Seis meses depois, moradores de Brumadinho ainda sofrem com o luto
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Seis meses depois, moradores de Brumadinho ainda sofrem com o luto

Seis meses depois de ser engolfada em um mar de lama, o sentimento geral em Brumadinho (MG) ainda é de luto. “Nunca mais as coisas voltarão à sua normalidade”, resume Andresa Rodrigues, que é uma das centenas de pessoas que perderam seus familiares na tragédia que acometeu a cidade.

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O único filho de Andresa, Bruno Rocha, era técnico da Vale e estava no trabalho quando, no dia 25 de janeiro de 2019 a barragem 1 da Mina Córrego do Feijão em Brumadinho se rompeu. O mar de lama e rejeitos encobriu a área operacional da mina e a área administrativa, onde ficavam escritórios e o refeitório. Além disso, também foram atingidas as comunidades do Córrego do Feijão e do Parque da Cachoeira e o rio Paraopeba. Desde então, 248 pessoas já foram encontradas mortas e 22 famílias continuam à espera de seus desaparecidos – ou suas joias, como dizem os atingidos.

Andresa define o sentimento de perda como uma morte diária. “Continuamos a morrer um pouco a cada dia. O assassinato cruel e brutal que a  Vale cometeu foi com as vítimas, com os familiares, com os amigos e com toda a cidade”, diz. 

Sua vida mudou por completo e, além de conviver com a dor, ela conta que agora precisa tomar remédio para dormir, para acordar e para se alimentar. “A vida não tem mais cor, nem sabor. Saber que nunca mais serei chamada de mãe, não serei avó. Assassinaram meu filho. Me assassinaram também.”

Denise Moraes perdeu o primo Hugo Maxs Barbosa, que era mecânico da Vale, na tragédia. “Ele foi encontrado mais de um mês depois. Foi uma coisa dolorosa ficar nessa expectativa de encontrar o corpo. Isso é muito tenso, você fica em uma tensão o tempo todo”, conta.

Ela mora em Belo Horizonte, mas nasceu e cresceu em Brumadinho, tendo vivido por alguns anos na comunidade do Córrego do Feijão , e fala sobre a perda da memória afetiva. “Os lugares que eu passava diariamente, que eu passei minha primeira infância, isso tudo acabou. É muito triste você ver que tudo que eu vi durante todos esses anos, não existe mais”.  “É uma coisa que vai repercutir na cidade para sempre. Nunca mais Brumadinho vai ser igual antes”, completa, emocionada. 

Carolina Antunes, co-fundadora e presidente da ONG NaAção, destaca também outras consequências que as pessoas da região vêm sofrendo: "Houve um aumento muito grande de casos mais graves de depressão. Muita gente que deveria estar recebendo indenizações ainda não recebeu. Muitas estão alojadas em casas diferentes, então sentem a falta gigante das casas que perderam."

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“Também tem a questão da natureza. Como a região não tem muitas alternativas de lazer, o lazer para as pessoas que estão ali era a natureza e ela foi praticamente lacrada. Tem aí 15, 20 metros de lama lacrando as cachoeiras, os riachos, as florestas”, explica. Mas pondera que “ao mesmo tempo, há algumas pessoas tentando recomeçar, trabalhando, tentando segurar as pontas, de uma maneira ou de outra buscando algumas alternativas. É meio que nadando e sendo puxado pelo pé”. 

A organização de Carolina é de Belo Horizonte, mas está em Brumadinho desde o dia 26 de janeiro apoiando as pessoas atingidas, com serviços como o atendimento psicológico. Carolina também conta que vê na cidade que ainda há uma ferida muito aberta. “Final de tarde e final de semana são muito tristes.”

Reparação

Desde o rompimento da barragem , a Vale tem providenciado uma ajuda de custo emergencial para os atingidos e familiares de vítimas. No último dia 9, a  Vale foi condenada pela primeira vez na Justiça pela tragédia. O juiz Elton Pupo Nogueira, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), definiu que a mineradora deve pagar indenização para todos os atingidos, mas não fixou um valor. Ele também manteve o bloqueio de R$ 11 bilhões, que já havia sido imposto, e negou pedidos de suspensão das atividades ou intervenção judicial na empresa.

Pouco tempo depois, no dia 15, o Ministério Público do Trabalho e a empresa entraram em um acordo para o pagamento de uma indenização . Cada cônjuge, filho, mãe e pai de funcionários da Vale vai receber R$ 700 mil, sendo R$ 500 mil referentes aos danos morais e R$ 200 mil de seguro por acidente de trabalho. Irmãos de funcionários vão receber R$ 150 mil.

Entre as pessoas que não trabalhavam para a mineradora, algumas começaram a fazer acordos, mas a grande maioria ainda não.

Para os atingidos, no entanto, o dinheiro não é suficiente. Eles pretendem transformar o local do crime em um espaço de homenagens para as vítimas. “Queremos o memorial de nossas joias. Queremos que a Vale nos peça perdão”, diz Andresa. 

Mulheres do Projeto Flor Amarela se reuniram em frente à lama para fazer uma oração
Divulgação/Projeto Flor Amarela
Mulheres do Projeto Flor Amarela se reuniram em frente à lama para fazer uma oração


Recuperação

Neste cenário, surgiram algumas iniciativas para tentar ajudar os atingidos a retomarem suas vidas. O Projeto Flor Amarela , por exemplo, dedica-se às mulheres que perderam parentes nas tragédias. Nos encontros que funcionam como grupos de apoio às mulheres trocam experiências e encontram amparo em quem entende o tamanho de sua dor.

A doutoranda em ciência política Camila Montevechi vinha idealizando junto a uma amiga um projeto que trabalhasse o empoderamento feminino das mulheres da região. Quando se deu o rompimento, elas entenderam que não poderiam esperar mais e colocaram em prática o Flor Amarela, que recebeu este nome em função da flor que nasceu em meio à lama alguns dias depois da tragédia.

“A gente reconhece que o lugar e o papel que essas mulheres ocupam são tradicionalmente o lugar do cuidado, da proteção da família. Muitas delas não foram preparadas para lidar com outras questões relacionadas ao sustento da família, ao uso do recurso que vai chegar, têm baixo poder decisório sobre a gestão dos recursos e baixo incentivo também à escolarização e ao empreendedorismo”, explica Camila sobre a escolha do público-alvo. “A gente sabe a importância que tem de uma mulher falar com a outra em um espaço em que só elas estejam presentes. Elas se sentem mais seguras”, completa.

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Camila é cunhada de Denise, que também é uma das organizadoras do projeto. Para Denise, a importância do projeto é mostrar para as mulheres que elas têm um futuro pela frente. “Estar fazendo parte disso é muito bom, não só estando lá para ajudar, mas também sendo ajudada. O Flor foi ajudando a gente a amenizar um pouco, a ter um pouco mais de esperança”, conta. Elas planejam começar a oferecer algumas oficinas visando a capacitação profissional dessas mulheres, para que elas possam encontrar fontes de renda além do auxílio da Vale.

Da mesma forma, A ONG NaAção, vai realizar em setembro o “Festival das Estações” para começar a despertar nas pessoas o desejo de recomeço, de não depender só do dinheiro de ajuda emergencial. A partir de outubro, a organização também começa a jornada de desenvolvimento de líderes sociais e microempreendedores, na qual serão realizadas oficinas de capacitação.

Não-repetição

Desde a tragédia de Brumadinho, 22 barragens em 12 cidades mineiras entraram em emergência. Destas, quatro estão no nível 3, o máximo, de risco de rompimento iminente. Todas pertencem à Vale. 

É isso que Julia Cruz, assessora do programa de Desenvolvimento e Direitos Socioambientais da ONG Conectas Direitos Humanos, aponta como uma grande preocupação. Para ela, é urgente “olhar para as condições sistêmicas que dão origem a esses desastres. Ou seja, o que fazer para não ter um terceiro acidente”.

Em termos legislativos, até agora 78 projetos relacionados à questão da regulamentação de barragens foram apresentados no Congresso Nacional. Nenhum deles, porém, foi completamente aprovado e sancionado.

De concreto, até agora, há apenas uma resolução da Agência Nacional de Mineração (ANM), que proíbe a criação de novas barragens do estilo a montante, a mesma de Brumadinho e Mariana. 

Segundo Julia, “ Brumadinho é o capítulo dois de Mariana. O fato de que a gente não olhou o porquê Mariana aconteceu fez com que Brumadinho fosse possível”.

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