Uma rede de solidariedade foi montada nas redes sociais para ajudar estudantes negros a ingressar no ensino superior . Alunos de todo o país que não conseguiram isenção da taxa de inscrição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) estão sendo apadrinhados por voluntários de todo o país que se dispõem a pagar o boleto no valor de R$ 85.
Grupos estão fazendo a ponte entre as madrinhas, padrinhos e estudantes. A intenção é dar mais chances para que jovens negros e periféricos consigam participar da principal etapa de seleção das universidade. Até o momento, mais de 50 mil pessoas estão dispostas a ajudar.
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O pagamento da inscrição é feito de forma exclusiva pelo boleto do aluno, gerado no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira ( Inep
). Nenhum dinheiro é transferido ou doado, assegurando agilidade e segurança ao processo para estudantes e apadrinhadores.
De acordo com o advogado Luan Alencar, que faz a gestão da página Pretos no Enem , até o momento, mais de 11 mil pessoas se tornaram padrinhos. Já o professor de inglês Cristiano Ferraz fez a campanha por meio do seu perfil pessoal do instagram, conseguiu reunir mais de 40 mil em um segundo grupo de voluntários. Os organizadores definiram grupos de tarefas dentro do projeto para tornar a ação transparente.
Na visão de Luan, a proporção que o Pretos no Enem tomou em pouco tempo é um “sintoma”. “Estamos em uma sociedade cansada de viver num país tão desigual e cruel. Só o fato de ter Enem esse ano já é um absurdo.
Nós temos um governo que simplesmente ignorou a existência e as dificuldades das comunidades negras e periféricas. Se a gente lembra daquela propaganda do Enem então, chega a ser revoltante. E as pessoas estão todas presas dentro de casa, ansiosas pra tentar mudar esse panorama de alguma forma, mesmo que seja com um pequeno gesto como são essas doações”, esclarece.
Uma das apadrinhadas é a estudante de escola pública Maria Luisa, de 19 anos, que mora na Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Com mãe desempregada e pai pedreiro, Luisa tinha visto o sonho de prestar vestibular para fisioterapia terminar por falta de renda.
“Eu tinha desistido de fazer o Enem porque eu não ia conseguir o dinheiro necessário até o dia 10 [de junho]. Talvez só conseguisse depois. Então já tinha posto na minha cabeça uma desistência, mas, aí, eu achei o projeto [ Pretos no Enem ] justamente nesse dia”.
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Ao mesmo tempo, esclarece que ter uma família que a apoia, uma casa com estrutura para estudo e acesso a tecnologia pode ser considerado como um privilégio que muitos estudantes negros não têm.
O prazo de pagamento da inscrição do Enem estava previsto para encerrar no dia 2 de junho foi adiado para a próxima quarta-feira (10) . O prazo original terminou em 28 de maio, mas segundo o Inep, mais de 300 mil candidatos não conseguiram efetuar o pagamento. Novos boletos foram emitidos a partir da quarta-feira (3) por meio da página do participante.
Além da mudança de prazo, o incentivo para as campanhas de acesso aos estudantes negros ao Enem surgiu com o aumento das pautas antirracistas nas redes sociais, que ocorreram após o afro-americano George Floyd ser morto asfixiado pelo Derek Chauvin, em Minnesota , nos Estados Unidos.
As campanhas tomaram grandes proporções ao serem compartilhadas por artistas como a atriz Nathalia Dill, que pagou o boleto de um estudante negro que não conseguiu a isenção.
Diante da solidariedade em um momento com crises políticas e na saúde, o professor Cristiano Ferraz diz que o gesto de todos os voluntários anônimos e famosos ajudam a “criar esperança”.
“Estar distante dos meus alunos, do meu propósito de vida, do meu trabalho, é muito angustiante nos tempos de isolamento que a gente vive. Conseguir fazer uma ação desse tamanho, de casa, me deixa muito feliz. O impacto vai ser gigante. E para além disso, a gente vê a corrente de solidariedade que se formou. É muito lindo”, afirma.
Como ajudar e receber ajuda
Para receber suporte e ter o boleto do exame pago por um voluntário, basta entrar em contato por meio dos perfis do Pretos no Enem e de Cristiano Ferraz . Em ambos os perfis há orientações para que os estudantes negros consigam enviar o boleto emitido pelo Enem. O comprovante de pagamento é encaminhado em seguida para assegurar que a inscrição está garantida.
O esquema para voluntários é parecido. Basta entrar em contato com os perfis que os candidatos serão direcionados a uma lista que será chamada a medida em que surgirem os estudantes que precisam de suporte. Toda a tramitação é mediada pelos perfis e o único retorno solicitado é o boleto que possa comprovar aos estudantes que poderão realizar o Enem .
O Enem ocorreria em novembro, mas foi adiado por causa da pandemia do novo coronavírus
(Sars-Cov-2). Ainda não há uma nova data definida para a aplicação das provas.