Os 10 milhões de “testes rápidos” para o novo coronavírus que o governo brasileiro anunciou que pretende comprar são de um tipo que pode ter grande serventia para pesquisas epidemiológicas, mas pouca utilidade na linha de frente do atendimento a doentes. Ele detecta quem teve a Covid-19, mas não tanto quem a tem no momento do exame.
Como dependem de sistema imune do paciente para identificar o vírus, esses exames tipicamente só detectam a infecção após uma semana de sintomas, explicam infectologistas. O teste é considerado “rápido” porque, depois de aplicado, dá resultado em 15 minutos.
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Desenvolvidos recentemente, esses exames começaram a ser vendidos pela China no mês passado e se popularizaram. Governos como os do Brasil e do Reino Unido já anunciaram a aquisição de lotes. Sites na internet vendem o produto de maneira informal.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a comercialização de nove marcas de testes sorológicos, cujos pedidos de registro tramitaram com prioridade.
O governo do Brasil anunciou que, por intermédio da Vale, pretende adquirir 10 milhões de testes para Covid-19 da empresa chinesa Wondfo, mas disse que eles não estarão disponíveis inicialmente para diagnósticos de pacientes na rede pública. A ideia é usá-los apenas para monitorar profissionais de saúde isolados e para fazer “vigilância epidemiológica”.
O governo não anunciou ainda intenção de fazer um grande levantamento para saber a incidência da doença na população geral, mas o Ministério da Saúde afirma que esses testes devem ser usados na rede sentinela que coleta amostras de pacientes com sintomas gripais para monitorar espalhamento de epidemias. Essa rede já opera hoje com testes genéticos do tipo RT-PCR, que são padrão-ouro para detectar a Covid-19.
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Suprida a demanda na área não-clínica, a ideia do ministério é tentar desafogar a demanda pelos testes para pacientes que estão manifestando sintomas da doença e procuram atendimento clínico. Infectologistas ouvidos pelo GLOBO, porém, afirmam que ainda não está claro o quanto essa medida será eficaz em suprir a falta de testes.
Sem validação
O ministério reconhece que ainda não houve tempo para o teste da Wondfo ser validado pela OMS, e que seus parâmetros de qualidade ainda precisam ser avaliados no contexto brasileiro.
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Segundo a empresa chinesa teria informado ao governo brasileiro, a “especificidade” de seu teste é de 99,5%, o que significa que é muito difícil que esse exame produza um resultado falso-positivo. A “sensibilidade” do teste é menor, porém, de 86,4%, o que significa que o risco de um falso-negativo não é desprezível, sobretudo quando o teste é usado nos primeiros dias.
Segundo o Ministério da Saúde, o uso do teste será feito apenas em profissionais de saúde já afastados da linha de frente por critério clínico, e levará em conta suas limitações.
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“A ideia deste teste é aplicar entre o oitavo e o décimo dia para aqueles profissionais que apresentarem ao menos um sinal ou sintoma como tosse, mal estar, dificuldade de respirar ou febre”, explicou o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson Kleber de Oliveira, em entrevista coletiva. “Se este teste for positivo, o profissional permanece em isolamento. Se for negativo, ele deve recompor a força de trabalho”.
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Para Tânia Vergara, presidente da Sierj (Sociedade de Infectologia do Rio de Janeiro), ainda não está claro o quanto os testes sorológicos conseguirão contribuir para desafogar a demanda.
“Não falo em nome da Sierj, porque ainda não reunimos a diretoria para discutir. Mas, a meu ver, esse não é um bom teste para infecção aguda, e ele teria que ser validado antes”, diz a médica, que vê problema em usar o teste para devolver um profissional de saúde a um hospital:
No limite, pode ser um fator confundindo a decisão. Se der negativo você não pode descartar o caso suspeito”, afirma. A crítica não é unânime entre infectologistas.
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“Não é uma estratégia ruim”, diz Paulo Santos, médico consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia. “O teste de PCR está reservado para pacientes que se internam, o que cria uma grande lacuna na questão epidemiológica. Se só aplicamos o diagnóstico em quem está em estado grave, não geramos uma estatística como a que a Coreia do Sul gerou, com uma estimativa mais precisa da letalidade do vírus na população”.
Para o médico, dados como esse são importantes para planejar o combate à doença, e testes sorológicos podem supri-los, desde que o governo mude a política restrita de testagem. Um desafio é convencer o paciente de que o resultado de seu exame não é 100% garantido. “O indivíduo fica muito ansioso. Ele quer saber se tem coronavírus ou não. Mas qual seria a recomendação para essas pessoas? Isolamento indistinto”.
Distanciamento social
Independentemente da política de testagem, diagnósticos não devem servir para liberar pessoas a saírem à rua, dizem os especialistas ouvidos pelo GLOBO, uma vez que o distanciamento social é único único recurso de massa para tentar impedir o espalhamento rápido do vírus que ameaça o colapso do sistema de saúde.
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Os testes sorológicos para Covid-19 já estão sendo vendidos indistintamente e não há restrição para tipo de comprador. A Anvisa afirma, porém, que eles são “voltados para uso profissional” e “devem ser interpretados por um profissional de saúde, com auxílio de informações clínicas do paciente e de outros exames”.
Segundo Paulo Santos, à medida que mais testes vão sendo aprovados e avaliados, a tendência é que a qualidade do resultado melhore. Os chineses saíram na frente porque, com 80 mil casos, o país tinha um recurso importante para essas pesquisas: os pacientes.