condenações no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Atualmente, o Tribunal de Haia analisa aproximadamente 28 casos de crimes contra humanidade, genocídio e crimes de guerra. A corte chega a receber 800 denúncias por ano e leva meses para decidir se irá investigar o crime.
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O Brasil só passou a integrar a lista de países com individuos denunciados depois dos requerimentos contra o presidente Jair Bolsonaro , que passa a acompanhar países como Bósnia, Congo, Líbia, Quênia, Sérvia, Sudão e Venezuela, que tiveram autoridades denunciadas e até mesmo investigadas. Denunciado, Bolsonaro se equipara a Nicolas Maduro da Venzuela, que foi denunciado por seis países por crimes contra humanidade, em 2018.
Denúncias contra Bolsonaro
A situação de Bolsonaro se difere de Maduro, apenas, porque as denúncias contra o brasileiro foram encaminhadas por cidadãos do próprio país. Como a denúncia protocolada pela Rede Sindical Brasileira UNISaúde, que acusa o presidente de crime contra a humanidade por ter sido negligente e levado o país a mais de 80 mil mortes por Covid-19 e pelo crime de genocídio contra comunidades indígenas. Bolsonaro totaliza quatro denúncias em Haia.
A primeira denúncia contra Bolsonaro foi efeita em novembro de 2019 pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos e a Comissão Arns, que acusou o presidente de “incitar genocídio" de povos indígenas , por meio da tentativa de enfraquecer a estrutura governamental destinada à proteção do meio ambiente e das comunidades tradicionais.
É citado no texto a tentativa de transferir a Funai (Fundação Nacional do Índio) do Ministério da Justiça para o Ministério da Agricultural, além da omissão diante do "Dia do Fogo" , em 10 de agosto de 2019, quando grileiros coordenados atearam fogo para desmatar a Amazônia.
As outras duas denúncias foram encaminhadas pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista), em junho de 2020, e pela ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia), em abril dente ano, por conta da atuação do presidente no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus (Sars-cov-2) que seria enquadrada como crime contra humanidade.
Análise das queixas contra Bolsonaro
Apesar das diversas acusações contra o presidente, o professor Claúdio Langroivo analisa que as denúncias não devem prosperar. “Eu não acredito que uma denúncia contra ele seja acatada, ainda que embasada, ainda que possa ter justificativa por conta das questões técnicas. Não teria condições de conduzir um processo dessa natureza. Não tem como provar que o nosso sistema judiciário não seria capaz de assimilar, julgar e até condenar uma pessoa nessas condições, com as alegações ali colocadas”, explica.
O professor da PUC-SP destaca um elemento fundamental da atuação do TPI, a corte só irá julgar a denúncia caso haja "prova de que o sistema judiciário do país não tem capacidade de julgá-lo com segurança e imparcialidade ”.
“A comunicação ao Tribunal Penal Internacional e sua investigação são elementos gritantes de que a situação não está boa no país. Basta uma leitura, mesmo que superficial, do Estatuto de Roma, para perceber que é mais o impacto dele ser denunciado, em razão dessa situação de ser um dirigente que tem uma comunicação no TPI ,do que qualquer coisa”, analisa Langroivo.
“É uma situação vexatória e triste para um país como o Brasil ter uma representação enviada pelos cidadãos do país para o TPI”, complementa.
Assim como Langroivo, o presidente da Academia Brasileira de Ciências Criminais, professor Cristiano Carrilho, analisa que a tentativa de recorrer à Haia é parte de uma disputa política , que não necessariamente visa condená-lo.
“Como há um desgaste da imagem do Bolsonaro por declarações polêmicas que ele faz desde o início do governo, essa denúncia ajuda a enfraquecer a imagem dele no exterior”, diz Carrilho.
Carrilho salienta que é necessário comprovar na corte que houve dolo (intenção de cometer os crimes) nas ações.
“Eu acho que não vai nem pra fase de investigação. Para que houvesse robustez da denúncia para que ela passasse da fase de investigação preliminar para a fase de investigação e depois julgamento tinha que ficar evidente que havia um plano de estado para ataque sistemático da população civil ", argumenta.